10 Considerações sobre Ripley subterrâneo, de Patricia Highsmith ou, sinceramente, como ele consegue?

 O Blog Listas Literárias leu Ripley subterrâneo, de Patricia Highsmith publicado pela editora Intrínseca; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro ou, sinceramente, como é que esse cara escapa? Confira:


1 - Ripley subterrâneo é a continuação de O talentoso Ripley, e o segundo da série de cinco livros com o célebre personagem caracterizado pelo seu perfil sociopata. E se no primeiro livro já fica certa pulga de como as narrativas construídas por Tom Ripley convencem aos outros, a despeito da argúcia e esperteza desse atroz assassino, nesta sequência as teias tecidas por Ripley ficam ainda mais intrincadas quando posta diante do verossímil. Não tem como o leitor deixar de questionar-se, não, sério, como ele escapa disso? Mas antes de tratarmos dessa questão, um tanto quanto relevante, iniciemos sobre essa nova jornada...

2 - Os eventos dessa jornada se passam três anos após os acontecimentos com Dickie Greanleaf. Tom agora vive casado com uma mulher francesa de senso ético tal qual o dele. Filha de uma família nobre, Heloise entra literalmente na narrativa mais ao fim da trama, quando a série de eventos já foi desencadeada. No caso, Tom participa de um esquema de falsificação de obras de arte que está prestes a ruir, de modo que, bem sabemos, nessas situações drásticas Ripley além de assumir outras identidades, também tem o costume de matar;

3 - Aliás, embora viva rico num vilarejo francês um tanto quanto poético e perfeito para a vida desejada por Ripley, no decorrer da narrativa as sombras o ocorrido com Greenleaf volta e meia pairam sobre seu currículo. Nada que o abale, claro, tampouco interrompa sua jornada de crimes, se antes para ascender a uma vida de recursos, agora para manter seu pequeno paraíso;

4 - Contudo, neste segundo livro há uma série de diferenças quanto ao primeiro. Inclusive os que interferem no código penal de qualquer país, até porque, se no primeiro livro Tom é um solitário em sua vida de crimes, neste novo livro temos formação de quadrilha, uma quadrilha bastante imoral visto que, aliás, nenhum integrante questiona os meios e métodos de Ripley, nem mesmo Barnard, cujo problema com Tom nada tem a ver com o que ocorre com o Sr. Murchison. 

5 - E isso também reflete naquilo que considero problemático no livro. Há muita gente envolvida. Se Ripley e sua natureza é uma incógnita a outrem no livro de estreia, aqui não, ele revela-se a muita gente, o que é de modo geral um risco enorme. Do mesmo jeito, o número maior de envolvidos demanda uma teia melhor organizada e mais firme. Muitas pontas e arestas a serem trabalhadas, e que em alguns casos nem toda solução nos parece crível;

6 - Mas nada mais estranho ao leitor que a contraparte. A investigação. Talvez os investigadores e como são constituídos é que sejam problemáticos. Aliás, Highsmith talvez o faça com consciência. Em determinado momento Ripley meio que vê-se numa situação semelhante a um caso de Sherlock Holmes e em seu pensamento íntimo torce para que a solução no seu caso se dê distinta da narrativa de Conan Doyle. Quem sabe uma declaração explícita que um bom investigador pudesse botar tudo abaixo;

7 - Porque é daí que nasce o embasbacamento do leitor e o espanto, mas como? Como isso colou? Até porque, como o investigador Webster vai relembrá-lo em certo momento, há muita gente morta, muitos suicidas próximos ao senhor Ripley. Entretanto, nem mesmo essas sombras que pairam sobre ele, sobre suas atividades, sobre como ganha a vida, mesmo com tudo isso, fica-nos a impressão de que são os investigadores pouco incisivos, sejam os franceses ou Webster que se mostra o investigador principal;

8 - Ocorre que tem perguntas que ficam prontas na boca do leitor. Nossa, como não perguntou isso? Além disso, como se trata de uma rede mas complexa e com mais gente envolvida, os investigadores parecem-nos contentar com qualquer coisa. Não são eles que ditam a investigação, mas os investigados. Ademais, talvez a questão do contexto de sua época, um tanto mais difícil no que se refere ao controle de mobilidade, mas como Ripley move-se, mesmo com documentos falsos, é um tanto estranho;

9 - Mas não mais estranho que duas situações específicas. A primeira trata-se da característica do próprio personagem em transmutar-se em outros. Caramba, só Murchison percebe - faz sentido, já que revela-se um detalhista a falsificações -. Mas ainda assim estranha-me como Ripley poder ser duas pessoas diferentes com uma mesma pessoa e esta não perceber, especialmente se falando de um detetive. A oura está relacionada ao próprio desfecho e a narrativa que Ripley vende ao final para Webster para dar conta de Derwatt e Bernard. Obrigado por nos levar a um outro cadáver, nunca desconfiaria do senhor, acredito fielmente, se não são palavras de Webster é o que emana de suas ações quando ao final do livro, aparentemente Ripley safou-se mais uma vez;

10 - Enfim, logicamente Ripley subterrâneo é uma leitura divertida - sic - e alucinante. Como de modo geral nos thrillers temos o suspense, aquela tomada de ar pelo desfecho de cenas que mexem com nossos ânimos. Até um sociopata pode converter-nos em espectador ansioso pelo que lhe ocorrerá. Ou seja, nossas percepções anteriores não interferem no prazer da leitura, entretanto, temos de enfatizar, como ele consegue? Como Webster compra facilmente suas declarações. Vale destacar ainda que no caso deste livro temos um final largamente aberto, quase que algo não terminado, deixando claro ao leitor que deve ocorrer mais coisa pela frente.  

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