10 Considerações sobre Realidades Adaptadas, de Philip K. Dick ou tudo pode ser o que também pode ser

 O Blog Listas Literárias leu Realidades Adaptadas, de Philip K. Dick publicado pela editora Aleph; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:


1 - A primeira coisa bacana a se comentar é a sacada da ambiguidade desta seleção de contos, pois realidades adaptadas não apenas informa ao leitor que trata-se de contos de Dick adaptados para o cinema como acerta o cerne de toda produção do autor: o hiper-realismo a as realidades sempre posta em questão pelos simulacros, pelas cópias, pelo tangível, pois que Philip K. Dick como nenhum outro questiona incessantemente o caráter da própria realidade;

2 - Como dissemos, neste volume encontramos sete contos de Philip K. Dick que foram levados às telas dos cinemas. Aliás, não raro é possível que muitos leitores tenham já se deparado com algumas destas adaptações desconhecendo a origem, já que muito destes filmes são hoje relevantes ao gênero, caso de Vingador do Futuro e Minority Report, por exemplo. Vale ainda destacar que em alguns casos as adaptações são eficientes em manter a atmosfera e o clima dos contos, noutros caos, como em O vidente, há uma distancia muito grande entre as duas obras, e isso em nada tem a ver com o filme ter Nicolas Cage;

3 - O livro abre com o conto "Lembramos para você a preço de atacado" que deu origem à adaptação O vingador do Futuro. Esse conto traz toda a gênese da literatura de Dick estabelecendo uma fronteira indefinível entre o real e as memórias falsas. Um excelente conto e um filme capaz de pegar a atmosfera da narrativa textual. Um exemplo de como a mente "paranoica" do autor põe em xeque a natureza do real e, mais que isso, insere o contexto mercantil na parada toda;

4 - "Segunda variedade" que dá origem a Screamers - Assassinos Cibernéticos é mais uma narrativa fruto de seu tempo - mas não sem tocar a fragilidade do real. Um conto marcado pela Guerra Fria e pela desconfiança, na busca pelo inimigo dentro de casa, ao nosso lado. Isso, contudo, não data o conto, mas acima de tudo é preciso ser observado nesta lógica da paranoia persistente, da espionagem, de seres estranhos infiltrados entre nós e uma elevação máxima do medo do outro;

5  - A paranoia persiste em "O impostor". O conto em certo grau reproduz os mesmos medos presentes em "Segunda Variedade". O desfecho do conto como epítome desta paranoia coletiva e desolação causada pela impossibilidade de confiança e crença no "real" aparente;


6 - Quarto conto do livro "O relatório minoritário" tem preservada sua atmosfera no filme. Aqui há uma série de discussões relevantes, dentre elas a velha discussão se os fins justificam os meios. O tempo, claro, importante na narrativa, afinal, trata-se de uma jornada de tentativa de previsão deste tempo e o jogo que se estabelece: uma previsão feita, o quanto dela estamos refém até que que a coloquemos em prática como forma de ratificar o previsto. Aliás, esse talvez seria um elemento interessante a se discutir as ficções especulativas, vistas geralmente enquanto alertas de futuros sombrios, futuros que até então em maior ou menor grau repetimos aqui fora. Isso coloca em questão se a literatura está "prevendo" o futuro ou se simplesmente não estamos nós, o corpo social composto de distintos corpos sociais, conduzido por tais previsões sentem-se na obrigação de efetuá-las?

7 - Falando em prever o tempo, o tempo é matéria e substância do conto "O pagamento". Se o real para Dick é incerto o é pela natureza, fluidez, liquidez e relatividade do tempo. O conto gira em torno de um homem capaz de controlar seu presente/passado a partir das informações que tem do futuro. Um conto complexo cuja ação pode mascarar tais complexidades e teorias apresentadas pelo autor quanto a natureza do tempo;

8 - "O homem dourado" talvez seja dos contos mais emblemáticos do livro e o que provavelmente originou a pior das adaptações. Isso porque o filme é de uma pobreza e o conto de muita riqueza, não pela natureza de divindade de seu mutante, mas pela desconfiança da narrativa para com portadores de poderes especiais. Um conto com um dos personagens (visto enquanto criatura) mais fascinantes de Dick pelo mistério e emblema que representa. Aliás, um personagens que olhando bem, talvez contradiga o próprio autor quanto a suas intenções;

9 - O livro se encerra com "Equipe de ajuste" que dá origem ao filme Agentes do destino. Em tese a obra eleva a uma instituição com muitos agentes aquilo que desconfiamos existir numa única instituição: o destino que pré-determina eventos que são responsáveis por soluções importantes. Essa é uma vaga desconfiança humana que em parte está calcada em nossa dificuldade de lidar com o aleatório. O aleatório depois de fato consumado será sempre organizado, mas apenas porque desta barreira já passamos. Um conto instigante este;

10 - Enfim, em Realidades Adaptadas temos o melhor do universo de Philip K. Dick. E tudo isso de forma ampliada pelas diferentes visões que foram sendo incorporadas ao seu trabalho, especialmente pelo cinema, nesse caso. Em todos os contos temos as características marcantes e caras ao autor que o tornaram uma das figuras mais enigmáticas da literatura e do imaginário mundial. Uma ótima porta de entrada ao estranho e complexo universo de Dick.

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