10 Considerações sobre Devoradores de Estrelas, de Andy Weir ou uma vez professor, sempre professor

 O Blog Listas Literárias leu Devoradores de Estrelas, de Andy Weir publicado pela editora Suma; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:


1 - Cativante e brilhante, Devoradores de estrelas supera mesmo os momentos de adoráveis pieguices de Weir, ou então certa ingenuidade em relação às sociedades que parece manter o autor, sempre com certo viés positivista e esperançoso; o livro com isso afirma a força e presença deste autor no cenário da ficção científica, uma ficção tanto imaginativa tanto realística capaz de olhar para coisas que nem sempre estamos olhando. Em meio a um presente incerto, os olhos de Weir estão sempre no futuro, um futuro que a despeito das aparentes tragédias, conduz sempre à esperança na humanidade;

2 - Às pieguices podemos creditar a insistência na construção de um personagem muito típico destes tempos, o espirituoso. Dr. Grace a seu modo reproduz muitas das características de Mark Watney de Perdido em Marte. Mas este também alguém semelhante a um tipo muito comum no cinema e na literatura. O espirituoso é conhecido pelo sarcasmo, pela necessidade recorrente da piada, certa picardia juvenil que embebe de Deadpool a Ryland Grace. Confesso que este leitor tem sentido certo cansaço dos personagens espirituosos, ainda assim, o protagonista deste livro supera o fato de ser mais um espirituoso e ao fim, entregar-nos uma narrativa que congrega os melhores efeito não apenas da ficção científica como da aventura;

3 - Feita a pequena ressalva, devemos partir aos elementos que tornam a leitura uma grande e excepcional experiência. Andy Weir parece ter se especializado em escrever Robinson's Crusoé do espaço. Tal como Perdido em marte, a jornada espacial se torna em determinado momento a jornada de um homem só - que neste novo livro terá sua própria versão de Sexta-Feira. O livro é narrado pelo próprio Ryland Grace, um cientista e professor de ciências que da noite para o dia se vê no projeto mais essencial para sobrevivência da humanidade no universo. A partir disso se verá sozinho numa galáxia distante enquanto seus flashbacks retomam o que acontecera na terra. Nisso temos algumas observações curiosas - ou não tão curiosas a fazer;

4 - A ficção científica é, logicamente, um gênero bastante característico, mas convenhamos, muitos de seus bons exemplos unem não apenas a ciência, mas a aventura e algo da literatura detetivesca e seus suspense. Devoradores de estrelas é um destes casos em que os três gêneros se mesclam com eficiência. A amnésia de Grace no espaço e os segredos envolvendo seu despertar do coma meio que estabelecem o jogo detetivesco, inclusive com suas surpresas e descobertas; a aventura, lógico, é intrínseca à experiência, navegador do cosmos, do desconhecido... nesse sentido, cada novo planeta não deixa de causar efeito semelhante às ilhas misteriosas tão caras às nossas leituras;

5 - Assim, reunindo o melhor desses três gêneros, o livro nos entrega uma trama factível mas não menos imaginativa e especulativa. Parte da morte ou possível morte do sol e suas causas para construir a jornada de Grace pelo espaço. Uma jornada suicida e derradeira que deve entender o fenômeno e assim, conseguir dados que salvem não apenas o sol, mas toda a humanidade. Com isso é também uma narrativa contra o relógio, pois o tempo não apenas é relativo, mas também muito escasso...


6 - E quando parte para o científico da coisa vemos novamente características que tornaram Weir um dos principais nomes do gênero na literatura contemporânea no gênero. Sem perder a imaginação e a especulação, as narrativas de Weir partem de uma ciência bastante sólida. Mesmo quando cria ou imagina, não o é sem a possibilidade científica, Este livro, aliás, meio que uma espécie de narrativa metacientífica já que o método é tratado na obra. Física, biologia, química e ciência social saltam diante do leitor de modo realístico e ao mesmo tempo muito criativo;

7 - Vou me ater ao paratexto "um aliado inesperado" na contracapa de modo e me isentar da responsabilidade de entregar coisas de mais. Mas é que é impossível não tocar naquilo que o livro salta da técnica para a espiritualidade humana e para além dela, para os contatos, para as relações, para sentimentos - tão humanos - quanto a amizade. Não sei se por ingenuidade ou por inabalável fé na humanidade, Weir faz deste livro uma emocionante narrativa não apenas da amizade, mas acima de tudo, da confiança...

8 - E a confiança demanda tempo e coragem. Talvez alguns leitores possam achar a obra lenta se comparada às tantas guerras estrelares, aos diferentes contatos imediatos, às civilizações alienígenas, enfim... nesse sentido, o tom realístico com que o autor tenta cobrir cada especulação parece tornar a coisa lenta, o perigo muito mais dentro de nós leitores, imersos numa narrativa cujo suspensa não se cria pelos laseres, mas sim pelo obstáculo de todo e qualquer ambiente natural. Weir assim elabora com minúcias sua especulação realista;

9 - E antes de fechar as considerações, vale ainda destacar as viradas inesperadas e as escolhas improváveis que levam a um final cuja cena evoca imagens clássicas da clássica ficção científica. Na verdade, a este leitor, ao menos, a imagem saltou como aquelas ilustrações dos anos 60 e 70... a última cena não é apenas poética, mas parece-me, faz saltar a semiose da distância e o quão pequenos somos neste universo tão vasto... 

10 - Enfim, Devoradores de estrelas é que há de melhor no gênero. Especulação imaginativa que não se furta do realístico e das probabilidades em suas construções. Mas acima de tudo traz uma mensagem ética e filosófica. Fala da confiança, da perseverança e mesmo reconhecendo o ambiente natural da evolução da vida, ergue-se naquilo que diferencia espécies inteligentes das demais. Se jornada externa e longínqua, é também jornada interna ao humano, da necessidade se superar-se as barreiras e as desconfianças e tal como a peixinha seguir cantando "continue a nadar... continue a nadar..."

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