10 Considerações sobre O senhor dos anéis - O retorno do rei, de J. R. R. Tolkien ou

O blog Listas Literárias leu O senhor dos anéis - O retorno do rei, de J. R. R. Tolkien publicado pela editora Harpercollins; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o terceiro volume desta saga época que estabelece uma grande marco na literatura de fantasia, confira:

1 - Como já o dissemos antes, O senhor dos anéis não é uma trilogia, mas uma romance único publicado em três volumes e hoje fechamos nossa leitura deste último volume que fecha a saga (vocês podem ler aqui as resenhas de A sociedade do anel e As duas torres). Neste terceiro volume os livros V e VI da saga em que se desenrolam os atos finais da saga do anel e seu portador. O volume ainda apresenta seus apêndices com muito material sobre a Terra Média, contudo, essa é uma parte que deixamos para qualquer outra hora. Dito isto, na presente resenha trataremos não só dos acontecimentos do volume, mas algumas considerações que levam em conta elementos do romance por inteiro;

2 - O volume principia com certa multiplicidade de focos narrativos, mas com alguma ênfase em Aragorn. O Livro V concentra-se nas diversas movimentações de guerra em Gondor, Rohan e às portas do Portão Negro. O volume final conforme está estruturado, aliás, reforça a ideia de logro do mal, ou logro do demônio. Suas duas partes evidenciam isto, pois enquanto Sauron volta-se para a guerra contra homens, elfos e ents, seu destino está sendo traçado secretamente com os dois hobbits que se encaminham até a Montanha da Perdição. É neste livro que temos a ascensão de Passolargo e as principais batalhas da guerra do anel, assim como as perdas relevantes do lado de cá do confronto. Há neste momento muitas idas e vindas no tempo, bem como o espichar descritivo da narrativa, mas curiosamente, algumas passagens, como a batalha nas proximidades do Portão Negro nos entregue de forma tão rápida que ficamos com a sensação de ter perdido algo;

3 - Se no livro V seguimos uma das frentes de batalha, o Livro VI além de trazer a frente "secreta" da batalha, a jornada do portador-do-anel e seu parceiro Sam Gamgi por túneis de orques, montanhas pudendas e ao íntimo de suas próprias almas já que teremos muitos monólogos interiores, tanto de Frodo quanto de Sam que tentam entender os seus respectivos papéis na demanda, demanda esta, para eles, cada vez mais sem esperanças de modo que apenas a resignação ao destino e ao senso de missão estabelecidos que os impulsiona sempre à frente;

4 - Além disso, o Livro VI para além dos últimos atos da jornada do anel, seu destino final nas Montanhas da Perdição, a narrativa prossegue por algum tempo após a grande conquista e a vitória sobre as trevas. Nesse caso, como já ressaltamos em outro post, encontraremos boas diferenças em relação ao filme já que na adaptação fica um tanto comprometida a abordagem que o romance oferece acerca das consequências da guerra. Isso fica mais evidenciado no retorno (demorado) dos hobbits ao Condado que culmina na Batalha de Beirágua e no destino de personagens como Saruman (no filme bem difuso). Talvez aqui esteja uma questão importante e relevante da abordagem de Tolkien, que bem sabemos marcado de alguma forma pelos traumas de guerra. É como se os capítulos finais pós vitória procurassem demonstrar que a despeito da vitória e das canções de glória a guerra penetra os indivíduos de maneira que não se poderá mais ser o mesmo, nesse caso, especialmente Frodo, que não só a guerra, mas a proximidade com o poder do anel lhe imprime grande melancolia e infelicidade;

5 - Aliás, a esta altura podemos falar um pouco mais deste aparentemente grande protagonista da saga, o portador-do-anel, o de tantas virtudes a suportar tamanho poder e tentação, aquele que deveria ou a quem as canções pela Terra Média glorificam. Temos nossas divergências em relação a isso. Isso porque, na verdade Frodo falha e falha miseravelmente (talvez seja esse seu pesar). Não só pelos tantos momentos de tentação e usufruto do poder do anel, mas pelo fato de que sob um olhar detido, o personagem nada mais faz que carregar o anel - e sempre carregado de dubiedades; em momentos cruciais ele fracassa, cede, sucumbe (e não creio que estejamos sendo demasiados críticos a ele). Vejamos que Bilbo ficou por muitos anos com o anel, não chegou perto de se tornar um zumbi deste, Frodo a cada uso, mais sucumbia à força do anel, não demoraria muito a se tornar um novo Smeagol. Do mesmo modo, não fosse algumas doses de sorte e principalmente o escudo que lhe foi Sam, Sauron estaria dançando em Mordor. Aliás, se temos alguém virtuoso aqui é Sam, curiosamente num papel bastante lacaio, numa típica visão britânica do patrão e do servil empregado;


6 - Mas retomemos as questões de Frodo. Ele fracassa e nisso talvez um pouco da própria narrativa, especialmente porque os desfechos essenciais surgem então muito mais como acaso do destino ou predestinação do que algum feito vitorioso. Falamos especialmente do embate final na Montanha da Perdição entre Gollum e Frodo. Os dois tomados plenamente pelos poderes do anel. Ali estão duas criaturas em luta que se igualam na derrota de modo que Sauron não é derrotado por feitos heroicos, mas sim pela ambição do poder. Ali Frodo cai diante dos que talvez sejam críticos de sua postura desde o princípio. Nesse sentido talvez haja alguma dose de sabedoria do Condado com o Bolseiro no pós-guerra; todos são distantes, até porque no rescaldo do conflito que chega ao Condado a ação de Frodo é semelhante a toda sua longa jornada: reticente. Isso é um problema se o tentamos ver num arquétipo de herói, o qual os outros três hobbits assumem em melhor posição (o que traz uma positiva ambiguidade). Enfim, Frodo é um personagem problemático e ambíguo, contudo a maior questão é que suas conquistas ao sabor do destino reforçam uma posição da narrativa quanto a compreensão das coisas...

7 - Queremos dizer com isso que neste terceiro volume parece-nos ainda mais nítido que a narrativa parte de uma concepção preestabelecida das coisas; os indivíduos possuem pouca margem de manobra pois que parecem estar no mundo papéis que já lhes estão designados, sensação que só aumenta diante dos tantos acasos da sorte que destinam toda a guerra. Dentre todos os personagens talvez apenas Gandalf tenha uma maior ou menor consciência dos fios do destino e mesmo ele por vezes é surpreendido por coisas postas e determinadas. Este talvez seja o olhar que mais revela quem sabe a visão de Tolkien da vida;


8 - E falando em Gandalf, precisamos dizer que a despeito de seu poder, de sua longa jornada pela Terra Média, a despeito de sua capacidade de movimentar as peças no tablado de guerra, chegando ao terceiro volume do romance nos demos conta que apesar de seus mistérios e encantos, se pensarmos no gênero fantasia, é um personagem que parece mais sábio do que realmente nos chega. Calma lá, sabemos que o mago possui muitos fãs, entretanto nos chamou a atenção de que para além de uma ou outra fala misteriosa ao seu círculo, ou seja, seus companheiros de jornada sempre impactados pelos enigmas do Mago, estes mais são enigmas preditivos de ações que enigmas existenciais a ponto de colocá-lo numa prateleira de grandes sábios acerca da existência humana. Por exemplo, há poucas falas e diálogos de Gandalf que possamos tirar frases ou aforismos que levem a pensamentos mais distante de modo que, vejamos, numa comparação de sabedoria entre Gandalf e Tyrion Lannister, o mago perde de lavada ao anão de Game of Thrones cujo olhar sobre a existência humana é mordaz;

9 - Obviamente o olhar mais crítico surge das observações das contradições e das ambiguidades nas ambiguidades existentes nesta narrativa clássica. Há por um lado tal simplificação já que o mal está posto e o que vige na outra parte é o bem, algo um tanto mais difuso quando pensamos mais profundamente. Nisso residem algumas críticas à obra e à Tolkien, esse olhar dicotômico trazendo dois polos sem as nuances entre eles. Todavia, se isto pode parecer simplista por um lado, tal como a visão um tanto determinista existente na narrativa histórica da Terra Média, por outro lado, Frodo naquilo que apontamos como problemas ou virtudes levam a outras camadas além da superfície. Mesmo Gandalf nos surge ao mesmo tempo simples mas ainda um personagem a ser decifrado, de modo que tais questões talvez sustentem a permanência da narrativa no imaginário global. Além disso, não podemos descartar a proximidade desta fantasia com os mitos e mitologias, inclusive constituindo suas próprias mitologias, o que faz da leitura algo bem relevante;

10 - Enfim, transcorridos os três volumes que forma o romance temos na leitura tudo que esperamos dela, uma narrativa fantástica e a despeito de suas virtudes ou problemas, um universo embora ficcional, sólido a tal ponto de adentrarmos a eles e acompanhar suas personagens como se existissem de fato ao nosso lado. Um livro rico em mitologias e ritos, uma narrativa que mesmo épica não deixa de trazer as fragilidades de seus heróis, especialmente aquele mais relevante. E com isso talvez a maior ambiguidade da narrativa que a despeito de seu "final feliz", a vitória do bem, o vislumbrar para além das cenas das grandes glórias, daquelas que cantam as canções, veremos que a guerra e o poder tatuam em seus personagens memórias que se traduzem em certa melancolia como o são as últimas linhas do romance. 

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