Enfim, depois de leituras incompletas em .pdf e uma longa espera pela leitura, lemos essa obra que há muito estava em nossas listas de desejo, O senhor dos anéis: a sociedade do anel, de J. R. R. Tolkien. Confira neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro:
1 - O primeiro desafio é o de justamente falar algo sobre um livro do qual tantas pessoas já falaram e ainda assim, apresentarmos novos olhares. Apesar do desafio tentaremos isso no decorrer deste post, ficando neste primeiro item nessa retomada contextual e breve síntese da trama que vocês já conhecem, como Frodo, um pacífico hobbit do Condado adentra na mais perigosa jornada das jornadas da Terra Média ao receber enquanto herança de Bilbo Bolseiro o Um Anel, aquele por qual Sauron perdeu os dedos, mas que está louco para retomar o poder do anel. A sociedade do anel, primeiro livro da sequência de três dos romances que constituem a obra, narra da partida de Bilbo do Condado, a chegada do anel a Frodo, o Portador-do-anel, em sua jornada até Valfenda onde o Conselho de Elrond constitui a Sociedade do Anel cujo objetivo seria destruir o anel, uma sina cabida a Frodo, mas que no Conselho recebe o apoio dos nove membros que constituem a sociedade; Como no filme de sucesso adaptado por Peter Jackson, o primeiro volume encerra-se quando as coisas tornam-se ainda menos esperançosas;
2 - Mas, aproveitando que citamos o filme, vale dizer que há importantes diferenças entre a obra literária e a adaptação (o que, obviamente, é bem comum afinal, cada obra é cada obra). Entre elas, forma que se dá a partida de Frodo do Condado, bem como a exclusão de passagens (até aqui, ao menos, interessantes) como as pelas terras do intrigante personagem Tom Bombadil. Tratamos de algumas dessas diferenças nesse post, e dentre as que não aprofundamos, cremos a que deve ser levada em conta numa análise do texto. Trata-se do foco narrativo. Se no cinema, possibilita-se e demanda-se a alternância de foco no acompanhar de diferentes personagens, até agora, pelo menos, já que a cisão mais drástica do grupo ocorre nos dois últimos capítulos, o foco está sempre a acompanhar o herói da narrativa, o seu único protagonista, ou seja, Frodo Bolseiro. Tolkien em sua narrativa de aventura privilegia Frodo concedendo-lhe a primazia do foco narrativo de tal modo que as informações relevantes de acontecimentos com outros personagens surgem nos reencontros e na retomada de suas histórias então, como exemplo, os resgates do que acontece com Gandalf em suas tantas viagens;
3 - Dito isso, precisamos reforçar o quão deleitosa é a leitura do livro. A narrativa é destas poucas a nos captar de maneira imersiva e voraz, pois quando iniciamos a leitura fica difícil desgrudar. Provavelmente pela soma de fatores positivos que tornam a leitura envolvente, os resquícios mitológicos, o privilégio das cenas, as descrições visuais que se para algum são minuciosas, a nós intensificam a imersão no universo tolkiano. Isso sem falar da ação e da constituição de personagens únicos, dotados de uma aura que os torna próximos ao leitor;
4 - E aqui podemos adentrar um pouco mais cada um desses elementos que consideramos importantes nesse poder de atração que possui o livro. Pensamos que ao estruturar sua fantasia, seu mundo único e fantástico em algo presente nas sociedades humanas colabora e muito na popularidade da obra. É inegável que Tolkien faz uso e muito bem da lógica dos mitos para criar sua própria mitologia. O autor bebe em muitas fontes na construção de O senhor dos anéis, fontes que constituem um imaginário vasto e longínquo das sociedades humanas, sempre atraídas pela lógica mitográfica. Todavia, ele ao mesmo tempo em que bebe em múltiplos mitos, vai erigindo internamente os mitos próprios do universo tolkiano;
5 - Nem sequer precisamos aprofundar em questões mitopoéticas relacionadas ao anel ou às diferentes criaturas do imaginário popular que são trazidas para a Terra Média para falar dos mitos na literatura. O cerne da lógica mitológica se mostra nas dualidades constituídas seja por arquétipos como vilão/herói seja por questões filosóficas bem/mal que determinados pensares podem imaginar como questão reducionista, mas que se considerarmos a lógica estrutural dos mitos, tais dualidades ali estão;
6 - Na verdade, a lógica do mito colabora com aquilo que talvez seja um dos objetivos do autor com sua narrativa, tratar de valores, ou de valores que ele devam ser considerados virtudes, tais como coragem, honra, enfrentamento dos desafios, justeza, honestidade, por aí, vai. Os heróis de Tolkien são o contraponto do mal absoluto, da falta de esperança e das trevas que caem sobre o mundo. Tolkien, a ver por sua narrativa, acredita na postura heroica enquanto enfrentamento do inimigo, do mal que nos ronda. Justamente por isso trata-se de um chamado bastante sedutor aos leitores desta épica fantasia, dotada de uma boa dose de romantismo ideológico;
7 - Além disso, soma-se a riqueza criativa do trabalho. É sem dúvida um vigoroso trabalho de imaginação, a capacidade humana de fabular em seu máximo. O domínio do narrar e do chamar à aventura de Tolkien funciona quase como um encanto. É como se ele de fato tivesse visitado esse mundo a que chama de Terra Média e assim o descreve por meio do romance. Os lugares, as criaturas, os heróis, todos descritos em minucias, e não sem alguma dose de introspecção carregam os leitores capítulos após capítulos sempre em altas doses de adrenalina e desbunde visual. Nos convencemos de sermos testemunhas privilegiadas da jornada de Frodo, como se fossemos uma cameraman seguindo seus passos, ao mesmo tempo que destalhes desse vasto universo insinuam-se e nos chegam de variadas formas;
8 - Aliás, precisamos reforçar que mesmo sendo narrativa de fantasia, por vezes subestimada pela crítica, a obra de Tolkien permite-nos incursões para além das camadas superficiais de seus personagens, especialmente seu protagonista, Frodo. Desde o início ele assume certo papel do mito de um messias, um redentor do mundo capaz de trazer alvorada e esperança, mas há dúvida em suas ações e pensamentos. Bem verdade que por vezes fica difícil dissociá-lo de figura de um Cristo, especialmente nas tentações as quais precisa suportar, neste livro ao menos duas grandes tentações, uma delas, a primeira nas Colinas-dos-túmulos, tentação que coloca em xeque ao menos por algum tempo, seus valores. Talvez ali o mais próximo dele sucumbir ao anel, até então;
9 - Mas se falamos de modo geral dos muitos aspectos positivos da trama, não podemos negligenciar algo que já apontamos em nossa leitura de O hobbit. O universo de Tolkien é predominantemente masculino de tal modo como se excluísse ou mesmo impossibilitasse o feminino à aventura (como se as mulheres já não tivessem aventuras na vida). Inclusive tratamos de como o filme mesmo desequilibradamente ainda assim mostra-se mais equilibrado que a narrativa literária. Ocorre que no universo de Tolkien a aventura é masculina em primazia, seu olhar cega-se ao feminino que constitui o mundo. Aqui ainda há alguma vaga lembrança às mulheres, o que não há em O hobbit, mais acentuadamente com a presença de Galadriel. Ainda assim é como se as mulheres ou o feminino não participasse ou não sofresse com a queda da esperança e da paz no mundo. Trata-se de uma visão um tanto quanto fechada, mas que de algum modo pode ser que reverbere as experiências do autor com a guerra, ao menos da forma como ele via a guerra com homens atirados a uma jornada desesperançosa em sua luta contra o mal. Ainda assim, a questão do feminino é problemática nos livros de Tolkien;
10 - Enfim, ainda não encerramos nossa jornada pela Terra Média, avançamos na primeira das três etapas; de antemão a reafirmação do poder de encantamento da leitura da saga, um universo rico cuja ação nos seduz desde o princípio numa narrativa em que paira certas névoas que pretendemos seguir deslindando nos próximos volumes.