O Blog Listas Literárias leu Vento em setembro, de Tony Bellotto publicado pela Companhia das Letras; neste post confira as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro e descubra como essa narrativa aproxima-se mais de um criminal pop art que propriamente narrativa policial por qual sempre percorreu o autor:
1 - Talvez devêssemos principiar nossas considerações compartilhando que a sensação que nos deixa a leitura de Vento em setembro é um tanto conflituosa. Não se trata de um conflito quanto à qualidade da narrativa, obviamente, conto conflitos relativos quanto onde encaixar essa nova narrativa de Tony Bellotto, um dos principais autores da narrativa policial brasileira. Acontece que o romance, não só pelo fato de quem assina a obra, traz semelhanças e aproximações com a narrativa policial, até mesmo as clássicas referências ao gênero, contudo, no mínimo poderíamos dizer que a narrativa afasta-se do gênero, ficando a sensação, todavia, que na verdade, aqui as intenções são outras;
2 - Isso porque nem toda investigação poderia se considerar narrativa policial. Além disso, nem todo livro com crime assim o é. Temos crimes (distintos dos crimes geralmente presentes no gênero), bem verdade, e temos uma investigação; porém a investigação aqui, no decorrer da leitura vai se revelando um outro tipo de investigação, aquela investigação que grande parte de nós vez ou outra percorre, a investigação acerca de nós mesmos, que é o que vais se desenhando com o desenrolar do novelo narrativo de Bellotto porque perceberemos que a investigação, a busca nesse caso, trata-se da busca pela própria história na jornada iniciada pelo narrador da obra;
3 - Aliás, aqui temos um grande desafio, o de cuidar muito nossas palavras para não entregarmos demais, o que não deixa de ser curioso numa narrativa que afasta-se ao nosso ver de um romance de enigma. É que qualquer deslize pode estragar a surpresa ou avançar demasiadamente nos segredos humanos por trás do enredo de um romance que como a própria contracapa entrega "nada é o que parece ser";
4 - Enfim, já dissemos então que o livro afastasse do gênero em que tradicionalmente escreve Bellotto. Aqui estamos muito mais próximos da ideia de romance, um romance penetrado por questões metafísicas, pela busca de identidade e, aí essa ideia talvez pouco esclarecedora de Criminal Pop Art, em razão do desfile de referências e influências culturais da Pop Art e da Contracultura que de certo modo levam Bellotto a um passado que lhe foi vívido presente. A bem da verdade, essas referências e tais cenários que por intercambeiam-se entre presente e passado nos já distantes anos 70 ao mesmo tempo que avançam por olhares críticos, também não deixam de estar pincelados com alguma dose de nostalgia;
5 - É justamente nos anos 70 que temos o princípio do romance o suposto mistério que precisa ser resolvido. Numa família com resquícios do coronelismo e ainda assim retrato da tradicional família brasileira de bem, os eventos posteriores do romance estarão interligados justamente com a noite de uma gigantesca orgia promovida por um poderoso fazendeiro para o ritual de desvirginamento do filho mais novo. O desaparecimento do rapaz parece colocar em movimento uma curiosa teia de relações que interligarão diferentes e curiosos personagens que percorrem as páginas do romance;
6 - Todavia, não podemos esquecer - e isso posteriormente revela-se - que trata-se de uma narração no presente e que esse passado é revisitado de tal modo que o narrador ao tomar essa posição, ainda que inconscientemente selecionará atores que certamente em momento ou outro irão se conectar nessa ponte permanente que mostra-se o romance entre o presente e o passado, aliás, aqui quase uma afirmação do controle do passado em relação ao nosso presente. Isso porque o passado do narrador e dos demais personagens acabam realizando forte pressão sobre o presente;
7 - Mas dito isso, temos em mãos um romance em que após o início da leitura fica difícil largar, mesmo com esse suposto afastamento do gênero policial que falamos. Talvez esteja aí uma das questões diferentes da obra, Bellotto aqui escreve um romance, mas com as técnicas narrativas do romance policial e de mistério que tanto conhece. E isso entrega-nos uma experiência também vertiginosa por lugares diferentes entre si, visto a variedade de cenários, bem como, personagens um tanto distintos que talvez se unifiquem por meio das experiências radicais do viver. De um modo ou outro são personagens impregnados pela rebeldia artística que ao cabo contrapõe um pouco a experiência do narrador, este aparentemente mais tranquilo;
8 - Para além do mistério do rapaz na noite do bacanal, ainda, outros mistérios serão incorporados à narrativa. Se o segredo da orgia está na caixa dos mistérios do passado, no presente são estranhas pichações em obras do barroco Aleijadinho que levam o narrador à sua investigação. Aliás, não menos curioso essa mescla de referências ao barroco, em muitos momentos, mas também aos elementos que somam a esse caldeirão referencial artistas que vão do dadaísmo à pop art; na verdade, nessa nossa compreensão de afastamento do romance policial, aqui temos mais um indício, já que as referências ao gênero sucumbem diante das inúmeras e referências à arte e seus conceitos;
9 - Em certa medida, é um livro que pensa a arte e sobre a arte. Serão muitas as reflexões nesse sentido; numa arte que atravessa a experiência de alguns personagens, especialmente. A arte como busca, como a busca pelo romance como estratégia de compreensão do eu. A arte como rompimento ou consolidação. Muito da obra parte da ideia do que vem a ser isso que é chamado arte ao mesmo tempo que compreende como ela atravessa-nos, inclusive com exemplos mais radicalizados com ares quixotescos de personagens que já não sabem mais e eles mesmos ou ecos de suas referências literárias e culturais;
10 - Enfim, Vento em setembro antes da mais nada é um livro curioso. Isso é bom, já que temos mania de encaixotar as coisas em determinadas caixas, o que a narrativa aqui não se permite com facilidade. Trata-se de uma leitura vertiginosa, com personagens traçados com as tintas das experiências radicalizadas não num sentido pejorativo, mas como experiências radicais de vidas que querem sorver e obter o máximo da experiência, talvez aí a marca mais forte do setentismo nostálgico que permeia a narrativa. Soa quase como um contraponto a esses tempos de experiências mediadas e midiatizadas, para alguns, cada vez mais pobres. O olhar ao passado, tanto ao que critica e ao que surge como experiência volta-se aos que buscam a experiência de um viver intenso como se Bellotto precisa-se retomar um pouco daquele "desbunde". Ou seja, nossa procura por traços de narrativa policial revelam-se irrelevantes, a busca aqui é outra
Vento em Setembro é um livro sensacional, vale apenas ler.
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