10 Considerações sobre O Olho de Gibraltar, de Sergio P. Rossoni ou a arte de cofiar os bigodes

 O blog Listas Literárias leu O Olho de Gibraltar, de Sergio P. Rossoni publicado pela Avec Editora. Neste post confira as considerações de Douglas Eralldo porque este romance ambientado no Norte da África em 1914 é um thriller como poucas vezes visto no Brasil:


1 - Um espião ágil e sempre pronto para ação. Uma espiã aos moldes das pin-ups não menos caçadora de emoções. Ambos em meio a um jogo de tensões e conspirações que precedem a Primeira Guerra nos campos ao Norte da África. Com esses personagens característicos e tendo como cenário o deserto, seus mistérios, encantos e perigos, temos os ingredientes que transformam O Olho de Gibraltar, de Sérgio P. Rossoni em um thriller como poucas vezes visto no Brasil, terra em que esse gênero da velocidade nem sempre é bem tratado;

2 - Nesse sentido, embora não gostemos de realizar aproximações, se assim o fizéssemos, poderíamos dizer que a obra aproxima-se e com ótimas qualidades dos romances históricos e thrillers de Ken Follett. Uma aproximação que se dá em muitos sentidos, como a velocidade vertiginosa dos momentos de ação, a narrativa fluida e envolvente, a romantização que flerta com o erótico e, claro, a procura pelo romance histórico. Todavia, é aqui que Rossoni mais se distancia de Follett já que embora histórico, sua narrativa se permite a maiores intrusões alternativas à história, que no caso desse livro, ainda que muito leve, flerta com o steampunk, talvez;

3 - Provavelmente esse elemento característico da narrativa de Rossoni esteja na própria construção de Rossoni enquanto autor, afeito à narrativa fantástica, como vimos em Birman Flint, este de natureza notadamente fantástica, aliada no caso a sua relação com a história. Não que haja em O Olho de Gibraltar elementos da ficção fantástica, mas pequenos flertes como a maquinaria de guerra trazida, esta a porção mais alternativa de seu romance histórico. Em suma, o que falamos até aqui aponta para as virtudes de uma narrativa que beira à excelência do gênero que se insere, não fosse dois elementos problemáticos que trataremos mais adiante;

4 - Antesmente, todavia, falemos um pouco mais dessa narrativa vertiginosa. No livro temos como protagonista Ben Young, o típico arquétipo do herói renegado que trocou a civilização pelas areias do deserto. Ben Young acaba sendo tragado para dentro das movimentações conspiratórias que ocorrem no Norte da África. Para antagonizar Young um ficcional Her General vilanesco dotado da megalomania que impulsionou a Alemanha nas duas guerras;

5 - Nesse sentido, Rossoni cria uma campanha ficcional - com suas máquinas ficcionais [não todas] - como pano de fundo aos elementos que precedem a eclosão da guerra declarada. Nisso, o plano de Rosenstock seria mais um dos passos que anteciparia o conflito e que na narrativa entrega-nos o primeiro combate em campo, com suas máquinas de guerra e um gás mortal, o Sangue do Diabo. É contra isso que Ben e outra personagem a deter protagonismo, Namira, lutam no romance;


6 - Segundo o autor, Namira seria inspirada em Mata Hari e outras espiãs daqueles tempos. O que faz sentido o estilo pin-up conferido à Namira, pois a sensualidade era uma das armas usadas por essas mulheres que para além da sensualidade sempre demonstraram força, resiliência e perigo. Nisso Namira cumpre bem seu papel enquanto mulher sensual, mas também fatal na luta contra os inimigos;

7 - Tendo todos esses elementos em campo, Rossoni então entrega-nos um romance com um enredo bastante sólido e marcado pela ação constante. Para além da questão histórica, temos em Ben Young também o herói dos romances de aventura, o que torna o livro ainda mais convidativo aos leitores, até porque as areias e o deserto estimulam nosso imaginário há tempos. Além disso, o domínio do gênero é demonstrado pelo autor que controla o tempo da narrativa, acelerando-o ou quando preciso, conduzindo sua velocidade com o esperado. No que se refere ao gênero, o thriller, teremos por excelência as contagens regressivas e as cenas de ação bem elaboradas pelo autor;

8 - Todavia, se até aqui compartilhamos as características virtuosas do romance, por outro, precisamos abordar duas questões que mostram-se - ao menos a esse leitor - problemáticas, principalmente porque impactam numa obra que tinha tudo para alcançar a excelência. A primeira questão é essa nossa brincadeira sobre a arte de cofiar os bigodes. Pode parecer preciosismo, entretanto a questão não passa despercebida, pelo contrário, ao passo que vai se avolumando o cofiar de bigodes por tantos e distintos personagens que aquilo vai chamando a atenção e tirando-a do que importa. Ocorre que o ato, o gesto de cofiar os bigodes bem poderia ser usado para traçar e distinguir um determinado personagem de modo que aquilo lhe fosse uma espécie de identidade única. Na literatura, diferentemente da vida real, espera-se que as personagens sejam únicas, e é aí que a aparição de tantos e tantos personagens cofiando os bigodes confere algo de caricato à narrativa, uma característica a qual a obra não precisa;

9 - Entretanto, como dissemos, a questão anterior pode até ser preciosismo, mas essa não. O maior problema do livro está em um elemento que prejudica a obra em sua exegese enquanto thriller e mais ainda, enquanto romance histórico de um período em que a codificação e a criptografia se dava em sua excelência. Falamos de uma mensagem interceptada que cai em mãos de Young e seus aliados. Ali há um código, um anagrama tão simplório que o leitor custa a crer que a solução seria aquela mesmo. Em um thriller nenhum código pode permitir-se a algo tão simplório, especialmente porque isso vai depor contra seus próprios protagonistas, afinal, como não solucionam algo tão simples? O anagrama posto é de fato simplório e a nosso ver o maior impacto negativo na leitura, pois instaura uma suspeição no leitor que tudo depois pode soar inverossímil. Ocorre que tal anagrama, querendo ou não estabelece uma quebra radical no contrato de leitura;

10 - Enfim, ainda que com esses dois apontamentos que consideramos muito relevantes, no conjunto O Olho de Gibraltar - a saber, alcunha de Ben Young - revela-se um thriller como poucas vezes bem elaborado se tratando de autores brasileiros, até porque, o thriller não reúne um grande número de autores por aqui, especialmente se pensamos thrillers como os do citado Ken Follett, Dan Brown ou Harlan Coben. Justamente pelas características promissoras do autor, uma pena os dois itens citados. Tirando isso temos uma jornada vertiginosa, com muita ação e o domínio dos cenários e das personagens demonstrado por Rossoni que transforma seu gosto pela história em narrativas de ritmo alucinante.

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