O Blog Listas Literárias leu Escrita Criativa, da Ideia ao Texto, de Rubens Marchioni publicado pela editora Contexto; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 - Em Escrita Criativa, Rubens Marchioni parte do questionamento "mas, afinal, o que é escrita criativa?" propondo a seguinte definição "de forma sucinta : é a arte de expressar ideias de maneira original, sem o ranço do lugar-comum" de modo que o livro nessa perspectiva voltando-se a seu leitor o livro possui o objetivo de "revelar o segredo da arte fascinante de criar e escrever. Para isso, apont (a) o potencial escondido na associação de diferentes conhecimentos e técnicas a serviço da escrita criativa";
2 - Nesse aspecto a obra alcança o que é prometido aos leitores, pois que entre o compartilhar de experiências trazidas de conhecidos autores alinhando-as à técnica, o autor acaba legando à metodologia grande relevância, não chegando todavia ao ponto de tornar-se mero tutorial sobre procedimentos para escrever ainda que numa e noutra parte se chegue a quase isso. Em suma, a obra apresenta diferentes modelos do processo de escrita, mas não os apresenta como receita pronta, pois que dependerá que o leitor e futuro escrevente complemente este conhecimento à sua própria realidade. Esta é uma das questões positivas da publicação;
3 - Para isso, a publicação divide-se em duas grandes partes que subdividem-se em diversas outras partes a focar determinados temas. Na primeira parte o autor vai abordar a "Criatividade" para ele "a arte de pensar diferente para encontrar caminhos inesperados". Segundo ele, "o criador vive a aventura na qual se arrisca por caminhos desconhecidos, em busca de respostas que os meios convencionais não podem oferecer de maneira satisfatória";
4 - Para enriquecer sua argumentação, nesta parte o autor - assim como no conjunto do livro - traz vozes com alguma pluralidade acerca dos processos criativos e de escrita, sendo que destaca algumas questões como a importância do repertório, a importância do escritor assim como no escotismo estar "sempre alerta" para as irrupções de ideias, tendo sempre algo à mão para possíveis anotações, além do debate sobre a incubação das ideias e a forma de diferentes autores ao lidar com isso;
5 - Nesse capítulo, outra técnica que chama atenção e que é utilizada com frequência no próprio livro é "a força das metáforas", que para Marchioni "quando bem escolhida, a metáfora leva rapidamente à compreensão dos conceitos mais complexos e abstratos". O capítulo trata ainda o fato de que a originalidade muitas vezes encontra no rejuvenescimento de antigas ideias;
6 - Já a segunda parte (ou capítulo) do livro, "Redação", Marchioni dedica-se a questão técnica do processo, a escrita em ação, digamos, para se alcançar o propósito de "transformar ideias criativas em textos eficientes. O artesanato do texto (que) revela o escritor". Por isso nesta parte o livro torna-se um tanto mais instrumental, mais voltado à práxis. É quando o autor volta-se a elementos linguísticos, mas também a empréstimos de outros segmentos, como o da propaganda, por exemplo. É neste avanço que poderemos também observar com certa criticidade alguns conceitos presentes na publicação;
7 - Já na abertura desta seção, o autora reforçará a importância de algo que permeia toda sua publicação e repetido com certa exaustão. A disciplina. Para ele "talvez a disciplina seja, em tudo, o elemento que decide o jogo". Marchioni tem a disciplina, portanto, em alta conta, e a despeito da aparente pluralidade de métodos, ideias e concepções, a primazia é da disciplina, da escrita com atividade braçal, da importância da rotina, independente do tipo de rotina como opção do autor. Marchioni advoga aqui e por meio dos exemplos que sustentam sua argumentação de que o ato de escrever é bem mais exigente em trabalho do que inspiração, por isso ao alcance de todos que se disponham em enfrentar o trabalho de escrever, cortar, cortar, reescrever, cortar, cortar, revisar etc.;
8 - Nesta segunda parte reforçam-se no livro algumas aproximações e alegorias que a este leitor constituem talvez as questões mais problemáticas do livro, como por exemplo as perniciosas aproximações, alegorias e empréstimos das "técnicas vencedoras" da propaganda e da publicidade para a escrita e literatura. Penso eu que nada mais distante pode haver que propaganda e literatura, inclusive com indícios no próprio livro. Isso porque a propaganda não usa o conhecimento que possui da alma humana para iluminá-la, pelo contrário, a ideia aqui - e reforçada no interior do livro - é a técnica de entregar ao ouvinte-leitor aquilo que ele deseja. Não há aqui um jogo de libertação, mas aprisionamento ao consumo e a manutenção do status quo dos desejos. Qualquer concepção crítica de literatura bem sabe que ela caminha na direção oposta e, sob todos os riscos, os bons autores são aqueles que justamente entregam aos leitores aquilo que talvez não estivessem a fim de ver, de perceber. Essa tem sido uma das grandes virtudes da arte, de modo que a supervalorização dos elementos da propaganda sugeridos no processo me incomodaram enquanto conceito e filosofia de escrita;
9 - Além disso, podemos discutir com maior criticidade dicas no campo linguístico e literário deste trabalho. Não que não se deva observar cuidados com os adjetivos como enfatiza Marchioni, ou "evitar os advérbios" conforme Stephen King, todavia o pairar da possibilidade de imaginar a escrita por meio de determinadas fórmulas acaba nublando uma questão básica e importante: o bom escritor é justamente aquele capaz de subverter fórmulas e padrões, de constituir como a própria obra fala, de "construções inesperadas" de modo que quando prega o livro, por exemplo, da importância e da clareza da escrita, da sua objetividade, o argumento enfraquece perante os diversos exemplos de obras foscas e ambíguas que se eternizam entre leitores. Mesmo em questões mais simples como o uso das reticências, alguns argumentos de Marchioni podem ser refutados. Nesse caso específico diz ele: "muitos insistem em acreditar que reticências aqui, uma exclamação ali, aspas acolá deixam o texto mais forte ou pelo menos mais enfeitado. Nada mais longe da verdade. Tudo não passa de um exercício desnecessário de poluição da mensagem". É o tipo de afirmação perigosa que a própria literatura contradiz. Nós, do romancista russo Zamiatin, por exemplo, usa as reticências como importante elemento estético e literário e do contrário de poluir a mensagem, seu uso é relevante para a mensagem. O que pretendo dizer com isso é que talvez a maior fragilidade do livro seja demasiada valorização das fórmulas, algo contraditória a sua própria perspectiva de criatividade;
10 - Enfim, Escrita Criativa é uma publicação interessante e que observada com criticidade possui elementos positivos e negativos, ao ver deste leitor, especialmente a aparente posição hierárquica da técnicas de propaganda superior às técnicas literárias. Todavia, é uma publicação que desmistifica elementos da escrita e coloca-a ao alcance de todos, pois diz o autor que "criatividade como se vê, não significa inspiração nem é algo intuitivo ou inato. Ao contrário, pode ser ensinada e aprendida, o que é motivo de autêntica alegria, embora isso coloque em nossas mãos a responsabilidade direta pela qualidade final do nosso trabalho".
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