O Blog Listas Literárias teve a oportunidade de conversar com o escritor paulista M. R. Terci (site) sobre sua recente publicação Imperiais de Gran Abuelo que também tivemos a oportunidade de ler. É autor de diversas publicações que misturam horror e elementos históricos. Nessa entrevista falamos de seu livro, mas também sobre literatura, processo criativo entre outros assuntos. Confira:
LL: 1 - Lemos recentemente Os Imperiais de Gran Abuelo e nos surpreendeu bastante. Pode contar um pouco da história desta publicação, cuja edição mais recente saiu pela Pandorga. Houveram edições anteriores, não?
M. R. Terci: Sim. O primeiro capítulo da saga dos Imperiais era para ser apenas mais um conto que faria parte integrante do tomo V, As Endechas, da série O Bairro da Cripta. No entanto, a possibilidade de construir personagens que pudessem ir além dos limites de Tebraria e explorar essa fatia sobrenatural do continente sul-americano, me seduziu. Viajei para o Sul e fiz muitas pesquisas em torno da Guerra do Paraguai e seus personagens históricos, e em apenas 4 semanas, estava com o romance pronto. Mandei para revisão, elaborei uma versão definitiva e em meados de julho de 2017, o Jonatan da Pandorga entrou em contato comigo. A editora tinha um projeto muito bacana dentro do gênero horror clássico, e logo colocariam o box de Lovecraft e Poe, além de outros títulos cult do horror e suspense, no catálogo. A ideia, de momento, era ter um representante nacional do gênero em meio a esses maravilhosos lançamentos. Foi uma grata surpresa me escolherem.
LL:2 - Em os Imperiais você viaja no tempo para ambientá-lo numa época um tanto esquecida por autores nacionais, a Guerra do Paraguai. O que o levou a esta decisão e, por que este ambiente para sua história?
M. R. Terci: Acredito que cada pessoa tem um papel crucial na história da humanidade. Da minha parte, sofro do mal comum, nascemos séculos depois das grandes explorações marítimas e muito antes da tecnologia que nos permitirá acesso aos confins do espaço. Assim, eu tento resgatar a história na esperança de conseguir inspirar as gerações futuras de aventureiros. Como escritor, acredito que a presença da dimensão artística no trabalho do historiador é essencial para se criar pontes sobre as lacunas pré-existentes do nosso passado. Todo resgate precisa de uma ponte, um meio para atravessar para o outro lado e trazer esses artefatos conosco. Em Imperiais, ainda que se trate de uma obra de fantasia sombria, o aspecto ficcional inserido junto com a veracidade histórica tornou-se, para muitos leitores, objeto de reflexão. Cito, por exemplo, o aspecto primitivo da guerra bacteriológica. A Guerra do Paraguai foi nossa grande guerra. A despeito das mortes, dos custos e das consequências, é dos conflitos menos lembrados.
LL: 3 - Aliás, um dos detalhes que chamou nossa atenção na leitura do livro diz respeito ao cuidado com a linguagem, especialmente conseguindo sem tornar-se caricato trazer um pouco daquelas vozes e naquele tempo. Sua formação acadêmica deu-se no campo do direito e das relações públicas, quando você se encontra com as linguagens? Conte-nos se houve alguma pesquisa linguística para o processo de escrita da obra?
M. R. Terci: Particularidade linguística. Natural para qualquer pessoa ampliar o vocabulário de acordo com aquilo que lê, e eu leio muita coisa velha. Quando eu dava aulas na faculdade, mencionava sempre aos meus alunos que quanto mais você ler, mais vasto será seu vocabulário. Aprender uma palavra nova é como andar de bicicleta, quando menos você esperar, quase involuntariamente, vai estar pedalando. Minha formação acadêmica ajudou, claro, da mesma forma que minha formação militar também agregou elementos bélicos ao livro, o que deu ritmo à narrativa. Durante a pesquisa, eu passei olhos sobre grande quantidade de documentos históricos, entre estas, missivas das frentes de batalha nos charcos paraguaios, natural que aquele vocabulário rico e repleto de regionalidades atravessasse para banda de cá da margem.
LL: 4 - Falando no processo de escrever, a questão do ambiente em que se passa a narrativa de algum modo auxiliou ou facilitou a escrita no gênero terror?
M. R. Terci: O clima obscuro e claustrofóbico – inobstante as vastas distâncias dos charcos pantanosos do Paraguai – no aspecto de estranhos numa terra estranha é um excelente tônico para imaginação. Sem dúvida nenhuma, ambientar o livro no limite entre o tempo da superstição e da ciência, agregou, de fato, elementos quase nunca encontrados numa obra de horror. Refeito do susto inicial, o leitor tende a empatia, sintonizado com esse sentimento, temor e regozijo caminham juntos para dentro e fora do escuro.
LL: 5 - Você inclusive parece gostar desse trabalho de ourives com as palavras, especialmente a procura por termos, digamos, mais antigos. Você se considera uma pessoa de seu tempo, ou confessa-se um amante doutras épocas?
M. R. Terci: (risos) Como muitos, nasci no século errado, meu amigo. Tenho especial apreço pela Belle Époque e a Era Vitoriana. Meus escritores e poetas preferidos pertencem a outrora. Procuro honrá-los e resgatar o bom português. Nosso idioma também faz parte da nossa história, perder o contato com nossas raízes é esquecer quem somos. E mais; nossa linguagem é nossa bússola. Desorientar-se no caminho para o futuro é um erro fatal.
LL: 6 - Já que falamos do gênero terror, você possui um grande número de obras publicadas. Como observa a literatura de terror no Brasil e os desafios para quem trabalha com a escrita?
M. R. Terci: Não observo, procuro focar no meu trabalho. E mesmo confiante, a curto prazo não espero nada. Atualmente, não existe glória na literatura nacional, apenas sacrifício. No Brasil, a glória do poeta, assim como do escritor, é póstuma. O mercado editorial brasileiro atravessa uma crise sem precedentes. É necessário ter cautela. A longo prazo, tenho um plano. Gosto de ser o cara com o plano. A literatura do horror no Brasil teve várias fases temporais, sempre com seus altos – regulados pelo frisson da novidade – e seus baixos – nivelados pela mediocridade, falta de originalidade e automasturbação egocêntrica de uma minoria que logo desaparece. Costumo não comentar, nem opinar. Fico longe. Assim, eu toco meus projetos sob a guarda da autocrítica. O maior desafio para um escritor, penso eu, é deixar a jaula da autocrítica aberta. Nada pode ser mais devastador do que aquilo que você mesmo pensa a respeito do seu trabalho, mas por outro lado, se você não tem medo desse bicho, uma autocrítica inteligente pode otimizar seu trabalho e potencializar seu alcance. Uma dica de ouro. Para quem deseja realmente seguir essa carreira, recomendo que estude gramática, para escrever corretamente, é preciso estudar a gramática e se dedicar à língua portuguesa. Honre seu leitor! Instrua-se, igualmente quanto aos aspectos do mercado literário, estude anos a fio e quando achar que está pronto, baixe a bola e estude mais para não passar vergonha. Confie em seu editor. Acreditar que pode alcançar, sem preparo algum e logo de início, em terra brazilis, o mesmo sucesso lapidado ao longo dos anos por um King, Barker ou um Gaiman – naqueles países onde a tradição da leitura é forte –, é ingenuidade
LL:7 - Além disso, para você o que é literatura? De que modo ela pode - ou não - construir diálogos com a sociedade?
M. R. Terci: Literatura é apenas uma forma de expressão. Todo ser humano se expressa de diversas formas, nesse aspecto, a literatura vira arte e arte sempre carrega consigo algum sentimento que traga consigo carência ou crítica. A literatura então carrega fortes sentimentos sempre direcionados à sociedade. O modo como a sociedade recebe essa carga emocional é que são elas. Muita coisa faz parte do jogo.
LL: 8 - Em uma recente conversa nossa, você falou do sentimento pela cultura e pelas histórias do Rio Grande do Sul, algo que podemos perceber de algum modo em Imperiais. Poderia nos falar mais dessa relação?
M. R. Terci: Sou paulista de alma gaúcha. Assim como Osório, de longa data, liberal monarquista, unionista do Império do Brasil. Tenho grande respeito pelas tradições e valores do povo gaúcho. Em especial, grande apreço pela cavalaria, portanto, não por acaso a maior parte dos personagens de Imperiais de Gran Abuelo ser da cavalaria. As fronteiras do Rio Grande do Sul foram traçadas à ponta de lança. A bravura do gaúcho de fronteira diante das guerras, das revoluções, dos entreveros, das rivalidades, tão explorada na obra, é a marca desse povo indomável. O gaúcho tem grande apego pelos cavalos. É o cavaleiro perfeito, sente-se dono da imensidão geográfica da terra que percorre cavalgando e experimenta a sensação de domínio sobre essa. Sua tradição é forte, rica, vai além do ginete, do chimarrão e do churrasco. Comunga com sua terra, está em paz com ela como nenhum outro ser humano. E por esse motivo é irredutível na defesa de sua terra e dos ideais de sua gente. Eu admiro isso.
LL: 9 - No livro, aliás, você constrói um mundo em que as fronteiras do sobrenatural e do real são muito tênues, sempre nos deixando aquela pitada de suspeição acerca das coisas que nos espiam das sombras. Esse tipo de linha muito fina entre as duas coisas seria uma impossibilidade nos tempos modernos, ou os monstros ainda nos espreitam?
M. R. Terci: Os monstros nunca partem. Estão sempre conosco. É possível perceber sua presença no canto do olho, no eco das almas e no pensamento estranho que ocorre quando soa a meia noite na casa vazia. O horror só depende de criatividade, originalidade e autenticidade; uma espécie de santíssima Trindade no gênero. Celebrado o rito adequado, sempre existem fiéis à espera de comungar com o insólito.
LL: 10 - Para encerrar, poderíamos dizer que seu romance é o encontro de Arquivo X e os tempos do império?
M. R. Terci: (risos) A última página deixando suas marcas, não é mesmo? Considere Imperiais uma suave transição do gênero horror clássico para a ficção científica clássica. Mas, você deve se acautelar. O horror nunca acaba. E nas páginas amareladas dos antigos livros de história, ninguém ouvirá seu grito.