Oh! Ford. 10 Considerações sobre Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley

O Blog Listas Literárias leu Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley publicado pela editora Biblioteca Azul; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Sob o impacto da revolução industrial e especialmente do fordismo, Aldous Huxley esgarça a utopia rompendo-a com uma obra impactante e tão necessária para os dias de hoje e certamente todos os dias que virão num romance repleto de discussões e reflexões que vão da padronização do indivíduo à religião, da felicidade à infelicidade, mas acima de tudo cria uma sociedade totalitária que encontra ecos nos tempos presentes e fala de liberdade e conhecimento;

2 - No Admirável Mundo Novo o que importa são os três elementos pilares do Estado Mundial, comunidade, identidade e principalmente estabilidade social, o foco central totalitário que permite uma paz sintética através de um sistema de castas condicionadas e programadas desde o nascimento, algo feito em uma linha de produção como os carros de Henry Ford;

3 - E ao que tudo indica, a estabilidade é algo que perdurará no Admirável Mundo Novo, visto que em determinada parte da trama temos uma breve relâmpago do futuro que mostra 22 anos a frente e as coisas permanecem como o eram à época da ambientação da narrativa com o leve ruído causado pela viagem de Bernard Marx e a chegada de John, O Selvagem ao Admirável Mundo Novo, cuja revolta surge tão somente no aspecto interno das personagens sem causar grandes rasgos na estrutura totalitária, e aí, talvez a maior advertência de Huxley é a de justamente demonstrar a capacidade de tal sistema manter sua "estabilidade social" que teremos no máximo uma passagem semelhante com a de Cristo no Templo,  contudo que aqui, teremos apenas a pregação pela liberdade através da negação à droga soma que serve também como refúgio e fuga;

4 - Porque, afinal, no Admirável Mundo Novo todos devem ser felizes e conceitos a.F (Antes de Ford) e todos o são, através da extinção de qualquer complexidade humana, da entrega total ao prazer, da destituição de qualquer laço familiar, porque aqui há apenas a comunidade, "a colmeia industrial" mas acima de tudo a anulação total de qualquer individualidade pois tudo é gerenciado para a estabilidade e a manutenção do status quo, o que implica, zero revolução;

5 - E para isso, e aí seria interessante traçarmos paralelos com dos dias atuais, a força estatal que administra o Admirável Mundo Novo cria um sistema de aparente felicidade e civilização em que o cidadão precisa apenas divertir-se (além de cumprir seus papeis de cada casta, claro) com seus jogos eróticos desde a infância, à promiscuidade (e aqui precisamos ter cuidado, visto que, justamente por ser a nova e liberal conduta, não creio ser a melhor palavra); é também nesse contexto apagada a história, controlada a ciência, extinta as religiões, a literatura e bombardeado os cidadãos com propaganda, drogas escapistas e entretenimento absoluto;

6 - Todavia, para além destas questões é preciso ressaltar que ainda assim, provavelmente o principal fator de condicionamento ainda está na hipnose, algo trabalhado desde o nascimento de cada morador do Admirável Mundo Novo, o que não deixa de ser interessante, visto que não somente o prazer total seria capaz de conduzir a esta estabilidade social em que nenhuma casta questiona seu papel na colmeia;

7 - No entanto, Bernard Marx e sua pequena infelicidade surgem para possibilitar o romance, para por em andamento a narrativa. Porém, conforme poderemos observar ao longo do texto, aquele que surge inicialmente como um possível herói, nada mais é do que uma figura a revelar uma falha no sistema, um constructo que não se encaixa em sua casta, mas que longe de ser um revolucionário, o é na verdade pelo desejo de realmente ser àquilo ao qual deveria ser destinado mas que sofre com a indiferença do "possível álcool injetado erroneamente em seu sangue". Assim, a primeira fase questionadora do personagem nada mais é do que a expressão de alguém que também queria poder usufruir plenamente dos benefícios de sua casta;

 

 8 - E justamente para ir além dos questionamentos de Marx é que nos chega a figura do "Selvagem" John, encontrado por Marx numa reserva de selvagens e levado ao Admirável Mundo Novo por motivos de vingança. Tal presença apenas excita à população alienada de Londres e confronta as duas concepções de mundo, a primitiva e a civilizada, contudo, sem efeito porque não há propriamente diálogo entre os dois universos porque seus representantes não conseguem entender-se mutuamente, ao outro, cada mundo é estranhamente incompreensível, e com isso, John acaba sendo não mais que um pequeno ruído no Admirável Mundo Novo, que a despeito de seus desejos de revolução, é sempre visto como atração exótica;

9 - Contudo, sua presença (a de John) importa ao leitor do romance, e ainda que tenhamos em sua presença certa moralização religiosa, para o leitor ele surge como contraponto ao modelo de Admirável Mundo Novo. Nele, e em sua voz muitas vezes reprodutora de Shakespeare temos também de certa forma uma defesa da literatura e da arte. Neste momento, a obra inclusive parece deixar caminhos a Fahrenheit 451, que posteriormente abordou especificamente o ataque aos livros, algo que também está presente neste romance. Aliás, Admirável Mundo Novo, Fahrenheit 451 e 1984 certamente é a trilogia mais lembrada quando falamos de distopias, e de fato há elementos que nelas casam-se, especialmente entre as obras de Huxley e Bradbury em que ambas focam a alienação com elemento estruturante de um poder totalitário. Contudo, Admirável Mundo Novo em relação às demais é bem mais sombria, seja pelo desfecho de John seja pela ausência de qualquer dano causado pela narrativa à ordem estabelecida (à sua estabilidade), pois em 1984 e Fahrenheit 451 temos levantes, tentativas de revolução, o que em Admirável Mundo Novo, não acontece nem de perto, pois o indivíduo permanecerá ao cabo do romance, vencido pelo poder total;

10 - Enfim, Admirável Mundo Novo é destas leituras essenciais, especialmente para os dias tão conturbados de hoje, e ainda que haja toda uma distancia, podemos encontrar mecanismos do presente que agem como elementos do romance de Huxley. Ademais, temos em Admirável Mundo Novo uma conduta cada vez mais cheia de ecos em nosso presente real, a do indivíduo que joga-se às algemas, os que preferem a falsa liberdade da eloquência fácil à complexidade dos fatos, os que se permitem aprisionar-se por entretenimento barato, pela propaganda e, claro o apagamento cada dia mais presente da verdade e também do próprio passado. Oh! Admirável Mundo Novo, "dissera" Shakespeare. Oh! Admirável Mundo novo "bradara" Huxley. A nós, talvez caiba perguntar, que admirável mundo novo é este?



6 Comentários

  1. Eu detestei esse livro. Na verdade, eu não consegui concluir a leitura. Mas, tenho planos de retomá-la para poder dar mais uma chance ao gênero distopia. Acho que muitas questões abordadas pelo livro são de suma importância para que a gente reflita sobre nossa vivência em sociedade, por isso vou voltar à leitura.
    Amei a resenha. Muito bem destrinchada. Vou reler e acompanhar a leitura com a mesma.
    Abração,
    Drica.

    ResponderExcluir
  2. Que livro sensacional! Achei que esse é o melhor ao comparar com 1984 e Fahrenheit 451.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É de fato uma belíssima obra, e tristemente muito próxima de nossas realidades. Zamiatin e Philip Dick são outras ótimas leituras nesse campo.

      Excluir
Postagem Anterior Próxima Postagem