10 Considerações sobre Um enterro para Suzana, de Paula Bajer ou das artimanhas da vida

O Blog Listas Literárias leu Um enterro para Suzana, de Paula Bajer publicado pela editora Patuá; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Antes de mais nada, creio, algumas questões acerca da publicação merecem ser adiantadas aos leitores. Não trata-se propriamente de um livro, visto que o formato está para uma revista de contos, e isso, claro, tem sempre suas influências sobre os leitores. Contudo, vale dizer, trata-se de uma escolha estética bastante interessante e num projeto muito bonito. A outra consideração a se fazer, assim, de antemão, é de que as narrativas na presente seleção são contos, sempre muito, mas muito próximos ao que nos apontam os estudos deste gênero tão popular. A relação com o gênero é trazida em "Mas que conto?" que fecha a seleção com pitadas de metaliteratura. Ademais, a este leitor, pelo menos, mesmo a narrativa identificada como novela [Um enterro para Suzana] cumpre todos os requisitos de um belo e exemplar representante do gênero conto;

2 - Feitas tais ponderações, partindo ao que nos interessa, a natureza das breves e contundentes narrativas que compõe a obra, a publicação como dito traz produções com alguma pegada policial, suspense e alguma pitada leve de fantasia, sendo que independentemente de por quais destes terrenos se movam a história, acima de tudo estão bem demarcadas as fronteiras do gênero conto, inclusive com a regra quase universal deste Poe que é a busca pelo impacto final, o golpe fulminante que procura reverter as expectativas. Os finais dos contos de Bajer buscam sempre este clássico caminho e funcionam perfeitamente bem no contexto da presente obra;

3 - Quanto à pegada policial, aparentemente é uma tendência que parece querer dominar o conjunto da publicação. Em parte pelo conto que também é título da publicação "Um enterro para Suzana". De todos, é talvez o mais próximo de um conto policial, contudo, distinto deste. Há aqui e em outros contos que têm tais cores a já tradição nacional de contar narrativas criminais de forma bastante peculiar à estrutura canônica das narrativas policiais. É o que vemos no conto homônimo que nomeia o livro. Há crimes, há uma aparente investigação, entretanto, não propriamente literatura policial, mas sim narrativas criminais. Além disso, vale dizer que embora narrativas que tragam crimes, criminosos e aparentes detetives, narrativas em que a verdadeira mensagem paira sob névoa, pois deverá o leitor abrir caminho por diferentes camadas até o sumo da grande mensagem...

4 - Aqui atrevo-me a dizer que a grande mensagem remete ao inesperado, aos golpes da vida. Em geral os personagens dos diferentes contos são atravessados pelo inesperado, atravessados pela "vida" que lhes parece sempre uma piada a tirar-lhe sorrisos amarelos, o que confere aos trabalhos a presença de uma ironia agridoce que penetra na alma de suas personagens numa espécie de desalento não fatídico ou trágico, talvez mais próximo da resignação perante a falta de controle sobre as coisas e o mundo;

5 - Talvez esta sensação se amplie com o fato de que uma boa parte dos personagens encontram-se já em certa idade avançada, em grande parte cínicos com a existência. Esse é um grupo e um perfil presente que confere à publicação certa coesão. Vidas adultas e mundanas de um cotidiano comum atravessadas por acontecimentos insólitos, geralmente desencadeadores de uma possível investigação policial que levará o leitor quase sempre a um final marcado pelo impacto;

6 - Todavia, se embora cada personagem habitante de seu específico conto esteja envolvido com os problemas que desencadeiam as curtas narrativas, a um patamar acima, a impressão que se tem é que o antagonismo estará sempre na própria existência. Na vida. A vida e os seus absurdos que dissolvem planos e certezas. A vida que sempre consegue espancar heróis e anti-heróis, estes últimos, muito presentes nos contos, como "Sílvio, não se esqueça do cacto" um dos exemplos da ironia agridoce que caracteriza os contos, nesse específico, sobre vinganças e frustrações;

7 - A ironia, portanto, parece-me um dos grandes signos que sustentam os pilares dos contos ora reunidos. A ironia perpassará por todos os contos da publicação, sempre com aquela mistura doce e azeda. Uma ironia que gruda e fica, e que, geralmente, está intimamente ligada aos desfechos impactantes do conto. Além disso, tal ironia agridoce dá ainda mais sabor ao ambiente comum e mundano por qual transitam os personagens, o que faz destes trabalhos interessantes peças literárias;

8 - Além disso, vale ressaltar a qualidade estética e o estilo fluído e preciso de Paula Bajer. Para seu texto poderíamos pensar na metáfora de uma navalha. Os cortes são incisivos, profundos e de tamanha precisão. De linguagem límpida, direta e fluída, a mistura intercambiante entre discursos conferem a cada conto muita literariedade e reforçam o amplo domínio da autora neste gênero que sempre recordando Machado, "a despeito de sua aparente simplicidade, é gênero difícil". Paula Bajer enfrenta com vigor as dificuldades do gênero, e apresenta-nos contos dos melhores, especialmente tomando em consideração o atual cenário da literatura nacional;

9 - Ao passo que nos encaminhamos ao encerramento destas considerações, vale ressaltar ainda que para além da ironia, estão marcados os contos por uma espécie de máxima roseana "viver é muito perigoso". No caso dos contos aqui reunidos, o viver parece sempre um caminho cheio de armadilhas, e nessa perspectiva, se fossemos nomear os melhores contos da seleção, ao menos a este leitor, certamente diríamos que além de "Um enterro para Suzana", "Rosa", "A carta de Glória" e "Lagarto" são aqueles que exibem todas as virtudes e características aqui tão celebradas. Aliás, quanto ao último citado, há de se dizer, um primor enquanto construção de camadas e quanto exemplo do poder do não-dito e como este pode subverter a construção simbólica de uma personagem;

10 - Enfim, para quem gosta de contos, dos bons contos, a publicação é destas pedidas imperdíveis. Narrados com extrema habilidade de quem domina o gênero, Paula Bajer em cada conto conta histórias que permanecem no imaginário do leitor. Com sua ironia e humor em sintonia extremamente finas, Um enterro para Suzana é comprovação de que pode-se ainda escrever com vigor no gênero e na literatura brasileira. 



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