Talvez entre 2012 e 2014 tenham sido os anos mais esperançosos para quem curte literatura no Brasil. Vendas em altas, editores investindo, novos autores surgindo... Mas aí a coisa começou a descer a ladeira de novo, reforçando o estigma de que somos um país que não lê [isso que dentre o público que lê, há-se ainda a discussão da precariedade desta leitura]. Nessa lista, esbanjando do desconfiômetro e tentando fugir de alguns clichês, apontamos para alguns elementos que talvez colaborem para nossa "santa ignorância":
1 - Tradição autoritária, violenta e traumática: Embora setores da sociedade vivam sempre querendo esconder, somos uma nação marcada pelo reacionarismo autoritário que vive dando as caras de forma bastante cíclica. A cada recrudecimento destes ciclos autoritários [estamos vivendo um nesse exato momento], as forças opressoras e autoritárias mobilizam as massas contra qualquer intelectualidade ou racionalidade, e nisso, sempre voltam-se contra livros e autores;
2 - A mão invisível do sistema [patriarcal e oligarca]: Leia obras de diferentes momentos e contextos históricos e perceberá que aquelas que tratam de processos políticos no Brasil não mudaram praticamente nada. Nossos avanços são ao ritmo de caracóis preguiçosos, enquanto os retrocessos e atrasos andam com pernas de avestruzes e pumas. Se observarmos atentamente, nunca estivemos libertos plenamente do controle desse sistema, que historicamente age de forma política não realizando ou atrasando e atravancando a construção de políticas de leitura e valorização desta. Observem bem, há um interesse e há resultados em se patrocinar historicamente uma nação sem leitura;
3 - Educação e leitura deficitárias: Diretamente relacionada ao item anterior, esta questão é uma das razões porque, mesmo em alguns leitores, encontraremos uma dificuldade imensa na interpretação da leitura. Não raro vimos pela internet alguém zombando de alguém sobre manifestações questionáveis "nem parece que lê livros". Ler é um começo, mas insuficiente. Se o leitor não estiver com o domínio de todas as ferramentas interpretativas, a leitura será pouco válida. E isso se dá em parte pela negligência à literatura em nossa educação, colocada geralmente de forma deficiente, quando muito em seu contexto historiográfico. Não sem ensina a interpretar [muitas vezes nem mesmo ler], e isso faz parte de um desleixo proposital que em tempos de mamadeira de piroca faz com que indivíduos creiam em narrativas tão absurdas que o mínimo conhecimento de verossimilhança colaboraria para que não se caísse em absurdos;
4 - Não reconhecimento das possibilidades da leitura: O ser humano é um ser bastante indomável, de modo que não adiantará nada forçar a leitura porque é preciso. As escolas por muito tempo trataram a literatura desta forma, muitas ainda tratam. O primeiro passo para estimular a objeção de alguém, é forçá-lo a alguma coisa, de modo que é preciso convencer. Convencer das possibilidades que a leitura abre aos sujeitos. Recentemente, bem verdade, muita gente tem tentado ir nesta direção, têm se esforçado na tarefa de convencer da importância da leitura. Também, é claro, há alguns resultados, nesse aspecto, contudo, estamos longe em termos de alcance;
5 - Elitismo: Não importa se à esquerda ou à direita, a literatura padece do elitismo que a cerca, especialmente no caso do Brasil. Essa é uma impressão que se ampliou com minha recente experiência na universidade. Mesmo quando está aparentemente indo ao popular, o elitismo é palpável. Entre críticos e acadêmicos, nem se fala. É sempre um oásis quando encontramos entre esses exemplos de pessoas que procuram dar conta de todas as possibilidades, sem preconceitos. Do mesmo modo, autores, quase sempre presos a dilemas burgueses ou dos escalões mais altos da pirâmide social. O elitismo na literatura deve ser combatido com todas as forças;
6 - Sistema literário reduzido: Pensando na ideia de sistema literário proposta por Antonio Candido, especialmente quanto ao conjunto de receptores e produtores de literatura no país. Este é um círculo bastante restrito e de fortes pendores ao elitismo ou burguesismo, de modo que, como temos visto na crise recente do mercado editorial, é um sistema/público restrito que inclusive põe em risco todo o mercado ao se enfrentar alguma crise;
7 - Desinteresse da classe política: Por óbvio, excluindo alguns integrantes da classe política e alguns governos "amigos" da leitura ao longo da história [que foram poucos], o desinteresse pensado dos políticos nos problemas de leitura e literatura é uma das formas mais violentas de ataque à leitura ampla e massiva. Isso está diretamente ligado aos poderes patriarcais/coloniais/oligarcas para os quais não é interessante a construção de um projeto de nação. E sem literatura não é possível construir um projeto de nação, e tampouco se tem um projeto de nação sem que se produza literatura;
8 - País tropical: Mais light nessa lista, essa posição é a recordação de uma perspectiva peculiar de uma professora [não de literatura] de que o afastamento do brasileiro e dos livros poderia ter um pouco a ver com nossa tropicalidade. O calor, o sol, o verão, os dias lindos e divertidos são convites não ao recolhimento de uma leitura, mas à rua, à ação... Não explica, mas vá lá, faz um pouquinho de sentido;
9 - A bolha e a seita: Não pretendo culpar aqui os literários por algo que não lhes cabe. As próprias características do universo da literatura e da leitura, reduzido, como dissemos, acaba colaborando para que entre aqueles que gostem e defendam a literatura a transforme numa bolha, ou pior, uma espécie de seita em que os "entendedores" e leitores de literatura forma uma espécie de círculo privilegiado, o que em alguns casos, pode afastar novos leitores por não encontrarem pertencimento na literatura;
10 - A fixação no objeto livro: O próprio conceito desta lista talvez esteja marcado por esta fixação, que às vezes parece nos dizer que só é leitura se estiver em livro. A literatura precisa se encaixar nesse novo mundo de possibilidades técnicas, até porque nunca se leu tanto, que dirá as timelines ou os posts com longas narrativas de fakenews. A literatura precisa ocupar esses espaços, aprender ir para além do objeto livro.
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