O Blog Listas Literárias leu A ordem do tempo, de Carlo Rovelli publicado pela editora Objetiva; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, leitura indispensável para você esquecer tudo o que acha que sabe sobre o tempo, confira:
1 - Diversificar nossas leituras é uma ótima escolha na busca por novos conhecimentos e descobertas, bem como tentativas de saciar nossa curiosidade com tudo aquilo que nos intriga; talvez seja isso o que nos impulsionou à leitura de A ordem do tempo, de Carlo Rovelli, obra que nos leva à física, mais do que isso, à física quântica, área de trabalho de Rovelli em sua busca de uma vida quanto à natureza do tempo;
2 - Eis aí uma das razões, portanto, dessa nossa leitura, aparentemente escapando de nossas leituras tradicionais. Mas será mesmo que há tanta distância assim? O tempo é matéria que nos intriga, afinal de que se trata, o que é afinal? Aliás, se tem arte a qual tem o tempo não apenas como construtor, estrutura ou temática, certamente é a literatura. Para além das questões do tempo na e da narrativa (a leitura de Seis passeios pelo bosque da ficção de Eco traz boas questões sobre o tempo), o tempo é matéria que impulsiona grandes escritores às dúvidas e posições, seja um clássico Proust com seu Em busca do tempo perdido seja as visões e imagens do tempo para lá de criativa - e não tão destoada da ciência - de Philip K. Dick. Enfim, o tempo e seus mistérios está engendrado nas questões mais íntimas da literatura de modo que, pensando bem, tentar entender o tempo também é uma das missões dos estudiosos da literatura e dos leitores de modo geral;
3 - E aqui temos um belo atrativo para a leitura de Rovelli. A obra, sim, é uma obra da física, entretanto, uma obra cuja pesquisa se dá com muito diálogo com as áreas da filosofia e da literatura com as ciência, o que gera uma aproximação como também demonstra que a questão é debatida e apresentada com muita propriedade por tais áreas e que acabam encontrando ressonâncias no seu aspecto científico, digamos, mas duro, ou seja a física. Além disso, há de se falar do modo didático e acessível na forma como Carlo Rovelli apresenta-nos questões complexas;
4 - Mas nem de perto estamos dizendo que a obra simplifica ou é simplista, bem pelo contrário, em muitos momentos você se lembrará que está diante de um texto de física. Física quântica. O livro é um livro de física, portanto, nos depararemos não apenas com fórmulas, olhares que demandam certa abstração e ainda conceitos que nos pediram leitura e releitura fazendo jus ao tema e ao ramo. Isso porque, não apenas suas hipóteses para a natureza do tempo, o autor trará no decorrer da obra uma extensa contribuição de outros gigantes da ciência para a temática;
5 - Mas dito tudo isso entremos um pouco mais no interior da publicação. O livro está dividido em três partes, sendo a primeira trazendo um resumo das compreensões da física moderna sobre o tempo. Segundo Rovelli "o que denominamos tempo é uma complexa coleção de estruturas e camadas" e conforme o autor essa "primeira parte do livro é um relato desintegração do tempo". E é bem isso que encontraremos, inclusive instigando nosso subtítulo esqueça tudo o que você acha que sabe, já que nessa primeira parte o autor no leva para além do senso comum e mesmo das ideias primárias que aprendemos sobre o tempo na escola;
6 - Se em sua primeira parte o livro nos propõem desconstruções no que se refere à natureza e à nossa compreensão do tempo, "a segunda parte descreve o que sobra no fim". É aí que Rovelli entra em sua área e ao trabalho de sua vida "a física em que trabalho, a gravidade quântica, é o esforço de compreender e dar um sentido coerente a esta paisagem extrema e belíssima: o mundo sem tempo" (grifos nossos);
7 - Segundo o autor "a terceira parte do livro é a mais difícil" já que no "mundo sem tempo, deve existir, porém, algo que depois dê origem ao tempo que conhecemos, com a ordem, o passado diferente do futuro, o fluxo suave. De algum modo, o tempo deve se manifestar ao nosso redor, em nossa escala, através de nós"; a terceira parte do livro é a que se coloca como "a viagem de volta, rumo ao tempo perdido na primeira parte do livro em busca da gramática elementar do livro";
8 - Talvez em razão disso, depois da desorientação, dos novos saberes e afirmações, a terceira parte seja aquela que justamente encontraremos mesmo na física certa poética; e nela que Rovelli mais trará seus diálogos com a filosofia, inclusive com algumas filosofias milenares que de certo modo, sobre o olhar do autor, anteviam alguns pontos relevantes no trabalho de Rovelli. Do taoísmo a conceitos de Santo Agostinho, de Shakespeare a Marcel Proust, nessa parte o autor centrará um bocado no tempo que habita em nós, algo que ele abordará no capítulo 13 sobre as fontes do tempo;
9 - Nossa resenha/avaliação não tem como objetivo explicar ou descrever os conceitos defendidos por Rovelli, estamos num olhar panorâmico sobre este trabalho, especialmente porque, ultimamente o tempo tem sido um tema que nos instiga muito. Nesse sentido, a leitura da obra contribui e muito, não apenas para estudantes da física ou pesquisadores dos fenômenos quânticos, mas para todos nós. Além disso, a linguagem acessível dentro das suas possibilidades é muito importante ao nos apresentar questões relevantes sobre esse ente misterioso que é o tempo e que tanto habita nossas páginas literárias, na prosa ou na poesia. Isso se mostra ainda mais rico pelo fato de o próprio pesquisador reconhecer o valor das indagações literárias e filosóficas na construção da ciência. Em suma, o livro nos entrega do mais complexo e ainda do que podemos encontrar de familiar no que se refere ao tempo, bem como, principalmente, ao nos retirar certezas ingênuas é capaz de instigar ainda mais quanto a essa natureza quase irresolvível que é o tema, ainda que, desconfiamos, a física quântica pareça estar no caminho para explicá-lo de uma melhor forma possível e como grata surpresa é possível depreendermos que as perguntas na filosofia e na literatura parecem ter alguma assertividade em alguns casos;
10 - Enfim, A ordem do tempo é uma viagem fascinante pelas descobertas e redescobertas sobre o fluxo do tempo e sua natureza. O livro nos esclarece enganos e aponta caminhos a partir de uma sólida argumentação ancorada nos ombros de gigantes - e se construindo Rovelli também um novo gigante - da ciência, bem como nos de gigantes de áreas como a filosofia e a literatura, que tal como a física e a física quântica têm no tempo um grande mistério. Isso inclusive confere esse olhar diferenciado do autor, já que a articulação de sua pesquisa com outras áreas flerta com a poética "e começamos a ver que o tempo somos nós. Somos este espaço, esta clareira aberta pelos vestígios da memória dentro das conexões dos nossos neurônios. Somos memória. Somos saudade. Somos anseio por um futuro que não virá".