Ok, está é uma lista subjetiva, mas não sem seus critérios e indícios. Traduzir uma obra é bem mais que usar o dicionário de uma língua, trocar palavras, etc. Um dos maiores tradutores brasileiros, Haroldo de Campos dizia que a tradução é um "canto paralelo". O fato é que traduzir é uma arte e uma arte dificílima e não raro encontramos tradutores que trouxeram para o português falando desses desafios. E a premissa inversa é verdadeira e algumas narrativas brasileiras certamente impuseram ou ainda imporão grandes desafios a quem for lhes traduzir para outras línguas. Neste post selecionamos 10 livros brasileiros que representam um enorme desafio para seus tradutores, confira:
1 - Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa: De modo geral a obra é sempre lembrada quanto ao grande desafio que representa sua tradução. O romance de Rosa usa de todas as possibilidades da sintaxe e dos demais recursos da língua, glossário de neologismo e arcaísmos de um sertão que é o mundo, mas convenhamos, esse mundo não conhece de pronto a linguagem do sertão. Talvez seja consenso de que este seja a obra brasileira a apresentar maiores desafios e dificuldades para a tradução em outras línguas, especialmente as não latinas. Aliás, não me apetece em nada o título da primeira tradução da obra para o inglês: The devil to pay in the backlands. Na verdade essa tradução é bem polêmica e para muitos razão do fracasso do romance em terras norte-americanas;
2 - Memórias Sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade: Para ser sincero não encontramos informações sobre traduções dessa obra para outras línguas. Se não foi, a dificuldade de traduzir o texto mosaico de Andrade, sem sintaxe, todo quebrado e codificado seria um trabalho danado para quem fosse traduzir. Esse é um livro que guardei certo ranço da leitura, entretanto, ele ocupa seu espaço no Modernismo brasileiro;
3 - A vida na Grécia, de Marcos Bagno: Não integra o Modernismo, mas bem que poderia, pois o linguista usa nesse seu romance todo seu vasto conhecimento da língua e da sintaxe para experimentações estéticas bem vanguardista. Aliás, essa é uma leitura que parei na metade - na resenha talvez explique esse tempo - há coisa de mais de ano, e ainda terei de completar a leitura. Por ser uma obra recente, não foi traduzida ainda, mas quando for, por certo que demandará tempo e atenção de seus tradutores, pois sua estética cobrará bastante dificuldade para a tradução;
4 - Contos Completos, de Clarice Lispector: Não apenas inversões sintáticas, neologismos ou arcaísmos podem dificultar uma tradução. As nuances - inclusive as psicológicas - são um grande desafio para quem traduz, de modo que os contos intimistas de Clarice, por certo, representam graus de dificuldade como as citadas pela tradutora Katrina Dodson dos contos de Clarice para o inglês como vemos nessa matéria;
5 - Desesterro, de Sheyla Smaniotto: Em 2021 o livro vencedor do Prêmio Sesc 2015 recebeu outra premiação, o PEN Translates Awards, sendo selecionado para a tradução para o inglês. Sem dúvida, isto representa mais um desafio, pois que a obra tanto intimista e de voos psicológicos também é marcada pelo uso aprimorado de uma linguagem sertaneja, agora sob a ótica opressiva vivida pelas mulheres. Um texto bastante lírico que traz dificuldades e desafios à tradução, certamente;
6 - Macunaíma, de Mário de Andrade: Se traduzir do português para o inglês já é um desafio, imagine então uma obra recheada de palavras do tupi? A Katrina Dodson, a da elogiada tradução de Clarice Lispector confessou que traduzir Macunaíma representou um dos maiores desafios de sua carreira. Não duvidamos disso;
7 - Capão Pecado, de Ferrèz: Não temos informações de traduções do livro para o inglês, mas desconfiamos que mesmo a tradução para o português de Portugal, sim, o livro foi traduzido do português para o português, por si só já foi um desafio, afinal, captar a linguagem coloquial das ruas, as gírias que constituem o texto representam desafios aos tradutores e demandam muita pesquisa para pegar a visão, ô pá!
8 - Machado de Assis (todo ele): Cara, se tem algo que discordamos do senso comum é de que Machado seja uma leitura complicada ou de palavras difíceis. Se observarmos bem, Machado de Assis não é destes autores de abusar muito da sintaxe ou inovações no que se refere às construções linguísticas mais abusadas. Foi um autor da língua de seu tempo, o que não significa facilidade para traduzi-lo. Consideramos Machado um desafio para tradução porque justamente a maior dificuldade de qualquer tradutor será a de captar as ironias, talvez marca maior do autor, Entendê-lo já demanda sintonia fina, imagina então sintonia capaz de vertê-lo a outras línguas;
9 - Contos gauchescos, de João Simões Lopes Neto: Rapaz, quem escuta uma música gaudéria bem sabe qual pau dá cavaco... a real é que a música gaúcha não avança pelo Brasil porque muitas vezes precisa de tradução... não seria diferente deste clássico, embora, não creio que seja tão marcado pelos regionalismos do pampa...Esse é um livro importante do qual encontramos que há tradução em italiano... traduzir ele para outras línguas, as não latinas, especialmente, pode ser uma tarefa bem desafiadora;
10 - Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto: Embora traduzida para muitas línguas, não significa que facilidade. O autor é considerado um dos autores brasileiros mais difíceis de ser traduzido, somado a isso o próprio desafio que é a tradução de poemas.Luciana Latarini Ginezi, doutora e mestre em Letras pelo Programa de Estudos Linguísticos e Literários em Inglês (USP) e especialista em tradução já disse que "É preciso ser um tradutor poeta, não apenas um tradutor. Tradutores técnicos não funcionam com João Cabral. Trata-se de um dos artistas brasileiros mais difíceis de serem traduzidos".