10 Considerações sobre O talentoso Ripley, de Patricia Highsmith ou queria ter a sua vida

O Blog Listas Literárias leu O talentoso Ripley, de Patricia Highsmith publicado pela editora Intrínseca; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro ou sobre as fixações ou criaturas desejosas de uma outra vida, a sua! Confira:


1 - Ao escritor contemporâneo é importante relembrar ou situar a data original da publicação do livro, 1955, pois este é um elemento a ser observado desde o início da leitura, suspensão importante para que se considere mais que os acontecimentos, a forma como a ação se desenvolve, marcada notadamente pela época em que é escrito o livro. No entanto, esse lembrete não se trata de transmitir a ideia de que a obra esteja datada, pelo contrário, a narrativa mergulha em dramas e complexos existências que permanecem, contudo, levar o "cronos" em consideração é relevante na compreensão do sucesso de Ripley em suas ações, já que, nos dias de hoje ele precisaria de novos subterfúgios;

2 - Dito isso, podemos passar às nossas considerações acerca deste conhecido personagem, muitas vezes colocado enquanto um terrível e astuto sociopata que é para além dos seus escusos talentos, é capaz de tudo para dar-se bem na vida. Ripley é um jovem de vida ordinária divertindo-se de pequenos golpes e com parcos recursos que ao ser abordado por um rico empresário parte para a Itália na tentativa de convencer do filho, Dickie Greanleaf retornar à América e então dedicar-se aos negócios da família;

3 - E aqui já temos dois pontos interessantes de observação a este curioso personagem norte-americano. Mas antes disso, cumpre-nos dizer que ao se aproximar da vida idílica de Dickie na Europa e vendo nela seus próprios desejos e novas possibilidades, Ripley, num mergulho linear e sombrio a uma mente perturbadora e macabra vai desfazendo a existência do outro para tomá-la para si até quando lhe for possível;

4 - Aliás, embora com ares de thriller de suspense ou policial, O talentoso Ripley é o oposto. Primeiramente porque não temos aqui um foco narrativo, ou seja, um narrador que prossiga uma investigação, mas sim um narrador onisciente e invasivo aos pensamentos perturbados de Ripley, muitas vezes quase fundindo-se ao mesmo, que entrega ao leitor uma ótica inversa ao dos livros policiais, a perspectiva do criminoso, do perturbado que na narrativa em mai uma de suas inversões é posto enquanto o protagonista de modo que passamos a acompanhar a perspectiva totalmente inversa da narrativa policial ainda que a logica desta se mantenha de alguma forma, pois ao leitor muitas vezes é que ficam os apontamentos das falhas não perseguidas na procura por Dickie Greanleaf. Highsmith, portanto, nos coloca num jogo diferente mas não menos atraente;

5 - Deste modo, mesmo mergulhados na enviesada e tétrica lógica e ação de Tom Ripley, enquanto leitores não abandonamos o papel detetivesco, ainda que sob a ótica de uma possível presa. Contudo, se por vezes Ripley a despeito de sua frieza mostra-se temeroso com seu destino, as incongruências e erros na investigação posta que tanto chamam atenção do leitor, como a ingenuidade dos pais de Dickie, as linhas não seguidas pela polícia italiana ou mesmo a facilidade com que todos compram as construções imagéticas de Ripley não o põem em risco em momento algum;

6 - Aliás, antes de adentrarmos aos dois pontos citados no início deste post, é preciso reforçar que o fato de acompanharmos um protagonista culpado e que nos demonstra todos os crimes a partir de sua ação de modo algum retira o suspense da leitura. E isto também de certo modo trata-se de uma perversão, já que a autora inverte os lados ao colocar os leitores em suspense não mais querendo saber se o criminoso será preso, mas se conseguirá Ripley escapar de uma teia que aparentemente fecha-se aos poucos sobre ele;

7 - Feitas tais considerações retomo pontos interessantes. O primeiro talvez tenha a ver com o debate entre sociopatia e frustração. Não julgo-me apto a ir muito longe nessa querela, entretanto é interessante observar Ripley a partir de suas frustrações e revoltas existenciais. Há um claro elemento de classe presente nisso, como se Tom rejeitasse sua própria origem. É à sua classe que renega, que busca afastar-se. Menos o encanto idílico da vida burguesa de Dickie, Ripley é um fugitivo do que é, das pobrezas de sua origem, a qual renega, não aceita a vida mediana norte-americana.

8 - E intimamente relacionado a isso algo, parece-nos, muito premente em Tom Ripley. Trata-se de um personagem anti norte-americano. Diga-se aqui,  norte-americano médio, inculto, grosseiro, ao personagem, na falta de melhor palavra o velho jeito fuleiro do norte-americano médio. Essa repulsa é vista na partida dele da América e reforça-se em seu encanto ao Velho Mundo. É contra o modo de vida norte-americano que Ripley tenta perverter em sua macabra sequência de acontecimentos. É a América que ele deseja deixar para trás, são seus "amigos" repulsivos que volta e meia ataca em seus pensamentos, é o american way of life que deseja deixar para trás vivendo a vida de outro ou mesmo uma nova vida sua. Por isso uma banana para os Estados Unidos, a Europa é sua bússola e diga-se, não apenas sua, mas a de Marge, de Dickie. Desconfiamos que O talentoso Ripley seja um típico romance norte-americano anti-América;

9 - Além disso, não falamos, mas não pode-se passar em branco os elementos acerca da sexualidade presentes na narrativa. Aliás, é possível que estes se interliguem aos outros dois elementos importantes citados. O homoerotismo e a homoafetividade são latentes na narrativa e volta e meia vem à tona nas vozes de diferentes personagens, que claro, vivem numa sociedade muito mais fechada que a contemporânea, o que justifica as reticências de Ripley e Dickie, bem como o comportamento de muitas personagens quanto ao tema;

10 - Enfim, mais do que um suspense com um personagem canônico, O talentoso Ripley é leitura que nos atira a diferentes e possíveis interpretações um tanto quanto interessantes. Trata-se de um olhar sombrio às frustrações humanas que por vezes atuam como sementes de uma ambição macabra capaz de levar seus personagens às mais radicais e macabras ações. Do mesmo modo ecoa e reverbera acontecimentos que revelam o quão mortal pode ser a cobiça. Olhem bem para o lado, Tom Ripley pode estar te olhando.

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