O blog Listas Literárias leu A cidade inteira dorme, de Ray Bradbury publicado pelo selo Biblioteca Azul da Globo Livros; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro ou por que você deve cuidar-se do que espreita às sombras. Confira:
1 - A cidade inteira dorme é uma seleção de contos de Ray Bradbury cuja característica principal, assim como no conto que nomeia a antologia, é a presença do suspense e do horror, uma das marcas do autor, reconhecido por sua obra voltada à Ficção Científica. Nesse sentido, vale dizer que Bradbury sai-se bem em ambos os gêneros e os contos aqui reunidos, em grande parte, entregam-nos boa dose de adrenalina;
2 - Com isso partimos dizendo que embora Marte esteja presente num ou noutro conto, o horror de Bradbury, assim como todos os grandes mestres da literatura, tem em sua aldeia o ponto de partida das diferentes abordagens sobre medos e traumas universais, já que em sua maioria são ambientados em Illinois, terra natal do autor;
3 - De certo modo os s primeiros contos da coletânea "Uma pequena viagem" e "O visitante" carregam maior proximidade com Crônicas Marcianas que catapultou de vez o nome de Bradbury no gênero. Em todos eles há o caráter espacial, e a marca forte da Ficção Científica, mesclada com o Horror, obviamente. O segundo o de maior efeito e potência nessa junção entre FC e Horror, pois que ainda que ambientado em Marte, trata-se duma das querelas humanas mais antiga, o preço a se pagar pela ambição, a incapacidade coletiva de entender as grandes dádivas ou presentes, a angústia do indivíduo em ter algo especial apenas para si, mais ninguém. São tais sentimentos que levam a um desenlace macabro e trágico;
4 - Aliás, vale dizer que o horror últimos 150 anos tem mudado muito e recentemente o gênero é fortemente marcado pela influência do cinema, aquele que de certa forma amenizou a potência do horror com levando certo desgaste e monotonia com histórias que evocam mais do mesmo. Pensar isso é importante porque por vezes pode ser que se haja a ideia inicial de que alguns contos soam-nos repetitivos ou com tramas já conhecidas. Entretanto é aí que se deve considerar que grande parte destas narrativas foram escritas na década de 50 passados e na verdade há contos em que o estilo de Bradbury na verdade parece antecipar formas como o próprio cinema acaba tratando o gênero.
5 - Bom exemplo disso é o conto que nomeia a coletânea, "A cidade inteira dorme". A leitura inicial por vezes parece-nos trazer uma série de clichês que vimos em narrativas do gênero dos anos 80 e 90 no cinema. Há mesmo ares de um Pânico no conto e aí é fundamental pensarmos que trata-se de uma obra dos 50 idos e a forma de narrar e criar um suspense linear é na verdade antecipação do que se torna hábito comum em obras cinematográficas posteriores, inclusive e efeito final no conto, típica tela preta a fechar com chave de ouro, nesse caso de sangue, a obra de horror;
6 - A bem da verdade nesse quesito, o do efeito final, Bradbury certamente bebe na maior influência de todos, Edgar Allan Poe. Assim como Poe, em sua sobras de horror e suspense Bradbury mostra-se afeito ao efeito final, à última catarse do conto, a busca por retirar o ar do leitor naquela última linha. É uma técnica que vemos bem presente em "A cidade inteira dorme", "o pedestre" e "O homem em chamas", este último mais um dos interessantes contos da coletânea em que a coisa toda ocorrer como um furacão sob a superfície do texto até seu final terrificante aos personagens Eva e Douglas;
7 - Por outro lado há contos com ares de certo anticlímax no desfecho, e isso é o que procura fortalecer o impacto final das respectivas narrativas. Em "O lixeiro", por exemplo, o não acontecimento é muito forte em comparação às preocupações do protagonista do conto. Aliás, nessa narrativa outro elemento comum à obra do autor, o temor nuclear, a boma atômica, é uma presença forte. No caso do conto "As frutas no fundo da fruteira" o não acontecimento põe em xeque o suposto e aparente remorso e culpa de seu protagonista;
8 - Agora, dentre os contos do livro, talvez o mais interessante e de maior valor estético e literário seja o já clássico "O homem ilustrado". Nele as relações são mais complexas, tudo se entrega a possíveis explicações ou elocubrações de seus leitores, ao mesmo tempo em que trata dos ressentimentos e das ambições humanas enraizadas no íntimo de cada ser, e isso combustível inflamável da violência;
9 - Já pensando em nossos tempos contemporâneos de exposições de presença obrigatória mais num universo paralelo, o digital, que o mundo "aqui fora" talvez a leitura mais significativa seja "O pedestre" com sua mensagem atroz de nossa impossibilidade individual de não aderência à massa do movimento histórico, social e tecnológico. Não seriam alguns de nós, hoje voltando-se em algum grau contra a superexposição à telas e ao mundo digital fortes candidatos ao Centro Psiquiátrico de Pesquisa em Tendências Regressivas"?
10 - Enfim, A cidade inteira dorme reúne interessantes e significativos contos da carreira de Ray Bradbury. Muitos desses contos ainda têm muito o que nos dizer e contar, de modo que suas leituras nos são ricas e instigantes, sem falar, é claro, do frisson que sempre nos causa um bom conto.