10 Considerações sobre Safiras de Candinho, ou Cavalcanti é o mundo, o mundo é Cavalcanti

 O Blog Listas Literárias leu Safiras de Candinho, de José Leonídio publicado pela editora Autografia. neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:


1 - Ambientado em Cavalcanti, Rio de Janeiro, Safira de Candinho é destes romances que procura reconstruir a vida em todos os seus detalhes possíveis animando uma miríade de personagens que desfilam numa espécie de romance-crônica marcado por uma boa dose de nostalgia e um mergulho em outros tempos, de maior ingenuidade e de certa esperança pairando por sobre o olhar do narrador do romance;

2 - A narrativa gira em torno de Antônio Candido, o Candinho, rapaz boêmio dos bailes e da agitação cultural do bairro e Maria das Neves, a típica donzela carregada de sonhos mas "guiada" com rédeas curtas pelos pais, sempre temerosos pelo destino da filha. Romance marcado, portanto, por personagens de uma época de conceitos e práticas diferentes, influenciados pela ideia da boa moça casadoira e a preocupação com os malandros bailarinos, o que torna o casal protagonista uma espécie de Romeu e Julieta suburbano, mais romântico e bem menos trágico;

3 - Mas para além dos aparentes protagonistas, podemos compreender que o grande protagonismo nesta obra de Leonídio é o próprio Bairro, Cavalcanti.  O amálgama das gentes que ali vivem é o grande destaque da obra como se o autor estivesse imbuído de alguma reconstrução. São tantos e distintos personagens que desfilam pelas páginas do romance-crônica que ao mesmo tempo é tão local, mas tão mundo, pois a grande virtude é percebermos na obra o viço que torna uma comunidade uma comunidade, em todas as suas paixões e contradições. Impossível ao leitor não reconhecer-se na obra, visto que, via de regra estamos todos nós habitando nossos círculos sociais que não raro apresentam figuras tais como as presentes na obra de José Leonídio;

4 - Por outro lado é inegável o peso da nostalgia presente na narrativa. Bem sabemos que o tempo em que se passa a obra é outro. Esse tempo outro olhado por um retrovisor um tanto mítico capaz de idealizar esse passado ainda que nos seja muito próprio nossa idealizar nos experiências e memórias já que, por incrível que pareça, temos algo de natural em olhar para o que passou com os olhos da emoção e da compreensão. Assim o é o romance-crônica ora analisado, pois reconstrói esse tempo com a ingenuidade que afasta o que fora ruim e preserva os bons momentos e que de certo modo possui algum acerto, eram outras épocas, ainda que confusas, quiçá um cadinho mais simples;

5 - Aliás, José Leonídio tem se destacado por legar ao Rio de Janeiro diferentes obras de cunho histórico, as quais, algumas já comentamos por aqui. É também o caso desse livro em que o plano histórico sobrevoa ao fundo e dá ainda mais autenticidade a personagens que vivem tal história. Além disso, o romance ao reconstruir as personagens habituês do bairro também produz história dando voz aos que nem sempre surgem, às gentes comuns que "carregam o piano" vivendo um dia após o outro em suas simplicidades;

6 - Por falar em outras obras do autor lidas aqui, voltamos a reforçar que José Leonídio possuiu um projeto literário ambicioso e de certo vigor, entretanto, que carece de edições mais aguçadas. Não que atrapalhe a leitura ou torne a narrativa problemática, porém, o autor merece um trabalho de revisão textual de modo a evitar alguns problemas que surgem no decorrer de sua escrita, o que é normal, especialmente pelo grande volume de texto, mas que deveria ser solucionado na edição de modo a não prejudicar o autor;

7 - Mas voltando à obra, precisamos falar de algo que pode ser tanto positivo quanto um problema. Temos aqui uma narrativa arrastada. Não penso no adjetivo como algo inteiramente negativo aqui, trata-se apenas de uma característica, aliás, característica encontradas em muitos romances conceituados. Ocorre que o romance é de fato um pouco arrastado em virtude do que parece-nos ser a intenção do autor de nos tornar o mais palpável possível o ambiente e os personagens que por ele passam. É literalmente um mergulho nem um Cavalcanti reconstruído aos olhos do narrador que procurar narrar o máximo que pode acerca do ambiente que estão seus protagonistas. Isso, obviamente, pode causar efeitos distintos nos leitores;

8 - Por outro lado provoca uma imersão tão grande que as personagens quase tornam-se reais, Sá Toca, Candinho, Maria das Neves, Maria dos Prazeres, os distintos moradores do bairro, enfim, soam como existências reais e convencem aos leitores de suas experiências vivenciadas;

9 - Além disso, há outro elemento corriqueiro e recorrente na literatura de José Leonídio. O encontro das crenças, um encontro marcado por suas tensões e aproximações. Num tempo ainda sem os radicalismos religiosos vistos no Brasil, temos uma espécie de sincretismo em que o autor aproxima o cristianismo e as religiões de matrizes africanas, das demonstra o autor ser grande conhecedor. Tal abordagem faz do romance também um convite ao diálogo e mais que isso, também retrata a formação de muitos bairros do Rio de Janeiro em que as diferentes crenças aguçavam os espíritos locais;

10 - Enfim, o livro é mais um belo trabalho do autor, que embora com certo arrasto, como se quisesse espichar o tempo, José Leonídio nos brinda com uma narrativa nostálgica e ainda com a possibilidade de ingenuidade capaz de selar a harmonia e felicidade com o símbolo de um belo e agitador casório. Uma obra interessante e desfeita dos anticlímax que geralmente passamos nos romances hora ou outra.

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