O blog Listas Literárias leu Cada um sabe onde o poema aperta, de Viviane Viana e publicado pela editora caravana; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 - Cada um sabe onde o poema aperta é uma seleção de poemas que partem da própria metaliteratura e as nuanças da arte poética aos textos de veemente e contundente crítica social de uma sociedade que se esfacela, ou melhor, que está enferrujada e cuja ferrugem cobre a todos com as tintas da opressão, Entretanto, antes de adentrarmos ao livro seria interessante falar dos desafios de resenhar uma obra de poesias...
2 - Recebemos alguns trabalhos poéticos para nossa análise aqui no blog e eles sempre nos representam um desafio maior, afinal, como compreender e interpretar um livro de poemas? Diferentemente de um romance, ou mesmo de um livro de contos, um livro de poemas é por sua natureza um livro com muitos livros dentro, já que, não se interpreta a um livro de poemas, mas necessitamos interpretar cada poema como se um livro só fosse. E isso sempre nos deixa com dúvidas quanto a melhor tática para análise de um trabalho poético. Nesse sentido, tentaremos aqui dar, primeiramente, um olhar amplo ao conjunto poético que traz a aura da publicação, e depois nos dedicaremos a falar de um e outro poema especificamente que nos chamaram atenção por suas respectivas forças e relevâncias;
3 - Com um título já bastante sugestivo, afinal, cada um de nós sabe onde este ou aquele poema nos aperta, nos comove e nos desperta aos mais distintos sentimentos, o livro de Viviane Viana está dividido em três partes que agregam poemas que parecem dialogar num mesmo tema ou ideia, como no caso da primeira parte, "traço", em que podemos perceber com maior ênfase a metaliteratura e para além disso a ideia de como a expressão literária pode libertar a voz de quem deseja ou tem algo a dizer. Em síntese temos nesta parte o poder da palavra que emergem da abordagem que ausculta não apenas a autoria, mas também a leitura; Há ainda nos versos dessa parte algo da ancestralidade e das memórias de uma poetiza que observa o espelho do tempo;
4 - Já a segunda parte da obra, "laço", temos uma seleção de poemas que fogem da luz e atiram-se à penumbra de uma existência muitas vezes carnal e materialista, mas de um materialismo melancólico que clama por uma luz aventadora. São nesta parte, poemas soturnos que embora contemporâneos ecoam ares de um romantismo outrora do crepuscular dos sentimentos;
5 - Para encerrar a obra, temos "estilhaço", uma parte em que a autora reúne toda a sua voz crítica para observar um tecido social estilhaçado, como diz um de seus poemas, tomado pela ferrugem da desigualdade e a opressão do capital e de todas as outras forças do poder. Neste parte, inclusive, encontraremos poemas que nos fazem olhar para a história recente do país e que coloca Viana ao lado dos que mais sofrem a opressão cotidiana de um país anestesiado muitas vezes às dores sociais;
6 - Além disso, a respeito do conjunto da obra podemos dizer das características poéticas da autora que caminha pela liberdade dos versos e que em muitos poemas utiliza-se das técnicas mais contemporâneas como a disposição gráfica na construção de sentido de suas palavras. Sem dúvida, uma obra que reúne poemas com as marcas do agora, ainda que, em alguns casos, podemos ver ecos de outros tempos poéticos, ainda que, no caso da lembrança do romantismo faça muito sentido aproximar o tempo do mal do século ao tempo de um século marcado por um novo grande mal, a pandemia da Covid que está presente especialmente na segunda parte da obra, Tempos assim só podem gerar olhares soturnos e melancólicos;
7 - Para prosseguir nossa análise, apresentaremos alguns dos poemas que nos "apertaram"mais no decorrer da leitura, caso de "roubo qualificado", que trata da força da poesia e "confinados" que trata das coisas escondidas entre os silêncios do não vivido e a força daquilo que realmente se experiencia;
8 - Como falamos, a pandemia está presente no olhar poético de Viana e um dos poemas que constitui a segunda parte da obra é "Sars-Cov-2" que trata da reclusão perante o desejo de voar. Já "maldita herança" parece bradar contra o avanço autoritário de um país que tenta asfixiar o social, enquanto "pilastras de cinco faces" é um dos mais enigmáticos e subjetivos poemas dessa parte do livro;
9 - Para finalizar, temos a terceira parte com poemas de ainda mais intensa crítica social, caso de "ferrugem", excelente, por sinal, "senhor feudal" que pelo título nos atira a uma atroz realidade de domínio não superado representado pelo trabalho em uma sociedade de capitalismo extremo e "para (não) sentir" que acaba ecoando todo o incômodo com a tessitura social marcada pela desigualdade e miséria humana;
10 - Enfim, Cada um sabe onde o poema aperta é obra com poemas vigorosos, de muita intertextualidade e acima de tudo de imagens que evocam um olhar crítica ao nosso entorno marcado pela desigualdade e momentos de reclusão (necessárias ou não). Obra de versos livres que tratam de muitas coisas das quais não fomos libertos, que inicia com um olhar mais intimista para o eu e encerra-se num olhar para os outros, um olhar tomado pela empatia da dor compartilhada. Para quem curte um poesia crítica e contemporânea é boa pedida.