10 Considerações sobre Corpos secos - um romance ou zumbis são sempre zumbis

 O blog Listas Literárias leu Corpos secos - um romance, escrito por Luisa Geisler, Marcelo Ferroni, Natalia Borges Polesso e Samir Machado de Machado publicado pela editora Alfaguara; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Escrito a oito mãos, Corpos secos é uma produção coletiva que aventura-se pelo universo de zumbis e cenários apocalípticos, nesse caso, um apocalipse brasileiro de ruas e almas tomadas por uma misteriosa doença, sendo a origem de tal epidemia uma prática muito comum por aqui, o uso indiscriminado de agrotóxicos...

2 - Temos aí uma premissa interessante como fator propulsor de uma invasão zumbi. O uso de agrotóxicos e tantas outras toxinas das quais as pessoas não tem conhecimento algum vez ou outra ganha maior destaque num país que montou-se como espécie de "fazenda do mundo" e que para isso e em nome dos lucros pouco debate ou discute a saúde pública envolvida nesta produção. ou seja, por que não? quem nos garante que um apocalipse zumbi não poderia ser provocado pelo uso desses venenos?

3 - Contudo, se a premissa do vetor da "zumbificação" soa interessante e é politicamente situada, a partir disso e da infestação de mortos-vivos chamados de corpos secos, a ambientação e a rotina de sobreviventes pouco inova ou mesmo traz elementos peculiares a uma invasão zumbi à brasileira...

4 - Na verdade, a sensação de leitura, a despeito de personagens locomovendo-se por ruas e espaços tomados por mortos-vivos ou desérticos, em vez de certa imersão à tensão que se imagina de algo assim, soa um tanto distante, tomada de certa irrealidade que mantém o leitor assim mesmo, à certa distância da narrativa. Talvez uma distância provocada pela paradoxal impressão de mais do mesmo contrastada a ausência do horror e suspense geralmente característicos e importantes em narrativas deste gênero...

5 - Esse é um detalhe talvez problemático. Por vezes o tom de manifesto político sobressai ao caráter de suspense e horror de modo que não nos parece então um livro do gênero. E não que a abordagem política seja um problema, antes pelo contrário, entretanto, aqui há mais um tom panfletário do que propriamente uma reflexão crítica, o que, tudo bem, o livro apresenta-se como entretenimento (categoria que inclusive ganhou o Jabuti), porém, se entretenimento, possivelmente os leitores procurariam mais pelos elementos do gênero que os tons de manifesto...

6 - Mas provavelmente o que cause certo ar desgastado à narrativa seja a trama montada por cenas que repetem cenas de tantas outras obras com narrativas de zumbis já vistas por leitores. Mais que isso, cenas que se postas em comparação às do livro enfraquecem ainda mais a narrativa... ocorre que paira e permanece no leitor certa sensação de falta;

7 - Mas não que não tenhamos elementos interessantes. O livro se sai melhor quando trata do perigo dos vivos em um mundo de mortos-vivos. É nessa hora que nos apresenta, talvez, análise social mais forte dos comportamentos nacionais. Bem verdade que obras canônicas do gênero como The walking dead deixam claro que nesse tipo de apocalipse a forma como os vivos lidam com o problema é mais tenebroso que o horror zumbi em questão. Ainda assim é meritório como os quatro autores trabalham a sordidez humana a partir das "novas práticas" num mundo que encontra um "novo normal" em que questões éticas e morais foram postas abaixo;

8 - Há também o elemento interessante enquanto mais uma contribuição para a literatura com zumbis pensada no cenário brasileiro. Há alguma virtude e soluções bem pensadas num cenário destes em solo nacional - aliás, a pandemia nos mostra que é melhor nem pensarmos em uma coisa assim -, bem como a questão geográfica a que estão postos os personagens e os acontecimentos do mesmo modo demonstram certo olhar crítico para diferentes espaços do país...

9 - Por outro lado, os personagens, bem, eles constituem outro fator que ao menos para este leitor, reforçam certa sensação de distanciamento. Parecem anestesiados em demasia diante de tudo já ocorrido, afinal, a narrativa transcorre em já avançado estado da pandemia. Os personagens são um tanto superficiais, um tanto frios para a quentura que o gênero exige. E falo aqui daqueles personagens os quais são seguidos pelo foco narrativo, já que, encontraremos figuras mais interessante justamente do outro lado da trama...

10 - Enfim, Corpos secos é uma narrativa com zumbis, mas provavelmente uma narrativa distante de outras obras do gênero, inclusive algumas obras nacionais mais sanguinolentas e curiosas nesta linha. É possível que aos fãs de livros de zumbis a obra surpreenda pouco e mesmo o acontecimento nas terras de cá não traga muitas novidades e por isso tenha maior desafio em convencer a estes leitores específicos,

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