O Blog Listas Literárias leu Mia & Kalisson - Um amor à prova de tudo, de André Tressoldi publicado pelo selo Talentos da Literatura Brasileira da editora Novo Século; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 - Com bom potencial, escrita coerente e bem definida, Mia & Kalisson nos pega mesmo por certa cisma com o que fica no subtendido, o que está por trás do que parecem nos dizer os personagens, especialmente Kalisson, que se bem observado se revelará um tanto dúbio, de modo que ao menos este leitor teve dificuldades em empatizar com a masculinidade por vezes frágil e às vezes mesmo tóxica em sua aparente preocupação com Mia;
2 - Talvez o maior incômodo deste leitor para com o personagem seja o fato de Kalisson parecer marcado "pela síndrome do príncipe encantado". É que a narrativa a todo momento tentará colocá-lo nessa posição protetora, magnânima, preocupada e responsável por ajudar a "atormentada" e esquisita Mia com seus problemas. Nesse sentido, o incômodo parece ser justamente o fato de que apesar de aparentemente dizer uma coisa, a narrativa desvela uma outra coisa, um comportamento até bastante típico no universo masculino. Acontece que a abordagem seria interessante se as intenções fosse realmente pincelar Kalisson criticamente, o que não parece o caso;
3 - Para entendermos melhor o que pretendo dizer temos de observar o enredo. Mia e Kalisson iniciam ainda estudantes um romance inesperado e que será marcado por idas e vindas. Desde esse princípio a postura positivista do narrador para com ele, enquanto ela, a despeito de todas as violências e traumas sofridos, não raro é trazida à tona como uma personagem egocêntrica, esquisita, maluca, etc...
4 - Mas para além disso, e piorar, não raro Kalisson reforçará esses olhares críticos sobre o comportamento da garota, logo ele, tão compreensivo, amável, parceiro, enquanto ela não se permite abrir, participar. Nos diferentes momentos de encontro dos dois pela vida, Kalisson manterá esta postura julgadora para com a garota/mulher, o que aos leitores - especialmente os conhecedores da importância do feminismo - começará a soar um tanto estranho e contraditório;
5 - Na verdade talvez o problema resida justamente aí. Por ser portador da "síndrome do príncipe encantado" protagonista - e também narrador - acabam falhando em nos entregar o que parece ser a proposta do livro: uma bonita história de amor. O leitor e a leitora mais exigentes perceberão os gatilhos de uma possível toxidade no relacionamento a partir da postura de Kalisson que infelizmente é bastante comum;
6 - É nesse aspecto que a este tipo de leitor e leitora, a narrativa pode se tornar um tanto mais complicada e desgastante. O choque entre a intenção de escrever uma história de amor e a entrega concreta marcada pela dificuldade de aceitação de uma das partes do romance, torna a leitura lenta. Aliás, a quem seja mais radical, é possível que nas primeiras manifestações da masculinidade tóxica, por vezes arrogante de Kalisson abandone a leitura e perca os momentos de ação da narrativa;
7 - Pois sim, a obra procura mesclar romance a ação ao longo do processo do tempo e tentativa de amadurecimento de seus personagens. Tudo isso marcado por reviravoltas na narrativa contrastando o mundo juvenil e adulto. Isso tudo marcado também pela obsessão dele em compreender ou proteger ou vingar ou descobrir Mia;
8 - Aliás, diga-se de passagem que entendo a tentativa, bastante válida e relevante, de tentar debater um assunto caro à sociedade contemporânea: a violência contra a mulher. Contudo, a despeito das boas intenções da tentativa, a este leitor ao menos, parece ter ficado um tanto tumultuada, especialmente pela forma e colocação dos papeis que se entrelaçam no enredo do livro;
9 - Ainda assim, vale reforçar que com seus percalços temos uma história de amor. Talvez nem todo mundo vá concordar com a visão e interpretação deste leitor, de modo que seus olhos voltem-se tão somente para os desencontros desse casal;
10 - Enfim, Mia & Kalisson promete-nos uma história de amor, que até certo ponto é entregue ao leitor. Contudo, numa olhada mais atenta e crítica ao protagonista e seu comportamento, a história de amor sai um tanto prejudicada pelo modelo que acaba sendo Kalisson.