O Blog Listas Literárias leu Viver em paz para morrer em paz, de Mario Sérgio Cortella e publicado em sua edição comemorativa dos 100 mil exemplares vendidos pela editora Planeta; neste post confira as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro:
1- Viver em paz para morrer em paz reúne crônicas que procuram levar a filosofia para um campo mais simples, até por isso Cortella está entre aqueles autores que recentemente tornaram a "filosofia pop" vendendo muitos livros e alcançando milhões de espectadores na internet. É todavia o risco que o próprio autor assume, pois que há sempre aquele ranço elitista de condenar tais caminhos populares, entretanto, vale lembrar que entre o simples e o simplismo há grandes diferenças;
2 - Penso então que o autor faz em seus trabalhos algo importante para a tarefa de um professor: a utilização do que se chama transposição didática, que em suma é colaborar para que seus alunos apreendam de forma simples a teoria complexa subjacente aos seus respectivos aprendizados. Creio que esta é a tática do autor, pois se sim, ele traz a filosofia para um campo menos assustador, mais simples, por que não popular, isso não significa, porém, que não traga subjacente a seu trabalho as teorias que embasam suas discussões;
3 - Isso significa dizer que o autor não precisa hastear uma flâmula incandescente, mas por meio de sua abordagem partindo de coisas quem sabe mundanas do cotidiano, mas reconhecíveis pela grande massa de leitores, deixa, todavia, bastante clara sua visão de mundo e suas linhas de pensamento filosófico;
4 - Claro que nesse processo há-se o risco de a publicação pender para os pseudos que cabem nas publicações de auto-ajuda, não pelas intenções do autor, mas muitas vezes nas próprias expectativas dos leitores, armadilha da qual é sempre bom estar atento. Por vezes, aliás, há tênue sensação de estarmos diante de um tutorial para melhor participação social, especialmente quando ao compartilhar suas práticas pessoais enquanto gerenciamento de vida familiar e social, e é possível que muitos venham a ver nisso como uma receita a seguir, embora o livro não nos autorize a pensar de tal forma. Ainda assim, talvez por tais pinceladas de auto-ajuda, é que tais publicações muitas vezes sofram ataques críticos;
5 - Entretanto, não esqueçamos que todo autor ao escrever, deve ter um público como alvo, e Cortella respeita o público que procura atingir com seu trabalho. Ao desmistificar a filosofia e levando-a às massas como nos textos reunidos neste livro, o autor acaba encontrando uma forma de discutir junto a um público ampliado questões importantes como o altruísmo, a construção de valores éticos, etc.;
6 - Além disso, ele parte de símbolos reconhecíveis e engendra seu eruditismo com referências populares que ajudam a seus leitores encontrarem ferramentas disponíveis para o enfrentamento da dramas humanos que a despeito de toda nossa evolução, ainda seguem a mover as pessoas, como a morte, as paixões, os desejos, enfim, tudo aquilo que faz a vida algo dinâmico e complexo, mas que quanto mais a estudamos, mais poderemos compreendê-la.E ainda, essencialmente como mensagem presente nos textos que compõe o livro, agir diante a vida. Cortella oferece-nos um olhar que acima de tudo propõe que a vida tem de ser bem vivida, o que dialoga diretamente com o título da obra;
7 - Desta forma ele nos traz questões acerca da importância do escrever para nós, as atitudes que nos diferenciam, a preparação para enfrentarmos, por exemplo, imprevistos, e ainda penetrando questões como sexo, felicidade, desejos, enfim, o autor procura a seu modo entender o mundo que vive e partilhá-lo com os leitores convidando-os para uma caminhada coletiva;
8 - Mas vale dizer que a linguagem e escolha do autor pela simplicidade, conforme o leitor, pode produzir efeitos diferentes, especialmente entre aqueles que possam deter um pouco mais de conhecimento filosófico e sociológico acima da média geral dos leitores, pois corre-se o risco de a esses leitores passar-se a impressão de que o autor utiliza de sua habilidade teórica e erudição para provocar efeitos de ilusionista nos incautos. Para um leitor mais habituada, a despeito da aparente simplicidade, parecerá que o autor joga o tempo inteiro com truques de efeito na mão, principalmente no uso e abuso da etimologia, que ao desprevenido pode surpreender mais que o necessário. Entretanto, como falo isso dependerá muito do leitor, e de todo modo esse abusar da etimologia como estratégia de efeito retórico acaba sendo explicado pelos hábitos juvenis, confessos pelo autor, o de ler dicionários;
9 - Além disso, se atirarmo-nos ao debate acerca da obra, haverá ainda a discussão de como o autor ao elaborar seus argumentos acaba dicotomizando muitos símbolos, como amor e paixão, saudade e nostalgia. Essa é uma questão que certamente abriria semanas de debates filosóficos;
10 - Enfim, o livro é boa leitura para compromissos desprendidos de intenções, é um portal para ampliarmos olhares ao mundo, e que em sua grande virtude carrega o fato de transpor para uma grande massa uma visão iluminista e pacífica da existência humana, além de que, mesmo em sua camada superficial trazer reflexões acerca dos comportamentos sociais do agora.
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