10 Perguntas inéditas para o escritor Luis Gustavo Cardoso

O Blog Listas Literárias entrevistou o professor universitário e poeta Luis Gustavo Cardoso que recentemente lançou o livro de poemas, Noite Grande. Nestas 10 perguntas falamos com o autor, fã e discípulo de Antonio Candido, sobre sua obra e sobre poesia, confira:

LL: 1 - Noite Grande é sua estreia nos livros de poesia. Como foi seu processo de criação? Reuniu poemas escritos ao longo do tempo, ou foi um projeto determinado?

LGC: Noite Grande reuniu um conjunto de poemas escritos nos anos mais recentes. Portanto, creio que foi antes o livro que deu - ou pretendeu dar - algum sentido de unidade aos poemas, que no entanto, como você observou bem, guardam correlações temáticas importantes, como a morte. E a morte é, nesse caso, a Noite Grande.

LL: 2 - Falando nisso, a poesia nos parece um gênero bastante negligenciado nas últimas décadas no Brasil. Concorda? Não? Quais são os desafios do poeta contemporâneo?

LGC: A cultura alcançou uma condição aperfeiçoada de mercadoria. Com ela, a literatura em prosa e verso. Em cada esquina um produto de fácil e cômoda digestão ostenta o nome de literatura. Penso que, antes de tudo, não existe muito clima para a literatura. Por tabela, a poesia também fica de escanteio. Mas há sim, no Brasil inclusive, poesia da melhor qualidade. Bem guardada nas estantes. Cito aqui dois livros recentes: ARAME FALADO, de Marcus Fabiano Gonçalves e SIGNOS DO DEVIR, de Plínio Fernandes Toledo.

LL: 3 - Retomando Noite Grande, muitos poemas do livro trazem a relação humano-natureza bem presente, em alguns casos promovendo o uno através de uma naturalização homem-animal-natureza. Qual o pensamento do autor Luis Gustavo acerca de tais relações?

LGC: É isso mesmo. As vacas, os cães, a cabra, a serpente, etc. estão aí para confundir uma certa perspectiva que nos guarda em uma série distinta daquela dos animais.

LL: 4 - Reforçando novamente toda a subjetividade presente numa resenha, a morte foi outro tema recorrente a nosso ver nos versos do livro. Como você observa esse tema ainda tão assustador para grande parte de nós?

LGC: Penso que a sua resenha foi bastante objetiva. Soube apontar elementos objetivos do poema, figuras recorrentes, estratégias de abordagem poética, e assim por diante. Isso é muito bom. A morte - e, trocando de sinal, a vida - é o centro temático que o livro erigiu. A morte é um trem, não é? Nesse caso, acredito que é oportuno mencionar um ensaio de Montaigne que leio com muita frequência: De como filosofar é aprender a morrer. Os poemas tentam lidar um pouco com isso. Na orelha do livro, um amigo e excelente poeta captou bem essa mensagem.

LL: 5 - Saindo um pouco da obra, e observando a literatura e seu contexto. Quais as influência do poeta, e como observas a poesia em seu passado, presente e futuro?

LGC: A língua portuguesa não nos deixou sem herança, não é mesmo? Camões, Pe. Antônio Vieira, Pessoa, Al Berto. E no Brasil nós temos uma tradição em poesia do mais alto calibre: Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Mário Faustino. A lista é grande. A poesia está aí, nos hieróglifos velhos, presentes e futuros. Descendo e subindo na bolsa. Eu espero que a Fortuna nos dê melhores leitores, melhores poetas e melhores obras.

LL: 6 - Aliás, embora sua atuação acadêmica seja no direito, você mantém ligação íntima com a literatura. Como concilia isto, e como observas todo o fazer literário?

LGC: O mundo jurídico tem algo de muito cafona que eu ainda não descobri o que é nem como funciona. E os profissionais que trabalham com o universo de signos jurídicos, se não tiverem cuidado, caem nesse buraco sem fundo da palavra gratuita, do denuncismo, dos acessos parnasianos. Mas é curioso, também. É uma coisa que merece - e precisa - ser estudada. Eu leio literatura e procuro escrever não por causa, mas apesar do Direito.

LL: 7 - Retomando o livro, ciclos e e travessias são outras recorrências em seu trabalho. Em "Ano todo" temos um ciclo anual, noutro poema as estações. A vida trata-se de ciclos?

LGC: Olha, não sei bem o que é nem o que são. Mas é bem certo que a marcação do tempo atribui sentidos muito curiosos à vida. Estamos saindo do mês de abril de 2018, e não posso deixar de me lembrar do primeiro canto de The Waste Land, do T. S. Eliot: April is the cruellest month, breeding/Lilacs out of the dead land, mixing/Memory and desire, stirring/Dull roots with spring rain/ E vamos entrar em maio, pelo que não posso deixar de mencionar um dos meus poemas preferidos do Drummond, Tarde de Maio: Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de seus mortos, assim te levo comigo, tarde de maio. Então, a passagem e os marcos temporais são importantes. Isso me faz lembrar um autor que morreu recentemente, um excelente escritor alemão, W. G. Sebald, que começa uma jornada marcada pelos dias de cão, que ocorrem em agosto, no seu Os anéis de Saturno.

LL: 8 - Agora, e talvez estejamos errados, em diferentes poemas, independente do tema, percebemos certa melancolia, resignação, ou mesmo resignação. Seria este um olhar desesperançado dos respectivos "eus líricos"?

LGC: Vocês acertaram, outra vez. Existe resignação, mas existe alguma revolta também. Existe muita melancolia e nesse caso a melancolia está só. A noite é grande.

LL: 9 - A poesia, em sua gênese é a precisão em palavras. Poucas podem produzir grandes enigmas ou mensagens como "o útero é do tamanho de um punho", de Angélica Freitas. Parece-nos o caso de seu "Deus existe, e é triste". Concorda?

LGC: Concordo. Penso que o poema pode ser tomado por uma intenção de precisão. João Cabral deu a maior lição sobre isso.

LL: 10 - Para finalizar, a poesia vive?

A poesia vive. Por fim, você pediu-me para enviar alguma imagem. Assim, envio em anexo uma das fotos que tirei com o professor Antonio Candido. Ao fim da graduação, escrevi uma monografia sobre um texto do Candido e enviei a ele. A partir disso, sempre muito gentil e generoso, todos os anos ele me recebia em sua casa, na Alameda Joaquim Eugênio de Lima, em São Paulo. Antonio Candido foi e é uma figura importante pra mim e por isso mesmo o livro foi dedicado a ele.

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