Entrevistamos o escritor Alex Bezerra de Menezes autor do recente Depois do Fim, um interessante romance brasileiro cujo pano de fundo é o impeachment de Collor. Confira abaixo 10 perguntas que fizemos ao autor:
LL: 1 - Depois do fim de certa forma ambienta-se numa época parece-me negligenciada pela literatura nacional. Como surgiu a ideia de trazer os anos 90 e sua redemocratização como pano de fundo ao seu romance?
A.B.M: Surgiu da inquietação com o ambiente político que se repetia. Brasil gosta de bis, desconfio. Penso que o romance é uma metáfora micro dimensionada do atual momento por que passa o Brasil, em síntese a principal personagem do romance. É realmente uma época notável, em que os nacionais se veem abarrotados por um museu de grandes novidades; e a forma como ele se comporta mediante tudo isso é ao mesmo tempo patética e ingênua. Informática, carros importados, celular, eleição direta para Presidente, o primeiro impeachment moderno (tivemos outros); era tanta novidade que parecia que estávamos num carrossel de ilusões…
LL: 2 - Outro ponto muito interessante da obra é a linguagem da narrativa que consegue equilibrar o erudito, mas sem deixar de mostrar o coloquial e a variação linguística muito rica do país. Como você observa os diferentes falares da nossa gente?
A.B.M: Do ponto de vista territorial, o Brasil confirma mais um milagre, entre tantos outros que opera. Somos os únicos estrangeiros dentro do continente sul-americano. É curioso porque nunca nos “sentimos” sul-americanos, somos meio que sem pátria continental. Todos falam espanhol, só a gente português. Daí que é curioso o esforço dos imperadores, Dom Pedro l e II que tiveram o mérito de manter a unidade nacional; é algo realmente notável. Hoje há regiões impenetráveis no Brasil, imagine no seu distante começo? Temos a polêmica com o Acre, de quem compramos da Bolívia pelo preço de um cavalo; é assim que o país continental se forma, com lances surreais como este. O que tentei no livro foi justamente mesclar esses mundos opostos, o do “doutor” culto e esnobador da sua alta e falseada cultura, com os habitantes mais simples, que falam “diferente”, mas têm uma sabedoria de vida superior, em certos e muitos aspectos. É desse choque - ao mesmo tempo predador e necessário - que o Brasil se reconhece e cambaleia.
LL: 3 - Aliás, o romance possui diferenciais estéticos que afirmam sua ambição. Como você observa sua obra no campo dos estudos literários? Além disso, o quanto de seus conhecimentos literários foram impressos e indispensáveis para a composição do romance?
A.B.M:Olha, essa percepção eu simplesmente não a tenho. Há quem diga que a ambição de Kakfa era não ser lido, por isso foi tão genial, mas isso parece fazer parte da mitologia em torno da sua lenda. Mas penso que minha ambição tenha sido montar um painel dramático de como o brasileiro encara seus desafios e seus vícios. A fortuna crítica da obra, que estará pronta daqui para o futuro longínquo poderá responder melhor a questão - isso sim que é ambição (risos).
Aristóteles ensinou que somos frutos do meio onde vivemos; eu sou fruto do meio literário que me cerca, tendo os gigantes nacionais como farol e não sei até que ponto isso prejudica minha forma de escrita, pode até ser desastroso, mas foi o caminho que encontrei para me expressar; ser original é também ser plagiário de si mesmo.
LL: 4 - Falando mais especificamente de um mote condutor de sua narrativa, o pintor Frans Post, autor do quadro que gera toda a movimentação de suas personagens. Como surge a escolha dele especificamente e o quanto de pesquisas foram necessárias para compor a narrativa?
A.B.M: O pintor holandês surge como uma miragem. Imagine, o sujeito vem a um país para lá do fim do mundo, saído de um país desenvolvido e culto como era a Holanda do Século 17 e descobre um país virgem de tudo; retrata-o e… pouca gente sabe dele. Os brasileiros são um povo muito peculiar. Nas pesquisas que fiz sobre o artista, no MASP, no acervo Brasilianas da Fundação Itaú Cultural, riquíssima coletânea, fui descobrindo um país que poderia ser muito diferente do que o atual, não digo melhor, mas diferente. A ideia com o pintor foi tentar unir dois extremos; um país sonhando, mas que não aconteceu, e o país possível que sobrou da bela experiência que foi o embarque dos holandeses no nordeste brasileiro.
LL: 5 - Deixando brevemente a trama em si, esta é sua publicação de estreia. Poderia compartilhar com os leitores como nasce o projeto "Depois do Fim" e quais foram os desafios da escrita à impressão e disponibilização da obra aos leitores?
A.B.M: Escrever num lugar onde as pessoas tem pouco ou nenhum apreço pela cultura torna o desafio ainda mais desafiador. Este é o meu segundo livro. Em 2005, publiquei o livro de contos Incandescências de forma absolutamente artesanal; aquilo, sim, foi um desafio; no Depois do Fim foi mais fácil, tive de remover apenas 122 montanhas, em vez das 500 do primeiro livro. De fato, o romance nasceu a partir do momento em que terminei o primeiro; foram 11 anos de estudos, leituras e reflexões para se chegar a ele. Acho que o saldo é positivo. O desafio maior, no entanto, foi a busca pelo tema, pelo fio condutor, o resto foi tranquilo.
LL: 6 - Inclusive a edição do livro se faz num projeto gráfico diferenciado e também atraente. Nisso também há sua participação, ou foi trabalho apenas da editora?
LL: 6 - Inclusive a edição do livro se faz num projeto gráfico diferenciado e também atraente. Nisso também há sua participação, ou foi trabalho apenas da editora?
A.B.M: Nesse quesito o mérito é todo do meu editor, Rodrigo Simonsen. Só o aborreci pedindo para que deixasse o texto com a mesma qualidade do projeto gráfico, mas ele disse que isso seria impossível rs.
LL: 7 - Retomando o livro, em sua narrativa temos dois irmãos distintos, um alquebrado pela conduta malandra, outro bem-sucedido (ou não tão bem-sucedido) professor universitário. Contudo, talvez nem sempre as coisas permaneçam assim. Você acredita que temos algum dom natural - ou desejo - de perseguir pelo caminho menos ético?
A.B.M: É o velho dilema. Somos essencialmente bons ou essencialmente maus? Eu apenas criei as personagens, mas não tenho o menor controle sobre suas motivações, virtudes e penúrias; o irmão que é mais centrado, professor universitário e tudo o mais, me parece mais perigoso e manipulador do que o irmão celerado que só pensa no prazer do agora. A inclinação natural do homem é pelo desvio moral; veja no caso de crianças de berço. Elas choram para obter o brinquedo do amigo do lado, ainda que ela mesma tenha 200 outros brinquedos. Há um prazer orgástico no pequeno sofrimento do outro. No mito de Machado sobre isso, em Quincas Borba, o sujeito vê uma casa em chamas e a dona a chorar desgraçadamente na calçada, chega um sujeito e pergunta: - posso ascender meu charuto?
LL: 8 - Também não poderia deixar escapar essa, pois não só em sua obra, mas noutras obras nacionais também podemos observar retratos bastante críticos ao universo acadêmico independente da época de ambientação. Esse olhar dos autores desvelando um universo de acontecimentos nem sempre louváveis nas academias podem significar algo?
A.B.M:Sou filho da dúvida e da interrogação. Por tradição, as academias são donas de verdades absolutas. O artista, no caso o escritor, tem por dever de ofício questionar essas verdades, derrubar tradições reacionárias e toscas. A liberdade de pensamento não deve encontrar barreiras em escolas de nenhuma vertente, e as universidades estão tomadas por muros ideológicos, isso não é bom.
LL: 9 - Você também é um leitor deveras experiente. Como a leitura contribuiu para a formação do Alex Autor e quais seriam as vozes literárias que você pensa estarem sempre presentes na sua própria voz?
A.B.M:Sofro da angústia da influência, mal que assola pessoas sensíveis demais para coisas belas. Machado de Assis é minha referência suprema. Tento me desvencilhar de sua influência violenta e mal-humorada (rs). Mas é difícil que faz até um bom tempo que não o releio: há uma semana não leio um texto do velho Bruxo.
LL: 10 - Para encerrar, como você observa o papel da literatura na observação da sociedade e na compreensão das coisas a nossa volta? Nossos autores estão sendo eficientes neste sentido?
A.B.M: O papel da arte em sim é criar novos caminhos, novas formas de pensamento, para derrubar o que está posto, pois à exceção da beleza feminina, tudo envelhece. Temos alguns grandes autores contando a história do nosso tempo; quando o futuro chegar, não sei se haverá memória deste presente, tão avinagrado e delirante quanto este; mas há esperanças, não para nós, mas há….
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