O Blog Listas Literárias leu Outros Cantos de Maria Valéria Rezende publicado pela editora Alfaguara; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o Livro, confira:
1 - Outros Cantos, se estrutura em pilares clássicos da literatura brasileira para promover um resgate memorial que penetra pela aridez do Nordeste e na mente de uma senhora que recorda sua passagem pelo sertão ao passo que entrega aos leitores seu olhar, o novo e o velho sobre este lugar e sua gente, tudo isso numa prosa lírica e pungente;
2 - Então, nessa narrativa dividida em dois tempos, num presente em que a senhora Maria retorna a Olho d'Água dentro de um ônibus aproveita para recordar seu passado com educadora de base neste mesmo lugar, e tais lembranças desse passado se entrelaçam na memória do presente numa narração cheia de nuances e sutilezas que falam muita desta narradora-protagonista da obra de Maria Valéria;
3 - Justamente por essas questões o livro demanda atenção e cuidado por parte do leitor para que este não adiante-se ou tire julgamentos precipitados, pois este é um romance a ser ruminado observando-o por entrelinhas e detalhes que estão muito além da margem aparente de seu texto;
4 - Por exemplo, não podemos nos deixar levar por uma possível fidelidade das memórias desta senhora que revela ao longo do texto detalhes importantes a ser levados em conta neste sentido. É que tais recordações são suavemente banhadas por um toque de onirismo e fantasia inerente a uma alma romântica, algo explícito inclusive na relação da professora com seu relicário, algo que nos revela um platonismo imaginário interessante na composição deste romance;
5 - Além disso, podemos perceber que em determinados momentos o tecido entre a realidade e a memória romanceada (talvez idealizada) é um bocado alargado, seja nos encontros com seus "harleys", seja até mesmo no seu olhar para com as coisas que acontecem a sua volta, isto tanto no passado, quanto no presente;
6 - Um desses momentos em que a fidelidade de uma memória real dá lugar a um estética literária tendo como efeito uma redução desta própria fidelidade é quando justamente a passageira Maria da janela de seu ônibus percorre os cômodos de uma casa sertaneja numa espécie de comparação dos tempos;
7 - Aliás, vale dizer que fica no campo da sutileza e dos momentos muito pontuais da obra essa leitura da narrativa buscando contrapor presente e passado narrando as distintas realidades sociais do país, o que de certa forma dá a sensação da falta de um veredicto final sobre o desenvolvimento daquele lugar ermo;
8 - Somados a estes outros detalhes, ainda vale dizer que a obra nos coloca diante dum verdadeiro jogo de expectativas e realidades, como nos fica claro do período rememorado por Maria sobre sua estadia em Olho d'Água em que seus ideais são confrontados por um sistema que funciona alheio as suas vontades revolucionárias da educação, algo que coloca em risco até mesmo os planos e projetos da professora que necessita de tempo para adaptar-se. Mais curioso ainda é que é de Fátima, amiga local que nasce as melhores soluções para os problemas de Maria;
9 - Contudo, chegados até aqui, vale reforçar o que já havia dito sobre esta ser uma obra cheia de camadas, inclusive as diferentes camadas que compõe a narradora-protagonista, que de uma forma muito mais que sútil, quiçá dissimulada, nos coloca diante algo para além da educação de base já que estão nos segredos e mistérios da própria professora Maria, algo mais nítido nas revelações finais, que ela não é apenas uma simples professora que escolhe ir para um fim de mundo dar aulas para o Mobral, mas sim uma ativista de intenções não explícitas no livro, mas totalmente compreensível aos leitores;
10 - Enfim, Outros Cantos é um romance inteligente e de um caráter impressionista que não desgruda de seus leitores deixando uma marca indelével de curiosidade e interesse sobra as distintas camadas que compõe sua narrativa. Uma obra ambiciosa que nos esconde uma boa parcela de segredos para permanecer vívida.
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