10 Considerações sobre Na rua dos ipês amarelos, ou sobre resistências da memória

 O Blog Listas Literárias leu o romance Na rua dos ipês amarelos, de Liliam de Fátima Ribeiro publicado pela ophicina de arte & prosa; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:



1 - No ritmo de quem caça memórias longínquas, Na rua dos ipês amarelos é uma espécie de resistência dessa memória ao tentar manter viva e em debate uma parte de nosso passado nem sempre rememorado: a participação brasileira na 2ª Guerra Mundial por meio dos combatentes da Força Expedicionária Brasileira - FEB;

2 - Para tanto, a narradora do romance parte das reminiscências das histórias do pai, combatente da FEB, para retornar à cidade natal não só com o objetivo de auxiliar na instalação de um museu em homenagem aos pracinhas brasileiros mas também pesquisar para a realização de um desejo congelado, o de escrever sobre certo personagem a habitar sua imaginação, o soldado neurótico das lembranças paternas;

3 - Então, aposentada e dedicada à nova atividade voluntária, a protagonista como quem procura a mansidão da pescaria, o faz com a memória, de atirada de anzol em atirada de anzol, com cadência no ritmo emaranhando-se por uma jornada ao passado, mesclando em sua narrativa flashbacks que tentam reconstruir esses tempos de guerra em que brasileiros foram levados para a Europa sob as mais severas condições;

4 - E, assim, claramente procurando jogar com as fronteiras do ficcional com o histórico e meso o biográfico, a autora vai como num mosaico ou numa colcha de retalhos construindo sua malha, sua narrativa em que não só as fronteiras do real e do ficcional estão nubladas, mas as fronteiras do tempo também, de modo que presente e passado se tocam, quase sempre com a mensagem reticente de trazer à luz tal passagem de nossa história;

5 - Faz sentido essa resistência de memória, pois que é válida a tentativa de validar tamanha jornada, jornada que realmente nas diferentes formas de arte, entre elas a literatura, é um tanto apagada; apagamento este talvez pelo fogo cruzado que impede a valorização desses pracinhas por causa dos desgastes entre a sociedade e os militares em muitos momentos de nossa história, o que, aliás, parece reforçar o abandono primevo do governo de Vargas que souberam usar politicamente esses soldados que tão logo retornaram dos campos de batalha fora atirados aos esquecimento por suas próprias lideranças;

6 - Talvez por isso a impressão de insistência no martelar da protagonista e da autoria na necessidade de tratar deste tema supostamente subestimado em nossas artes e em nossa história. É como se houvesse certa emergência na narrativa, um contraste, aliás, no mínimo curioso com o anticlímax causado com determinados desfechos ou não fazeres da protagonista no final do romance;

7 - Dito tudo isso, vale dizer não só a validade, mas a necessidade e as possibilidades de discussão desta temática, afinal é um dos mais distintos momentos da nossa passagem histórica, de modo que certamente há nisso a possibilidade de um sem número de histórias que precisam ser contadas, tal como a busca pelo soldado neurótico nesta narrativa;

8 - Contudo, se a narrativa de Liliam ressalta certa ausência ou parcas experiências da arte nessa querela, o que de fato parece um tanto verdadeiro, por outro, sua narrativa se posta ao lado de poucas obras sobre o assunto, como o ótimo A estrada 47 ou documentários históricos, o romance parece um tanto distante dos eventos vivenciado pelos pracinhas da FEB;

9 - A bem da verdade, talvez pelo ritmo mais lento e pelo sobressair da fixação da protagonista mais na caçada do que na caça em si, o que ela traz sobre os eventos da Segunda Guerra e da participação brasileira talvez não traga muitas novidades a quem já tenha se aventurado por narrativas que partem por esse tema; ademais, talvez a obra pudesse montar-se em ainda mais valor se nessas reminiscências também propusesse reflexão crítica sobre o uso e o abandono desses combatentes;

10 - Enfim, Na rua dos ipês amarelos é narrativa escrita com cuidado e domínio da linguagem capaz de percorrer caminhos da literatura. Parte de uma premissa cheia de potencial, que especialmente em sua primeira metade mostra-se mais atraente, mas chegando fim com certa fadiga por causa do ritmo que se por um lado lento, por outro um tanto repetido. Talvez ao leitor o maior estranhamento surja justamente disso, da calmaria, pois que em sendo a reconstrução de uma memória, está mais para isso que uma narrativa ficcional visto aparente ausência de um conflito que agite a trama. Isso porque talvez o habitar fronteiras traga para esta narrativa certo prejuízo, o que não elimina as demais virtudes da obra que é material de interesse para quem queira dar uma olhada a mais na Segunda Guerra Mundial e a participação do Brasil. Para o tema é uma boa leitura de entrada.  

Livro: Na rua dos ipês amarelos

Autora: Liliam de Fátima Ribeiro

Editora: ophicina arte & prosa

Páginas: 248






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