10 Considerações sobre O mundo ainda é jovem, de Domenico de Masi ou sobre a possibilidade do otimismo

O Blog Listas Literárias leu O mundo ainda é jovem, de Domenico de Masi em conversas sobre o futuro próximo, com Maria Serena Palieri publicado pela editora vestígio; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Pelo título desta postagem talvez tenhamos a aura central desta publicação, a possibilidade do otimismo, isso, mesmo quando temos um cenário recheado de alertas. O otimismo está desde o próprio título do livro, jovem o mundo, há ainda muita coisa por vir; mas está o otimismo presente em toda a argumentação de De Masi, autor do prestigiado O ócio criativo. Todavia não trata-se de otimismo vão ou ingênuo, e como salienta-se na apresentação de Roberto D'Ávila e na introdução de Maria Serena Palieri trata-se de um "otimismo da razão" o que é reforçado na parte final da obra quando apesar do olhar otimista, o sociólogo fecha o livro com "advertência" em que debate os riscos do neofascismo, das novas ameaças de uma extrema-direita e dos autoritarismos espalhados pelo globo;

2 - Portanto, De Masi não ignora as preocupações e os agentes do medo em nosso presente, para o sociólogo, momento pós-industrial da sociedade humana. Pelo contrário, é a partir desses incômodos e angústias que ele traça suas perspectivas e argumentações, analisando não apenas a ótica do trabalho - mas especialmente ela - mas como a relação do trabalho com a sociedade e essa passagem para uma sociedade pós-industrial, marcada pelo avanço tecnológico e pela aparente obsolescência do humano estão agindo sobre as organizações sociais e políticas, bem como, de que modo os interesses de um poder autoritário têm conseguido fazer uso desse momento específico;

3 - Para tanto, é preciso então levar em consideração alguns elementos importantes sobre esta publicação. Como o próprio subtítulo informa-se trata-se de "conversas", ou seja, o sociólogo argumenta por meio de respostas às perguntas provocadas por Maria Serena Palieri. É na verdade um extenso, mas fluente e compreensível diálogo sobre não apenas o futuro, mas como nosso presente e as bases históricas que nos trouxeram até aqui. Além disso, o futuro citado como próximo, é de fato próximo, pois o intelectual imagina-o logo ali em 2030. Outro elemento importante é que para De Masi, e isso permeará toda a discussão, além da própria juventude do mundo e a despeito das frustrações, medos e angústia, ele procura demonstrar que vivemos o melhor período da humanidade sobre o planeta, argumento fortalecido tanto pela longevidade que atingimos quanto pelas questões positivas oriundas do avanço tecnológico;

4 - Dito isto, para além das partes introdutórias e finais, os diálogos concentram-se em unidades temáticas divididas em dez partes, em que cada uma delas, a conversa flui acerca de ideias centrais. E o início dá-se justamente com "desorientação e projeto" em que se discute especialmente a desorientação neste tempo presente. Para De Masi "estamos fadados, em todos os campos da nossa existência, a alternar fases de segurança tranquilizadora com fases de desorientação inquietante" e que "a desorientação é parente da complexidade" e que "não basta desmontar e entender um por um dos mecanismos, os sistemas; é preciso um modelo abrangente que nos ajude a interpretar, prever, nos comportar", sendo que a ausência de um modelo converge para essa desorientação. Já em "longevidade e velhice" ele aborda a partir do avanço da expectativa de vida os desafios impostos à velhice e o modo das sociedades se organizarem nesta realidade em que vivemos mais - e melhor;

5 - Na sequência se aborda "androginia e gêneros" em que aborda uma série de desafios e uma longa jornada de desigualdades a se superarem no futuro, além de dizer que ocorre agora "a transição progressiva de uma situação totalmente subordinada para outra que há reivindicação de direitos, de igualdade, mas também de algo mais: de respeito..." 

6 - Parte essencial e crucial em sua análise, até porque tal cisão concentra parte dos conflitos e desorientações do nosso presente pós-industrial é quando aborda "digitais e analógicos" defendendo temos agora uma sociedade partida em uma dicotomia que caminha para a extinção natural de uma de suas partes, pois que a geração analógica pela ordem natural do tempo em breve dará lugar a sociedades humanas cujos pertencentes serão todos da era digital. Nessa discussão De Masi aponta para a necessidade, assim como Noah Yuval Harari, de discutirmos e projetarmos esse futuro digital até porque como De Masi lembra citando Franklin Foer "as Big Tech construíram seu império pulverizando a privacidade e têm um programa perturbador: tornar o mundo menos privado, menos individual, menos criativos, menos humano." Mas ter isso em consideração não importa numa análise catastrófica, na verdade chega-nos como observação a ser considerada, porque de modo geral, dentro de seu otimismo De Masi sugere com enfrentamento a isso e aos rompantes pré-fascistas que essa realidade digital por vezes evoca "seria necessário estabelecer, em âmbito global, um grande, inédito pacto social não só entre analógicos e digitais, mas entre homens e mulheres, empregados e desempregados, para distribuir igualitariamente a riqueza, o trabalho, o conhecimento, as oportunidades e as proteções" sendo que aqui nos deparamos com certa resistência da utopia;

7 - Na sequência o autor discorre sobre a temática que o popularizou no mundo, "trabalho, ócio" destacando e enfatizando não apenas as mudanças nas relações de trabalho, mas também abordando como a criatividade neste seu futuro próximo será essencial nesse universo. Já em "medo e coragem", mergulho nas angústias atuais, teremos reforço no debate acerca de realidade e percepção, pois que, segundo De Masi "hoje pensamos que a novidade consiste na "percepção", mas é o contrário: entre a realidade real e a realidade percebida, nova e recente é a primeira, porque, no passado, sem dados estatísticos e sistemas de informação tendentes à precisão, a realidade de que se falava era toda percebida..." Nesse capítulo o autor volta a trazer para a conversa o iluminismo, pois que, como nessa discussão mostrando que o conflito entre o pensar iluminista e o teísmo integra consideravelmente dos debates contemporâneos, o livro soma-se a uma série de abordagens recentes que seguem nesse sentido;

8 - O livro prossegue analisando "engajamento e egoísmo". Depois em "classe e indivíduos" o autor refletirá acerca dos conceitos marxistas à luz desta nova sociedade pós-industrial quando as fábricas já não mais são os motores da economia. Ao fazer isso e ao tratar, por exemplo, do lobby, o livro apresenta-nos um curioso insight tomando o famoso lema "proletários de todo o mundo, uni-vos!" que apropriado pelas elites e pelo lobby fez com que "a conclamação com que Marx e Engels concluem seu Manifesto foi atendida pela burguesia, o que a tornou irrealizável para o proletariado". Nesta parte das discussões o autor observa ainda a relação de trabalho no conceito "uberização" e como isso  ficamos "todos mais proletários do que antes";

9 - O livro encerra com a abordagem de "inteligência e sentimentos" e "felicidade e leveza", este último em que o sociólogo tratará da longa jornada da felicidade na compreensão humana e em diferentes sociedades, e principalmente, as questões filosóficas envolvidas nesta análise. Aqui novamente a força de seu otimismo, especialmente em seu fecho retomando uma conversa com Maurice Béjart: "passamos em revista todas as coisas ruins do mundo e Béjart, ao concluir, explodiu: "Malgré la merde, je crois" [apesar da merda, eu acredito]. Uma frase tão bela que, quando me tornei diretos de uma das faculdades da Universidade La Sapienza de Roma, escrevia em letras garrafais no pátio da universidade";

10 - Enfim, desapegado de pessimismos catastróficos, O mundo ainda é jovem não desconsidera nossos percalços e desafios, pelo contrário, expõe-nos com sobriedade e inteligência, mas ainda assim permite-se ao otimismo da razão tendo em vista também as potencialidades e os desafios a serem superados pela sociedade humana em diferentes aspectos e campos. Tudo isso com a intimidade de uma conversa, que longe de simples, a despeito de sua fluência e proximidade, conta não apenas com respaldo teórico gigantesco mas também com erudição capaz de observar um vasto e amplo material de pesquisa, a destacar o conhecimento do autor de muitos e importantes pensadores brasileiros, dentre ele, por exemplo, Darcy Ribeiro. Uma ótima leitura na tarefa de nos auxiliar na compreensão destes tempos desorientados e de intensas mudanças. Além disso, ferramenta essencial para enfrentarmos os perigos que nos traz enquanto "advertência".


    

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