10 Perguntas inéditas para Paulo Stucchi, autor de A Filha do Reich

Em mais uma grande entrevista, desta vez nosso convidado é escritor Paulo Stucchi, autor do recente A Filha do Reich publicado pela editora Jangada. Nesta conversa falamos sobre o livro, sobre literatura e também sobre a leitura no Brasil, confira:


LL: 1 - Gostaríamos de iniciar tratando um pouco do conjunto de sua obra, que assim como A Filha do Reich, é marcado pelo elemento histórico. O que te levou à opção das narrativas marcadas pelo peso da história?

P.S.: Sempre fui apaixonado por História. Isso vem dos tempos de Colégio. De algum modo, isso acabou transparecendo também em minhas últimas obras. Creio que a História, por si, é recheada de fatos que instigam a imaginação e brincar com a mistura de realidade e ficção me fascina. O primeiro trabalho em que usei esse recurso foi "O triste amor de Augusto Ramonet" (disponível atualmente para download no meu site) que se passa na época do golpe de Pinochet no Chile; depois, veio Menina/Mitacuña, que tem como pano de fundo a Guerra do Paraguai.

LL: 2 - Aliás, A Filha do Reich trata em termos históricos de um momento bastante pesado da humanidade; o que te levou a usar este momento como pano de fundo para seu romance?

P.S.: O período nazista sempre me chamou a atenção. Quer dizer, hoje, como jornalista e psicanalista, me intriga entender o que levou a humanidade a cometer tantos absurdos contra semelhantes. Se olharmos outros eventos, além do Holocausto, deparamo-nos com a capacidade infinita do homem de fazer o mal - mas, também o bem. A maldade existe dentro de cada um de nós, e Hitler conseguiu extrair isso de seus seguidores. Contudo, vale lembrar que o povo alemão também sofreu. Há um lado humano e, sendo assim, não dá para enxergar as coisas sem considerar uma grande zona cinza. Além disso, o Nazismo é um tema recorrente em muitas produções, sejam filmes ou livros. O que eu queria, no caso, era fugir do senso comum, tentar contar uma história sob um ponto de vista diferente. Então, "por que não milagres acontecidos num campo de trabalhos forçados?", pensei. Gosto de trabalhar com opostos, e A filha do Reich mostra muito disso: amigos que se tornam inimigos, pais e filhos que não têm laços afetivos, um amor entre um soldado alemão e uma judia, e, claro, milagres inexplicáveis que aconteceram em um local improvável, em que Deus parece não chegar nem perto.

LL: 3 - Por falar no componente histórico, parece-nos que o livro te demandou muita pesquisa em sua elaboração. Como você trabalha essa questão, a partir de leituras já feitas, ou para cada livro, como A Filha do Reich, acaba realizando pesquisas específicas naquele determinado momento?

P.S.: Há temas de que eu gosto muito e procuro usá-los. Normalmente, leio muito sobre História, principalmente, pontos que me interessam. Esse é um ponto de partida. Porém, ao contrário de Menina, tentei não me prender a fatos históricos de modo muito profundo. Eu queria contar uma história de ficção que resvalasse em fatos reais, brincar com o real. Porém, é impossível tratar do Nazismo sem expor feridas, sem deixar explícita a face mais cruel do ser humano. E isso sim é muito real, cruel, cru.

LL: 4 - Falando em pesquisas, a Segunda Guerra e o nazismo são bastante lembrados por esta relação com o ocultismo e outras teorias relacionadas a misticismos e espiritualidade. Como observa isso? Além do que trouxe-nos no livro, que mais encontrou em sua jornada?

P.S.: Assisti a alguns documentários sobre expedições nazistas à Amazônia e ao Oriente Médio à procura do Santo Graal. De algum modo, líderes absolutistas sempre apelam para o Divino, para o sobrenatural, para justificar seu poder. O homem teme o desconhecido. Então, será que Hitler, megalômano como era, também não pensou sobre isso? Sobre ter uma missão quase "divina", que era assegurar a supremacia do que ele chamava de "raça ariana"? Hoje pode parecer absurdo, mesmo porque sabemos que esse conceito (de raça ariana) é profundamente questionável. Mas na época fazia sentido. Contudo, preferi não citar por exemplo a Germanenorden (Ordem dos Germânicos), que realmente existiu e cujos membros tinham grande influência sobre Hitler, e criar minha própria versão para esse fato, que era "A liga dos estudos do oculto". Por outro lado, o livro trata também da mitologia judaica-cristã quando fala em milagres ocorridos sob a intercessão do Deus ocidental, cristão. O misticismo não está presente somente na face nazista, mas de modo mais amplo.

LL: 5 - Agora fugindo um pouco da temática de fundo, podemos ler A Filha do Reich também como jornada de autoconhecimento ou uma narrativa de desencontros íntimos, dentre outras perspectivas possíveis. Concorda? No que a jornada de Hugo pode ser uma obra de formação?

P.S.: Sem dúvidas! Mais do que qualquer outro tema, acredito que o livro para justamente disso! Quando Hugo conhece mais sobre a história do pai, ele modifica a si próprio. Conhecimento é isso: uma ferramenta poderosíssima para que nos modifiquemos. Acredito que ninguém nasce de um jeito ou outro; somos frutos de uma educação, de uma história de vida, das dores que sofremos. Se me pedissem para resumir sobre o que trata A filha do Reich, eu diria que todo o livro fala sobre redenção, inclusive, a de Hugo.

LL: 6 - Falando em seu protagonista, que tipos de metamorfoses acredita que ele acaba passando ao longo da jornada?

P.S: Na verdade, o livro tem dois protagonistas: Hugo e Olaf, filho e pai [Nota: nesta questão seguimos divergindo com o autor, não identificando no pai as características de um protagonista]. No caso de Hugo, acredito que a maior metamorfose foi a maturidade, que chegou a ele quando desvendou a história de seu pai e a sua. Quanto a Olaf, durante toda a narrativa suas crenças são testadas e derrubadas: sua fé, sua amizade por Heinz, sua crença na ideologia nazista. Foi necessária a queda do pai para que o filho se salvasse. É um tipo de sacrifício, não? Vejo dessa forma; Olaf e Hugo estão totalmente conectados. Um é resultado da história que o outro viveu e, num terminado ponto, esses caminhos se fundem. O filho não somente redime o pai, como a si.

LL: 7 - Ainda sobre A Filha do Reich, a ação de seu romance se dá em diferentes locações, e com boa descrição do espaço e dos lugares, como Nova Petrópolis, por exemplo. Em sua escrita, costuma visitar as cidades em que acaba ambientando suas narrativas?

P.S.: Ambientação é fundamental para que o leitor acredite no que está lendo. Por isso, gosto de conhecer os locais sobre os quais escrevo. Torna tudo mais fácil e fluído. No caso específico de A filha do Reich, já estive em Nova Petrópolis várias vezes a passeio. É uma cidade incrível! Por que não usá-la em um romance sobre nazismo, já que se trata de um município basicamente formado por descendentes de alemães? As coisas "casaram", entende? Também estive algumas vezes a trabalho na Alemanha. Os locais sobre que descrevo são reais. Obviamente houve pesquisas pontuais sobre fatos históricos da guerra e emigração, mas a base para o enredo já estava formada.

LL: 8 - Agora saindo um pouco de seu novo livro, falemos de leitura e literatura. Vimos em seu site alguns dos incentivos que teve em sua formação enquanto leitor. Poderia compartilhar conosco o poder de convivermos enquanto jovens com os livros? Como pessoas lendo em nosso convívio?

P.S.: É como você disse: é poder. Conhecimento é poder, e os livros são fontes de conhecimento. Tive a felicidade de crescer em uma família de leitores, o que certamente incentivou-me a ser um devorador de livros. Contudo, eu não queria apenas ler, queria criar. Fui uma criança muito tímida e escrever, criar, foi uma forma de dar vazão aos sentimentos, acredito. Sempre digo nas conversas que tenho sobre leitura: leiam, leiam de tudo, de bom e de ruim. Leiam livros impressos ou digitais, no Wattpad ou em blogs. Quem lê escreve melhor, reflete, pensa e muda a realidade à sua volta.




LL: 9 - Nesse mesmo sentido, vimos também que você é de uma geração bastante apaixonada pela Coleção Vaga-Lume. Pode nos falar mais sobre estas influências, e como isso repercutiu em você autor?

P.S: É engraçado isso. Eu via minhas tias lendo grandes romances, como "Angústia" de Graciliano Ramos, "As brumas de Avalon"... Claro, não eram livros para mim. Quando a escola me apresentou a coleção Vaga-lume, pode exercitar aquilo que via os adultos à minha volta fazerem: ler. Adorava Marcos Rey.

LL: 10 - Para finalizar, o que significa escrever num país como o Brasil? Mais do que isso, ser um ficcionista no país continua uma grande desafio?

P.S.: Vamos lá... Hoje, escrever e publicar digitalmente ou de modo impresso está mais fácil. O problema é ser lido. E aí temos várias facetas desse problema. Primeiramente, a leitura, assim como outras tarefas ligadas à cultura, ainda está ligada no Brasil a um hábito erudito. Falta no país uma indústria de entretenimento através da leitura, assim como está começando a ocorrer no cinema. Há escritores que escrevem para si e desejam produzir obras de arte. Basicamente, muitos destes são aclamados pela crítica literária, mas lidos apenas por seus iguais: professores, outros escritores, acadêmicos. Por sua vez, penso que o escritor deve escrever para quem lê, não para si. É algo que me angustia muito quando estou trabalhando num livro, ou seja, "será que irão gostar?", "será que irão ler?", "se eu fosse ler o que escrevo, eu gostaria?". Cobro-me muito, muito mesmo. Sou meu maior crítico, tanto que nunca releio o que escrevo - caso contrário, não publico. Fico feliz quando vejo novos escritores sendo lançados em plataformas digitais. A Bienal de São Paulo contou com a participação de vários deles, um público jovem, que escreve e é lido por uma galera igualmente jovem. Sim, acredito que o brasileiro está escrevendo e lendo como nunca escreveu e leu. Agora, qualidade são outros quinhentos.

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