10 Considerações sobre Paulo Freire Mais do Que Nunca, de Walter Kohan

O Blog Listas Literárias leu Paulo Freire Mais do Que Nunca, de Walter Kohan; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 – Paulo Freire Mais do que Nunca, de Walter Kohan por seu título já demonstra um pouco da emergência destes tempos em que o embate ideológico radicalizado enevoa as discussões relevantes à educação brasileira, de modo que o que está em jogo não é mais a virtude ou a ciência do debate, mas tão somente o comportamento catártico e incivilizado de torcida, que impossibilita muitas vezes compreender a real relevância e a real contribuição de Paulo Freire para a educação, e isso nos dois lados de uma disputa que obscurece as necessárias contribuições do educador, a despeito do que dizem seus detratores, a grande referência do país neste campo das ciências humanas. Neste livro Walter Kohan se propõe a discutir o legado freireano de modo problematizado e pela filosofia;

2 - Tanto é a emergência de tempos obscuros, que Kohan inicia sua discussão propondo “princípios (inícios) e sentidos de uma leitura” onde procura estabelecer alguns pontos de partida de sua publicação levando em conta que “nesse cenário, não é simples escrever um texto sobre ou a partir de Paulo Freire” já que “por se tratar de uma figura engajada , com um posicionamento político claramente definido, tem gerado ora admiração, ora rejeição, e até certo desprezo em círculos acadêmicos e políticos. Nesse sentido, o deslumbramento que sua figura provoca – tanto como o seu contrário, uma rejeição tão passional quanto – converge para uma postura acrítica, reverencial ou difamadora...”

3 – Fugir desses papeis representados por grande parte dos que acabam discutindo (às vezes no sentido mais literal da palavra) Paulo Freire é o que se propõe, portanto, Kohan, buscando uma posição crítica ao trabalho de Freire, o que consegue em boa parte, ainda que, como bem sabemos e devemos ter como convicção, a neutralidade é uma falácia, o que significa dizer que o livro mesmo optando pela leitura mais crítica não significa que não aderirá às teses de Freire, todavia o fazendo sem o deslumbramento acrítico visto em muitos “admiradores” de Freire, que em alguns casos prestam o mesmo desserviço ao legado do educador que seus ferrenhos, passionais e virulentos detratores;

4 – Aliás, aqui abre-se um pequeno parênteses, apenas para reforçar um dos princípios mais discutidos acerca do trabalho de Freire, que honestamente aponta a neutralidade de certo modo uma falácia. Seus detratores são o melhor exemplo disso, pois que se fosse possível tal neutralidade, eles não precisariam ficar gritando aos quatro cantos para se extirpar o autor da educação brasileira, como falam muitos políticos extremos. Ao fazerem tais manifestações estão claramente rompendo qualquer neutralidade que podiam pressupor, a serviço de suas ideologias, e isso é algo óbvio, mas nestes tempos, parece-me que temos de ficar repetindo obviedades. Quem propõe extirpar Freire da educação, alegoricamente acende um daqueles diversos fósforos do autoritarismo que Ray Bradbury fala em Fahrenheit 451. E ao fazer isso, toma claro uma postura ideológica não neutra, simples assim. E se o fazem desta forma de tintas fascistas talvez porque não consigam fazê-lo pela argumentação, o que se deveria esperar, até porque uma boa espiada pela internet e redes sociais onde pastejam muitos gados digitais, percebe-se rápido que tais posturas muitas vezes evidenciam o desconhecimento e leitura daquilo que criticam;

5 - Esse é um lado da questão, mas como Kohan sinaliza, o problema persiste entre “admiradores” e pretensos defensores de Paulo Freire, pois não raro entre aqueles que dizem-se “seguidores” ou discípulos de Freire acabam o fazendo com leituras e interpretações muitas vezes errônea. Tais questões volta e meia aparecerão na discussão e reflexão de Walter Kohan ao longo do livro. Além disso, encerrando meu pequeno parênteses, vale dizer que penso que tanto entre detratores quanto leais defensores de Paulo Freire há certa superestimação do impacto de sua filosofia na educação pública. E não há aqui julgamento, mas reflexão da parte que conheço e vivencio a educação, seja estudando, seja acompanhando a vida escolar dos filhos. Aliás, me atreveria dizer que os ideais de Paulo Freire não são mais que sombras distantes no dia a dia das escolas públicas, e não raro mesmo professores que vez ou outra exibem uma frase de Paulo Freire, habitam e convivem num sistema ainda marcado por forte poder autoritário;

6 – Mas retomando os princípios e compromissos de Kohan no presente livro, ele reforça que “a educação é política não porque seja partidária, mas porque exige formas de exercer o poder, de organizar um coletivo, de fazer uma comunidade. É essa dimensão política que me proponho considerar neste livro” diz o autor ainda que o livro “um exercício de pensamento, a partir das ideias e da vida de Paulo Freire, que resgate suas contribuições para pensar a “politicidade” da educação fora das cegueiras partidárias”. Talvez essa seja a maior dificuldade do livro, porque ao necessariamente no final do livro trazer-se o cenário presente do país possa justamente dar combustível aos que partidarizam o debate;

7 – Mas de modo geral o livro é eficiente na proposta de buscar na vida, nos pensamentos, nas forças e nas inspirações de Paulo Freire modos de pensar e enfrentar alguns dos grandes desafios da educação no Brasil. Isso como o próprio autor diz, sem ficar procurando pelo “verdadeiro Paulo Freire” ou o único ou mais autêntico;

8 – Para tanto, Kohan organizará suas discussões por meio de cinco princípios resumidos nas palavras vida, igualdade, amor, errância e infância que iniciarão os capítulos do livro em unidades temáticas que tratarão as diferentes forças de influência de Freire, não apenas em seus estudos, mas como na sua vida. Isso a seu modo reforça a perspectiva dialógica no processo, alicerçado tanto pela filosofia, que obviamente desempenha papel importante na argumentação, mas na própria vivência e nas experiências de Paulo Freire enquanto fonte inspiradora;

9 – Nesse sentido, ao unir diferentes perspectivas nas discussões de Paulo Freire, Kohan reforça outra questão importante para Freire, a vivência prática a legitimar a teoria. No todo do livro isso fica bastante claro do quanto Freire procurava referendar suas reflexões com a prática, processo de aprendizado desde sua infância. Por tudo isso prepondera no livro a relevância, mais do que nunca de Paulo Freire, todavia com a diferença que Kohan procura trazer ao longo do livro críticas e contradições no trabalho de Freire, algumas que pela argumentação ele desmonta, outras com as quais concorda;

10 – Enfim, Paulo Freire Mais do que Nunca, por seu título é bastante desafiador. Por seus artigos acompanhamos especialmente as forças de inspiração de Paulo Freire e alguns de seus principais pensamentos, especialmente os que mais suscitam discussões acaloradas e muitas vezes são usados como argumento de defenestração do educador. Kohan traz para o debate uma tentativa de discutir o educador sem os calores do debate partidarizado, nem sempre consegue de todo, mas como principal virtude de seu trabalho é reforçar que Paulo Freire precisa ser debatido para além da dualidade passional que se tem visto. Como o livro diz em determinada parte, a discussão sobre o patronato de Freire da nossa educação é coisa inócua quando nem entre seus propagandistas nem entre seus detratores conseguem captar os reais problemas da educação brasileira. Neste sentido, uma leitura desapaixonada de Freire poderia ser bem mais instrutiva e relevante, pois em termos de educação, são também tempos mais que urgentes, e o olhar filosófico-biográfico de Kohan para Paulo Freire reforça que antes de “extirpar” a ideologia Paulo Freire, poderíamos tentar antes experimentar de fato algumas experiências propostas pelo educador, pois quem estudou, meu caso, em escola pública, e que convive com a escola pública bem sabe que a presença maciça dos ideais de Paulo Freire nela não passam de ilusões que enchem cabeças à direita e à esquerda, mas muito longe da realidade diária de uma escola que grosso modo, ainda está muito mais para reprodutora que um ambiente libertador como sonhava o pensador.



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