Não Atenda! 10 Considerações sobre Celular, de Stephen King

Publicado originalmente em 2007, uma década depois talvez não seja exagero dizer que Celular, de Stephen King em nova edição da Suma, possa ser visto como uma analogia ao uso dos celulares em nosso presente, pois os efeitos do Pulso às vezes lembra-nos do presente polarizado e suas legiões de fonáticos. Mas viagens à parte, o Blog Listas Literárias leu o livro, neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo, confira:

1 - Intenso do princípio ao fim, Celular é daquelas obras de Stephen King que nos prende à leitura enquanto as coisas pioram exponencialmente no mundo habitado por seus personagens. Da jornada inicial de seu protagonista ao desfecho final da obra o suspense e a ação nos colocam diretamente na insanidade de uma sociedade que cai e entrega-se à barbárie e à sobrevivência;

2 - Mas não trata-se do gênero o qual muitos chamam King de mestre, o horror,ainda que também o seja. O romance está na verdade com os pés mais colocados na ficção científica pincelada com tintas distópicas e apocalípticas, gênero pelo qual o autor também adentra muitas vezes, geralmente alinhando-o ao horror, e o resultado é o de sempre, narrativas envolventes, populares e também com sumo suficiente para aqueles que pretendem avançar para além do mero entretenimento;

3 - Isto porque há em Celular, assim como noutras obras de King, cuidados com as camadas abaixo da superfície do texto onde a ação predomina. No caso deste livro, por exemplo, discussões sociológicas e antropológicas estão presentes no olhar que observa a sociedade sendo degradada pelo forte impacto do medo e do horror. Aliás, como presente na obra do autor, Stephen King é um tanto pessimista, talvez realista quanto às ações humanas quando confrontadas com grandes medos, caso do caos que toma Boston no princípio do livro;

4 - A bem da verdade, também é importante contextualizar a primeira publicação de Celular, que embora bastante disseminado à época, de longe ainda não representava a quase totalidade das pessoas a possuí-los como é hoje, tanto que muitos dos que salvam-se do Pulso o conseguem por não possuir aparelhos. O livro, parece, testemunha com desconfiança o avanço massivo daquela nova tecnologia cada vez mais presente no dia a dia das pessoas, no caso específico dos americanos, de modo que Stephen King vê nisso as possibilidades medonhas de uso de algo com tão grande alcance;

5 - Assim, ainda com a presença recente dos ataques de onze de setembro e a popularidade dos aparelhos de telefone celular, Stephen King une as duas coisas numa trama imersiva em que seu protagonista Clayton Ridell e seu grupo a formar-se testemunham a queda do mundo a partir de um evento que passam a chamar de O Pulso e que divide os sobreviventes, normies, dos fonáticos, algo próximo a zumbis selvagens cujo cérebro foi fritado pelo Pulso;

6 - Enquanto o caos se estabelece e seus personagens lutam pela sobrevivência, King é então mais King do que nunca, com cenas extremamente violentas e visuais, mas condizentes com o que ocorre. Do começo do caos em Boston ao desfecho final em Kashwak, no Maine, o autor usa de todos os recursos que o consagram entre seus leitores;

7 - Contudo, vale dizer que embora em sua ampla maioria de elementos estruturantes as questões façam sentido para a verossimilhança, há um detalhe que pode passar despercebido por leitores que é a pouca razoabilidade para verossimilhança interna da obra os contatos e a forma que se dão entre normies, especialmente os do Grupo de Gaiten (Ridell, Alice, Tom e Jordan), e os fonáticos, visto que se tão somente a telecinese fosse necessária, dispensaria o Pulso nos celulares. Mas isso, é claro, é coisa de leitora que fica procurando cavaco;

8 - É mais proveitoso, porém, observarmos como o autor discute os comportamentos sociais, especialmente num universo de plena ruptura social. Aliás, a presença de um sociólogo em determinada parte da narrativa aponta para estas preocupações de King em também observar e propor reflexões acerca do comportamento social, algo que se discute também sobre The Walking Dead. No caso de Celular podemos acompanhar as ações humanas enquanto ocorre o evento traumático, durante e o pós ponto zero quando os grupos passam a organizarem-se novamente, já então numa nova ordem, bastante hostil e primitiva;

9 - E ai podemos perceber valores positivos na obra, visto que esse retorno à primitividade não chega a seus personagens sem culpas ou questionamentos, especialmente em Clayton. No caso do protagonista, embora participe e ajude a conduzir a nova sociedade a uma cisão entre normies e fonáticos no melhor estilos nós e eles, não deixará o protagonista de peguntar-se ou mesmo duvidar de suas próprias escolhas enquanto no meio de uma guerra. Ao questionar a si mesmo, em extensão ao comportamento social das pessoas em relação aos fonáticos. Nesse sentido o desfecho final um tanto melancólico aponta para certas posições;

10 - Enfim, Celular, assim como é com toda obra de Stephen King, reúne as virtudes de reunir conteúdo que que pode parecer apenas entretenimento. Para quem gosta de ação, suspense e brutalidade é ótima pedida, tanto quanto para aqueles que questionam e procuram reflexões acerca dos comportamentos humanos diante do medo.


     

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