10 Considerações sobre Os Imortalistas, de Chloe Benjamin ou sobre vida e morte

O Blog Listas Literárias leu Os Imortalistas, de Chloe Benjamin publicado pela editora Harper Collins; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Tocante, sensível e em muitos momentos dotado de grande emoção, Os Imortalistas é ficção bem feita e que envereda-se por terrenos ainda nebulosos e misteriosos, refletindo sobre vida e morte a partir da história dos irmãos Gold, uma narrativa de fronteiras tênues entre os insondáveis desígnios dos mistérios da existência e a razão, que mesmo quando presente (no caso da narrativa) não deixa de ser impactada pela aleatoriedade da jornada da existência humana;

2 - Para tanto, a autora constrói sua narrativa a partir do último ano da década de 60, quando curiosos pela presença de uma estranha mulher na cidade, os quatro irmãos Gold (Varya, Daniel, Klara e Simon) decidem consultarem-se com a cigana, quando então teriam recebido desta a profecia com suas respectivas datas de morte. O impacto de tal informação percorrerá então a vida de cada um deles, ao mesmo tempo em que suas experiências e identidades vão se revelando à sombra de grandes movimentos sociais e históricos;

3 - Estabelecido a partida inicial da narrativa (diga-se que os Gold pertencem a uma família judia típica da diáspora de seu povo), o livo então divide-se em quatro partes bem especificas em que se debruça sobre cada uma das jornadas dos irmãos, focalizando cada um dos protagonistas em respectivos momentos de sua vida, mas todos sempre com a sombra daquele dia de  1969 e cujos impactos reverberarão nos anos 80, 90 e 2000. Ao narrar com apuramento cada um dos Golds, Benjamin discutirá o peso das ideias incutidas, bem como penetrará com certa forma no drama ainda insolúvel da humanidade: sua imortalidade;

4 - Na verdade, ao tratar de vida e de morte, Chloe acaba penetrando nas discussões sobre o próprio modo de viver e as escolhas que fazemos, como viver o hedonismo de Simon mas o regramento disciplinado de Varya que aborta a própria vida na perspectiva de viver mais. Entretanto, no caso dos Gold, aparenta-se que seja qual for suas escolhas, todos partem do conhecimento que possuem e que lhes foi entregue pela cigana, como se cada um deles necessitasse comprovar as palavras dela, ainda que tudo aquilo lhes atemorize;

5 - Por isso, essa é uma narrativa de intensidade e força, especialmente porque os acontecimentos que surgem em consequência de suas escolhas em muitos momentos alcançam os picos esperados por uma obra que tem na morte a sua centralidade, de modo que não deixa de ser uma leitura dolorida para aqueles que se condoem com os entes ficcionais e como leitores são impotentes para qualquer ação que não seja tão somente buscar encontrar respostas para os acontecimentos marcados por fatalidades e tragédias que mais distantes dos mistérios esotéricos, estão mais próximas do existir mundano e ordinário do dia a dia;

6 - Eis aí talvez a força significativa da leitura, pois embora com a introdução de elementos esotéricos e sobrenaturais, a narrativa não os toma como uma possibilidade, mas a mera sugestão que permanece ainda conosco, de modo que não poderia dizer-se tratar de uma obra, que, por exemplo, afirma a vidência como algo concreto. Pelo contrário, a narrativa sobrevive justamente neste campo de incertezas e relega à mente de suas personagens - e consequentemente aos leitores - a crença final de suas coincidências ou aleatoriedades que que nos parece sem explicação, isso desde que não tenhamos ainda compreendido que o signo que nos rege é o caos;

7 - Essa é uma compreensão que talvez falte aos Gold, pois a memória da experiência da infância os acompanhará de forma indelével e às vezes é como se cada uma deles a usasse para justificar suas escolhas e decisões futuras, criando assim uma amarração invisível e que oculta talvez o essencial: os irmãos longe de um conhecimento especial recebido de uma cigana constituem uma alegoria muito aproximada de qualquer outra família, que embora haja amor, há também inúmeras decepções, ressentimentos e mágoas que os unem e os separam do mesmo modo que a vida une e separa qualquer outra família. Essa caracterização, aliás, de uma forma tão humana e imperfeita faz justamente ressaltar o realismo que sobrepõe-se aos elementos insólitos ou misteriosos, até porque ao tratar da predestinação a autora é competente ao visualizá-la pelas lentes de uma longa tradição social e cultural, sem julgamentos - ao menos não aparentemente - e sem tomar grandes partidarismos;

8 - Aliás, o ambiente aleatório e realistas do romance só é mesmo quebrado pelas amarrações da trama em que algumas histórias reencontram-se mais talvez do que se fosse esperado na vida real, especialmente para alguns momentos de grande efeito dramático da narrativa que percebe-se não pelos Gold mas noutras personagens certo alinhamento predestinado, o que acaba contrastando com o restante;

9 - Mas não que tais questões sejam problemas, apenas um fato a se comentar da obra, que por fim, como venho dizendo, com muita dramaticidade e riqueza de pano de fundo e como constituição de personagens, penetra em assunto incômodo, mas que entretanto, se o drama e o medo dão à morte certa centralidade, por outro lado, e especialmente aparente na última parte da obra coloca na mesma centralidade o outro lado da dicotomia, a vida. Em certo aspecto o romance parece dizer-nos a vida é esta, e como ela será se construirá como agimos e escolhemos durante este processo que inevitavelmente nos reservará um fim e que independentemente da existência de uma data afirmativa da morte, podemos optar por viver a vida. Ao fim, parece-nos que a narrativa que tanto trata da morte, acaba sendo um convite à vida;

10 - Enfim, com personagens palpáveis e reais, mergulhamos nos dramas humanos, e nas virtudes e defeitos que engordam o signo humanidade. Envolvente, mas não menos triste, Os Imortalistas é uma fábula contemporânea que a partir do Gold destrincha a fragilidade dos laços e dos sentimentos e denuncia certo vazio tão presente, especialmente quando o que há nas sombras nos enrijecem mais do que a vontade de enfrentá-los. É um romance que toca feridas, mas que ao fim, não deixa de levar-nos a avaliações e reflexões em busca do equilíbrio para tudo aquilo que ainda não podemos compreender ou então aceitar.



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