10 Considerações sobre A Glória e Seu Cortejo de Horrores, de Fernanda Torres ou por que nem tudo que reluz é ouro

O Blog Listas Literárias leu A Glória e Seu Cortejo de Horrores, de Fernanda Torres publicado pela editora Companhia das letras; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Com uma voz narrativa tomada pelo frenesi da memória, em alguns momentos até mesmo verborrágica, o romance fala de ascensão e queda, inclusive propondo a discussão e a reflexão de onde estarão tanto a ascensão quanto a queda, que para além das aparências, as duas podem estar em lados opostos do que realmente aparentam;

2 - A trama de Fernanda Torres narra a vida de Mário Cardoso, jovem estrela dos teatros e da televisão durante os anos sessenta, que no presente "experimentará" todas as quedas proporcionadas pelo cortejo de horrores com os quais da autora procura pincelar a glória, de modo que a glória com suas idiossincrasias e frivolidades torna-se alvo crítico da narrativa;

3 - Para tanto, a autora divide a narrativa em duas partes, a primeira e maior parte, narrada pela intensa e frenética voz em primeira pessoa de Mario Cardoso, que é quando a partir de seu olhar, crítico para si mesmo, vamos nos embrenhando na existência complexa desta personagem, que acima de qualquer ideal, demonstra correr por si mesmo num individualismo que permite-o saltar de um universo ideológico a outro sem dramas ou remorsos, algo que ele só percebera com o tempo avançado, ao refletir suas próprias reminiscências;

4 - Já a segunda e menor parte do livro é quando passamos para uma equilibrada e ponderada narrativa em terceira pessoa a dar conta já de uma figura que da queda máxima e de seu flerte com a insanidade ou a cura age de modo a como uma fênix renascer para então uma glória pura, ideológica e por que não, talvez ingênua;

5 - E como pano de fundo a narrativa, temos o tempo que escorre dos anos 60 até o presente a partir da ótica da classe artística que entre revolução e e sobrevivência, ao seu modo e escolhas iam mantendo as rodas da indústria cultural em funcionamento;

6 - Contudo, importa dizer que o pano de fundo para o romance nos chega tão somente como uma névoa, está ali, mas pouca ação ou interferência terá na narrativa, o que acaba diminuindo a ambição da obra de ser "um retrato potente do Brasil", pois temos sim uma narrativa voltada às contradições do indivíduo, pois Mario Cardoso será no romance o centro e a periferia da obra, já que são suas errâncias, seus"pecados" e dissabores pessoais que ditarão todo o ritmo de modo que a paisagem pouco parecer importar para os caminhos do artista ficcional;

7 - Aliás, o cenário social terá menos relevância que as próprias referências culturais, da literatura e do teatro, especialmente, e óbvio, Shakespeare. Desse modo a cultura, o ser cultural, tanto do narrador quanto da autora, terão muito mais influências na obra que "o retrato brasileiro", até porque serão tais referências e influências que em muitos momentos provocarão anseios e reflexões no protagonista, uma alma tão atormentada quanto as muitas que encenara nos teatros e na televisão;

8 - Além disso, em determinado momento as condições discussões contemporâneas servem para medir e falar do passado, o que desvincula um pouco a narrativa do processo histórico provocando certo distanciamento. Esse mesmo distanciamento também revela-se na opção pela indefinição genérica de elementos centrais na vida da personagem, como jamais nomear canais de televisão substituindo por substantivos genéricos, mas cuja referência é tão direta que soa estranho não vermos ali Globo, Recórd, etc... Essa, diga-se, é uma opção da autoria, visto que talvez compreendêssemos melhor se isto ficasse restrito à voz de Mario, entretanto o mesmo recurso é utilizado pela voz em terceira pessoa;

9 - Dito isto, temos então uma narrativa que com suas virtudes e pecados humaniza a figura do ator, da estrela, e reduz os efeitos da glória, ainda que ao fim ela seja alcançada de maneira tortuosa, ou será, libertária e sob novos parâmetros;

10 - Enfim, com vozes críveis e convincentes, A Glória e Seu Cortejo de Horrores nos mergulha no universo das estrelas, todavia, aqui de forma humanizada pelos dilemas e infortúnios de um protagonista em busca de uma essência que para ele só pode ser encontrada depois de sua maior queda, uma essência que em si trata da busca pela verdade, mas esta verdade, no sentido de existência, de ser aquele que realmente é.



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