O Blog Listas Literárias leu O visconde de Bragelonne [O homem da máscara de ferro], de Alexandre Dumas publicado pelo Clássicos Zahar. Neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro ou os derradeiros acontecimentos na lendária jornada dos três mosqueteiros, confira:
1 - Lá vamos nós para mais uma de nossas avaliações de clássicos populares de nossa literatura, o que sempre convém lembrar do desafio de tratar coisas novas ou não ficar em tudo aquilo que você já sabe. Contudo, como nós mesmos servimos de exemplo, nem todo mundo leu ou conhece, como nem sempre os clássicos nos chegam a hora "certa", queremos dizer da leitura em si, porque a presença de Os três mosqueteiros na cultura popular é tamanho, que dificilmente não sabemos do que se trata. E se fizemos essa breve digressão é porque pensamos importante nesse caso. É provável que na juventude tenha lido algo das jornadas desses quatro amigos, contudo, as referências imediatas que chegam à memória vêm do cinema, inclusive com o filme O homem da máscara de ferro, e todas essas referências contrastam um bocado com o livro em questão;
2 - O livro é o encerramento da trilogia mosqueteira iniciada com Os três mosqueteiros e Vinte anos depois (detalhe interessante é que este terceiro livro é mais volumoso que os dois anteriores juntos), ou seja, estamos falando aqui do crepúsculo das vidas dos quatro amigos, Dartagnam, Athos, Porthos e Aramis. Ocorre que a trilogia de Dumas é vista como um homance histórico que percorre a história da França. No caso deste terceiro volume viajamos no tempo e vivemos as conspirações na corte de Luis XIV entre os anos de 1660 e 1673, em que com grande habilidade Dumas insere seus personagens ficcionais entre as personas históricas;
3 - O visconde de Bragelonne retrata a corte no momento de transição do rei, a passagem da juventude à vida adulta. A narrativa é pautada por essa transição e do mesmo modo influenciada pelo poder que emana deste jovem que tem nas mãos uma nação inteira para governar, como os desejos e quenturas juvenis a satisfazer. Uma figura complexa e contraditória que diretamente tem sua experiência entrecuzada com a dos famosos mosqueteiros e especialmente o visconde, Raoul Bragelonne, filho de Athos. Diga-se a verdade, que embora o visconde de nome ao livro e que suas venturas tenham certa relevância na trama, o romance está diretamente intrincado com os mosqueteiros, com Dartagnam a serviço de vossa majestade, que propriamente ao enamorado e desencantado visconde;
4 - É nisso que entra o plano dos que nunca foram, uma ideia - para ser mais exato uma conspiração - de Aramis, que pretendia alterar os rumos da França e elevá-lo, claro, ao posto de Papa. No romance a criação de um suposto irmão gêmeo do rei com o qual Aramis pretendia usurpar o trono com uma simples substituição. Será esse gêmeo conspirador que será depois trancafiado com a máscara de ferro. Para a troca de reis, uma festa gigantesca na propriedade do ministro Fouquet, um plano tão bem elaborado que ao leitor custa assimilar que vá por água abaixo por um mero e simples detalhe, pode-se dizer certa ingenuidade do próprio esperto Aramis, que, aliás, poderia ter resolvido o problema em muitos momentos enquanto percebia que Fouquet não aderira ao seu plano. Bastava um golpe de florete;
5 - E podemos dizer que o infortúnio de Aramis sela o ocaso dos mosqueteiros. O que ocorre após o mal-sucedido plano envolve a todos em desgraça e inicia o reinado forte de Luis XIV. E aí se opera algo no leitor que ainda tem na memória a grandiosidade dos mosqueteiros e a infabilidade de seu heroísmo. mesmo mantendo um olhar romântico, tendo na morte musa dos heróis e dos grandes feitos, remédio dos desconsolos, o terceiro volume nos trás mosqueteiros marcados não só pela passagem do tempo, mas banhados pelas cores do fim que se aproxima. Por isso o romance pode ser pensado como o ocaso dos grandes heróis e porque como clássicos não têm spoiler, não nos negamos dizer que esta obra é justamente aquela que traz o fim aos lendários homens cujo lema sempre lembramos, "um por todos, todos por um";
6 - Contudo, faz muito sentido a morte dos mosqueteiros. Alexandre Dumas entrega-nos um ciclo, do nascimento à morte destes heróis, mas que para além disso, também expressa a transição daqueles tempos e de seu próprio tempo. Ocorre que a morte dos heróis é a morte também de uma visão de mundo e isso fica muito presente em todo o romance. Os mosqueteiros já envelhecidos olham para duas Franças e duas Franças diametralmente opostas porque justamente os homens mudaram muito. Aquele romanstimo cavalheiresco dos duelos, dos valores, os heróis dispostos a aventuras está sendo substituído por um novo mundo mais pragmático e mais moderno, talvez;
7 - Nesse sentido, o ocaso dos três mosqueteiros expressa o fim de uma era, algo que evidencia-se em vários planos, inclusive na relação final de Dartagnam e Luis XIV. Pensar a mudança do tempo, parece-nos um dos objetivos do romance, até porque, em suas sutilezas, mostra-nos justamente como cada um dos quatro amigos lida com a passagem do tempo e mesmo que carreguem grandes diferenças, aos poucos, cada um deles compreende que o tempo dos três mosqueteiros passou;
8 - Aliás, falando em sutilezas, a leitura do romance nos é uma aula da linguagem de subterfúgios. O exercício mental de existência em uma corte marcada por intrigas e conspirações nos é também uma aula de linguagem, permeada de diálogos dos mais elaborados e que o sentido nunca é literal. Os interlocutores necessitam captar as maiores sutilezas e nuances da comunicação, de modo que esse é um dos elementos mais interessantes da narrativa. Além disso, é por meio de tais sutilezas que os próprios personagens vão sendo construídos em diferente camadas de tal modo que o leitor é convidado a todo instante ao exercício do pensar;
9 - Tudo isso faz do livro algo gostoso de se ler e mesmo sendo volumoso, deslizamos por suas frases e diálogos. Certamente quem tem um tempo maior disponível para a leitura o faz rapidamente, mesmo que vez ou outra retome a leitura aqui e ali para pescar os ardis que são elaborados. Trata-se, mesmo de um livro que nos leve à tristeza do fim, uma narrativa política quando precisa e de ação quando necessária. As coisas ocorrem nos diferentes campos do poder, seja pelas palavras carregadas de ambiguidades, seja na força dos canhões, como veremos principalmente no final do romance, no qual, aliás, Porthos e Aramis nos entregam muitas explosões e cadáveres;
10 - Enfim, O visconde de Bragelonne - O homem da máscara de ferro nos facsina nos mais diferentes aspectos, na imersão da complexidade de seus conhecidos e heróicos personagens, nos elementos históricos de sua narrativa [a edição além de textos de apresentação, traz muitas notas sobre a história e a própria trilogia], nas cenas de ação ou de intrigas de uma corte que marcou a história do mundo, enfim, é um mergulho instigante no tempo e nas almas humanas, bem como uma reflexão das mais interessante das transições deste velho mundo em que o romantismo dos grandes heróis vai mudando suas configurações. Um clássico cuja leitura ainda merece ser feita, sempre.

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