Entre sem medo ou 10 considerações sobre Seis passeios pelos bosques da ficção, de Umberto Eco

O Blog Listas Literárias leu Seis passeios pelos bosques da ficção, de Umberto Eco publicado pela Companhia das Letras; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:


1 - Conjunto de seis conferências de Umberto Eco realizadas por Eco em Harvard, o livro reúne textos sobre o olhar do pesquisador sobre a ficção e a literatura, tudo isso permeado tanto pela sua erudição - às vezes levada ao extremo - como pela sua capacidade poucas vezes vista de relacionar essa erudição à cultura popular trazida à baila em muitos momentos. Certamente uma obra que todos os interessados em literatura e pela ficção precisam conhecer;

2 - Obviamente, a abordagem de Eco não apenas nos traz diferentes exemplos retirados da ficção, bem como em muitos momentos retoma e relembra discussões teóricas acerca do fazer e do ler literatura, tanto das de origem de seus trabalhos, quanto a outros teóricos relevantes não como conceituação, mas tentativas de entendimento da literatura e do ficcional. O livro inicia com a conferência entrando no Bosque, que entre outras coisas ele diz que "Bosque é uma metáfora para o texto narrativo, não só para o texto dos contos de fadas, mas para qualquer texto narrativo". E trata-se realmente de uma bela metáfora, pois perceberemos na argumentação de Eco que nosso comportamento leitor assemelha-se às escolhas ao se adentrar a um bosque;

3 - No decorrer das conferências, perceberemos, a presença constante de dois conceitos importantes a Eco, os de leitor-modelo e autor-modelo, que permearão as observações e interpretações do autor no decorrer de sua escrita-fala. Perceberemos, aliás, no quão leitor é Eco, um leitor que às vezes temos a sensação de extrapolar os limites do leitor tamanha sua dedicação extrema à leitura de alguns trabalhos. Outro elemento que nos chama a atenção é o lado semioticista do autor, fã dos gráficos de da procura pelos mais distintos símbolos na narrativa;

4 - Cabe-se dizer que durante todo o livro temos o acompanhamento talvez da obra talvez escolhida por Eco sua predileta ou sua fixação, Sylvie, de Nerval. As virtudes da obra acompanham as reflexões de Eco durante o livro e ganham certo destaque no segundo capítulo "os bosques de Loisy", capítulo que abre com importantes observações "há duas maneiras de percorrer um bosque. A primeira é experimentar um ou vários caminhos (...) a segunda é andar para ver como é o bosque e descobrir por que algumas trilhas são acessíveis e outras não";

5 - Tanto o segundo quanto o terceiro capítulo, "Divagando pelo bosque", tratam de um tema dos mais importantes e caros à ficção - e para além dela: o tempo. Em ambos Umberto Eco aborda as estratégias de acelerar ou de esticar o tempo. Nesse terceiro capítulo amostra inequívoca da amplitude da erudição de Eco, do clássico ao popular, percorrendo dos romances de espionagem aos filmes pornográficos dando ideia do quão ampla é a capacidade de olhar do estudioso que como poucos, utiliza da cultura em sua forma mais ampla, para suas abordagens;

6 - No quarto capítulo - ou passeio - Eco nos fala dos bosques possíveis "a norma básica para se lidar com uma obra de ficção é a seguinte: o leitor precisa aceitar tacitamente um acordo ficcional, que Coleridge chamou de suspensão da descrença".  Nele Eco aborda os contratos que vão sendo feitos entre leitores e obras, de certo modo fala dos acordos que realizamos ao entrar no bosque. Na verdade, a argumentação de Eco nos leva a um ponto essencial acerca da função narrativa que nos acompanha desde o princípio "as pessoas contam histórias e têm contado histórias desde o início dos tempos. E sempre foi função suprema do mito: encontrar uma forma no tumulto da experiência humana";

7 - O quinto capítulo "O estranho caso da Rue Servandoni" parece-nos a exemplificação dos tantos contratos de leitura, de autoria, de crenças e descrenças estabelecidos no jogo da ficção ou no caso da metáfora, de nossa jornada pelo bosque das tantas ficções que adentramos. A bem da verdade é a participação de eco na discussão de lógicos e filósofos acerca dos problemas do status ontológicos das personagens de ficção;

8 - No último passeio pelo bosque, Eco trata dos "Protocolos ficcionais". No capítulo Eco adentra as discussões entre narrativa natural e artificial. Eco nos lembra que "qualquer tentativa de determinar as diferenças estruturais entre narrativa natural e artificial em geral pode ser anulada por uma série de contraexemplos";

9 - De modo simplificado, esta última entrada ao bosque fornece-nos uma olhar fascinante aos diferentes status dos personagens ficcionais e adentra de algum modo dos limites que muitas vezes se esgarçam. A partir disso Eco encaminha seu passeio pelo bosque tratando da relevância e das razões porque a ficção nos fascina "ela nos proporciona a oportunidade de utilizar infinitamente nossas faculdades para perceber o mundo e reconstruir o passado. A ficção tem a mesma função dos jogos. Brincando as crianças aprendem a viver, porque simulam situações que poderão se encontrar como adultos. E é por meio da ficção que nós, adultos, exercitamos nossa capacidade de estruturar a nossa experiência passada e futura" e diria eu com certa pretensão, também moldar e estruturar os múltiplos futuros viáveis em nosso devir;

10 - Enfim, Seis passeios pelos bosques da ficção é destas leituras importantes não apenas pelos interessados pelos estudos literários e narrativos, mas por todos nós, afinal, somos leitores em algum grau. Além disso, o livro presenta-nos com uma lucidez argumentativa importante as motivações e as argumentações que tratam dessa nossa companheira desde os primevos tempos: a narração.

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