10 Considerações sobre O gaúcho insofrível, de Roberto Bolaño ou sobre sobre olhar nos olhos da morte

O Blog Listas Literárias leu O gaúcho insofrível, de Roberto Bolaño publicado pela Companhia das Letras. Neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:


1 - Publicação póstuma do diaspórico Roberto Bolaño que nasceu no Chile, viveu a adolescência no México e viveu na Espanha o livro por si só está carregado por uma mitologia própria pelo fato de seus textos em um disquete (muitos terão que pesquisar o que é) vagarem em uma mochila à espera de ser entregue à editora como salvaguarda financeira diante o estado da doença que veio a lhe matar em 2003;

2 - O livro reúne cinco narrativas ficcionais e dois ensaios que versam sobre literatura. A obra abre-se com o conto "Jim", uma narrativa bem curta, mas capaz de dar o tom senão melancólico, certamente dotado de uma lucidez consciente das desgraças da existência. Jim um norte-americano triste como nunca visto que imerso no México e sua cultura olha para os fantasmas de uma forma capaz de espantar ao narrador do conto;

3 - O segundo conto é justamente o que nomeia a publicação, "O gaúcho insofrível". O conto pode ser visto como uma aula-magna de parte do pensamento latino-americano, obviamente da figura mítica do gaúcho, taura da ponta sul desse continente e suas estranhezas. O conto retrata o mergulho do homem urbano na mitologia mítica e nostálgica que constitui essa ideia de gaúcho, uma nostalgia mítica da qual o contexto social e histórico da Argentina joga seu protagonista, Héctor Pereda novamente e novamente a uma espécie de caudilhismo. Um conto cheio de camadas e marcado pela retrometamorfose;

4 - O terceiro conto trata-se de "O policial dos ratos". Esse aqui talvez candidato a integrar o hall com os mais seletos e impactantes contos da literatura mundial, seja pela potência visual que eclode da narrativa, seja pela melancolia consciente e lúcida com que Pepe, o policial rato passa a compreender não apenas de sua miserável existência como o modo e as coisas que a sua sociedade prefere atirar sob o tapete de modo a fugir do real e viver de um modo palatável sem a necessidade de confronto com o caos e a merda que é a existência;

5 - Aliás, sobre esse conto é preciso que destacar que é uma daquelas obras que realmente impactam o processo de leitura. Para usar um termo que virou certa modinha, "aluga um apartamento em nossa cabeça". Se por um lado o conto olha para a morte, por outro olha para sua contraparte que longe está de ser contraparte, mas sim parte de seu processo: a própria existência. Pepe, o Tira é um destes personagens irrequietos que parte em busca de um olhar o qual todos desviam;

6 -  Já em "A viagem de Álvaro Rousselot" embora um conto, temos aqui de certa forma diálogo com a ideia de ensaio com os dois textos que fecham a publicação, pois trata-se de um conto cujo olhar está centrado nas questões da própria literatura, da arte e da cultura ao narrar a trama de um escritor argentino que vai à França onde tenta encontrar um cineasta que supostamente lhe teria plagiado;

7 - Para fechar os contos "Dois contos católicos" na verdade trata-se de um conto que percorre dois pontos de vistas distintos que ao fim encontram-se de forma inesperada e contraditória partindo de uma série de questões que poderíamos dizer, polêmicas;

8 - O livro, como dissemos fecha com dois ensaios sobre literatura. O primeiro "Literatura + doença = doença" principia falando de literatura a partir da enfermidade. Aqui uma relação direta com seu contexto pessoal da doença e justamente por isso um ensaio duro, mas lúcido sobre a morte, especialmente a morte próxima, já que ela sempre nos é inescapável (pelo menos porquanto), o que significa dizer um olhar daqueles que estão já no corredor da morte - como o próprio bem sabia que o estava; E é aí que ele parte para dois distintos olhares por meio de poemas franceses;

9 - O último ensaio que fecha o livro curiosamente entitulado como "Os mitos de Cthulhu" Bolaño analisa mesmo o cenário atual da literatura - diga-se, da literatura latina. Seu olhar é duro para com seus pares, um olhar que talvez sua situação enferma lhe facilitasse a liberdade de apontar para feridas incômodas do setor editorial e da literatura. Obviamente não podemos relacionar sua crítica à sua doença, Bolaño sempre mostrou-se crítico e ácido em sua literatura;

10 - Enfim, O gaúcho insofrível é destas publicações que precisamos nos confrontar. Com excelentes contos e dois ensaios impactantes, o livro olha para dramas e temas mais intensos e latentes em nossa existência social. O livro é uma afirmação da importância desse autor (eu que há tempo quero ler 2666, por exemplo, sei que isso tem de dar sem falta) no cenário da literatura mundial.

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