10 Dicas [motivos] infalíveis para cancelar Guimarães Rosa

Fenômeno de nossos sombrios tempos em que o autoritarismo viceja à direita, esquerda e centro, quando o totalitarismo expressa-se por meio da ideia do cancelamento de tudo aquilo que me contrapõe ou que aborde aquilo que ache indigno de acordo com os meus preceitos, que trate daquilo que nos é incômodo e acima de tudo demonstre que a complexidade do mundo e das pessoas que o compõem não se resume a isso ou àquilo, o mais recente caso em debate é o cancelamento de Kafka. Mas o problema não é Kafka, é a sociedade. Cancelar parece um ato de menor tamanho, mas não o é, o princípio da coisa é muito perigoso. Mas é sedutor, afinal, é muito fácil encontrar razões para cancelar, independente da ideologia de canceladores e cancelados. Para demonstrar isso, compartilhamos esse post com dicas, para você, cancelador profissional, cancelar Guimarães Rosa, até então um dos grande nomes da literatura. Confira:


1 - CENSOR A: De jeito algum, não devemos ler Guimarães Rosa devido às suas relações políticas com partidos de direita e suas ideias conservadoras nesse campo; Não devemos ler nada vindo da direita;

2 - CENSOR B: Um cara cujo principal livro reproduz os tantos nomes do coisa ruim, que, aliás, fala dos pactos com o coisa ruim, só pode estar a serviço do Demo. Cremos em Deus pais, isso é coisa de esquerdista, tratar do Capeta. Não leia esse livro, não devemos glorificar o demônio, não;

3 - CENSOR C: É indispensável a retirada de Grande Sertão: Veredas das leituras escolares. Isso é uma conspiração LGBTQIA+. Ora só só um jagunço duvidoso de sua macheza? Isso é coisa dessa comunidade globalista. Ora, amor homoafetivo, vê se pode? Isso é lacração, indecência, jovens estudantes não podem ler esse troço, não. Esse livro não faz bem `a família brasileira de bem; 

4 - CENSOR D: Precisamos queimar exemplares e exemplares de Grande Sertão: Veredas. O que o autor faz com Diadorim é a submissão da mulher ao patriarcado, fruto do machismo autoral de Rosa. Quem disse que a mulher precisa de travestir-se de homem para viver em sociedade? Pior que isso, ela se torna homem, jagunço, expressão da vileza masculina desse país;

5 - CENSOR E: Deixemos Guimarães Rosa e seu Sertão de lado. Não passa de expressão do poder burguês e defensor da lógica naturalista do capitalismo neoliberal. Veja bem, Riobaldo no fundo expressa a ascensão por meio da violência sendo mais um desses coronéis oligarcas construindo sua fama à bala;

6 - CENSOR F: Deixei de ler Guimarães Rosa. Sua heternonormatividade cis e os seus privilégios de homem branco nessa sociedade tão injusta que é a nossa, uma cara desses tem de ser esquecido;

7 - CENSOR G: O cara era um diplomata todo mauricinho que só vivia atrás da sua gravata e vem falar do sertão? Não, não mesmo. Não podemos dar palco para quem se apropria da cultura dos outros. Ele não está aí nesse lugar, não? Que entende ele de Sertão? 

8 - CENSOR H: Você já leu os livros dele? Esse Grande Sertão: Veredas, mesmo? Tem sexo no livro, sério. Fora aquelas outra coisas lá que nem quero falar! O livro está cheio de sugestões de sacanagem, até um tal de ménage à trois tem lá. Olha, esse tipo de leitura não edifica a família de bem, não. O cidadão de bem não pode ler essas coisas cheias de sacanagem. E olha eu tem livro desses até nas bibliotecas da escolas. Temos que tirar de lá;

9 - CENSOR I : Riobaldo é um marginal. Dava tiro na polícia, nas forças de segurança. Isso é coisa de bandido. Grande Sertão só faz sucesso por causa dessa romantização que a esquerda faz da bandidagem. Olha aí, eles não adoram Lampião? Esse é um tipo de leitura que deve ser varrida, incentivo aos muleques tomar o caminho errado, saindo por aí atirando na guarda. Não mesmo!

10 - CENSOR J: Vagabundo. Vagabundo. Funcionário público tem tempo para escrever mesmo, não faz nada. Queria ver ele prestar contas aos meus avós, contribuintes para seus luxos e devaneios de impostos. Se isso aqui fosse um país sério, seriam pagos royalties da venda de cada livro desse rapaz para retornar aos sérios e justos pagadores de impostos; nós pagadores de impostos sustentamos esses parasitas literários. Temos que mudar isso daí...        

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