10 Considerações sobre A oitava missão, de Jhonatan Tellis, ou a ideia é boa, mas...

O Blog Listas Literárias leu A oitava missão, de Jhonatan Tellis publicado pela editora Opera. Neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:


1 - Com a ideia de abordar o histórico e mítico campo das Missões e dos Jesuítas e seus contatos com os povos originários no sul que estabeleceram novas formas de organização urbana e de colonização no sul do país, Jhonatan Tellis em A oitava missão parte de uma boa ideia, mas...

2 - Entretanto, antes de adentrarmos a cada mas que acabaram atrapalhando nosso processo de leitura, falemos um pouco sobre o livro. A obra é construída na estrutura de um diário. Estes seriam os registros de Pe. Hadrian, suposto gestor de uma oitava missão (são conhecidas sete missões) que passa então a narrar por meio de seu diário estranhos acontecimentos que levam ao declínio do lugar;

3 - E aqui está a boa ideia do autor, que tem em suas mãos um ambiente propício às narrativas fantásticas e ainda que a abordagem da lenda seja um tanto superficial como mesmo a rotina e os modos de interação na missão que não trazem a complexidade histórica do processo da sujeição de um povo à ideologia do colonizador, temos uma estrutura plausível de enredo que seria capaz de penetrar nas bordas do insabido. Contudo, a despeito da premissa em potencial, alguns problemas acabam interferindo no processo de leitura;

4 - Comecemos já pela apresentação da obra, num prólogo cuja narração não está bem definida e que pode ser confundida com a posição do autor. Tal prólogo serve como explicação aos supostos textos deixados por Pe. Hadrian, O prólogo para tornar ainda mais próximo do autor, encerra afirmando-se narrativa em primeira pessoa. Obviamente, não há problema quanto tampouco o autor assumir a autoria de um prólogo ou a existência de um narrador em primeira ou terceira pessoa, o problema aqui está na compreensão de quem seja o narrador desse prólogo tem tanto das missões quanto do processo colonizador aplicado pelos jesuítas;

5 - No texto lemos "infelizmente havia também aqueles que não aceitaram serem [sublinhamos aqui a construção verbal que será tema de um "mas"] cristianizados e no final acabaram sendo mortos e escravizados como os charruas". Isso impacta qualquer leitura mais crítica do período, haja visto que o texto entristece-se pelo fato de alguns lutarem pela própria liberdade. Para um leitor como meu caso, tal posição assumida pelo narrador do prólogo é extremamente problemática;

6 - A presentação gera uma questão crítica, contudo, há outros "mas" que então vão prejudicando a ideia boa que tem em princípio o autor. Um "mas" trata-se da anacronia da narração. A escolha pelo formato de diário tendo Hadrian como narrador prejudica o texto pois que tanto o método de entrada em cada diário, bem como a própria linguagem extremamente contemporânea impacta no pacto ficcional entre obra e leitor;

7 - Entretanto nenhum "mas" é mais grave à obra que "o problema da revisão". Falamos do problema da revisão pelo fato de que se há alguém que assina tal procedimento espera-se que haja sido feita uma boa revisão do texto. Não é o caso. E pior que isso é que os problemas textuais e linguísticos mostram-se gravíssimos no decorrer do texto. Que o texto bruto venha da autoria com tais questões, embora não aconselhável, é bastante comum; é nessa etapa que a revisão tem a responsabilidade de aprimorar o texto. O que não ocorre com a obra de Tellis;

8 - Há uma série muito, mas muito grande de problemas linguísticos no texto do livro. E não falamos aqui de deslizes ortográficos ou desvios ocasionais. A narrativa apresenta graves problemas quanto à concordância verbal nas mais diferentes construções sintáticas, mas especialmente com as locuções verbais ou em alguns casos do uso de verbos impessoais. Parece-nos que toda a narrativa foi tomada pelo fenômeno chamado de hipercorreção, o que torna o material interessante perspectiva enquanto análise sociolinguística;

9 - E os verbos constituem-se o grande calcanhar de aquiles do texto. Por isso reforçamos o papel não realizado eficientemente pela revisão, justamente porque alguns problemas são um tanto grosseiros de modo que não se pode dizer que foi revisado por algum conhecedor das questões linguísticas e gramaticais. Falamos especialmente da reiterada acentuação feita em verbos que em tese estariam no pretérito-mais-que-perfeito. A acentuação dos verbos nesses casos não apenas altera o tempo verbal como cria frases incoerentes. Essa é uma questão que jamais poderiam ter passado em brancas nuvens pela revisão [reforçamos nossa crítica à revisão porque a ficha de leitura aponta que o livro foi revisado];

10 - Enfim, A oitava missão tem seus méritos. Tem uma narrativa que pode ser interessante, contudo, é preciso que o leitor considere esses "mas" que destacamos, pois há neles grande potencial de prejudicar as possibilidades da obra. É preciso abstrair tais problemas, para adentrar à narrativa, que por si só, tem seus problemas como a questão do olhar dedicado ao processo autoritário que constituiu-se as Missões.

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