10 Considerações sobre Jesus Kid, de Lourenço Mutarelli ou a balada de um pistoleiro dentro da balada de um pistoleiro dentro da balada de um pistoleiro dentro da balada...

E não é que temos mais um do Bruxo da Vila Mariana para lista? Desta vez o Blog Listas Literárias leu Jesus Kid, de Lourenço Mutarelli publicado pela Companhia das Letras ou sobre os livros dentro dos livros. Neste post confira as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro:


1 - Publicado originalmente em 2004 pela devir e relançado em 2021 pela Companhia das Letras, na cronologia mutarelliana Jesus Kid é sua terceira publicação na literatura e como não deixa de ser em suas narrativas para lá de únicas, esse é um livro bem absurdo - aliás temos referências internas ao absurdo - cujo enredo é uma tessitura tresloucada no estilo matrioska que encontramos em suas obras, com histórias dentro das histórias dentro das histórias...

2 - O livro é desses que começa quando termina ou termina quando começa ainda que termina no meio quando tudo começa. Na obra temos um escritor, Eugênio, que sob o pseudônimo de Paul Gentleman escreve westerns populares cujo personagem é Jesus Kid. Numa fase não muito boa, como se tentado pelo diabo, o autor recebe a proposta de escrever o roteiro de um filme, porém, em troca das trinta moedas, digo dos Trinta Mil Reais terá de passar três meses trancafiado em um hotel... tal hotel arquitetura de inferno em que o "real" e o "imaginário" não possuem fronteira, onde criador e criatura habitam mesmo e distintos universos...

3 - Sendo a terceira publicação literária de Mutarelli o livro traz consigo elementos que vão acompanha-lo na jornada da escrita. O cu, as relações homoeróticas têm seu espaço, assim como as nuances de loucura ou das ilusões com o detalhe um tanto instigante de que Eugênio muitas vezes não é percebido pelos outros habitantes do hotel; As questões metaliterárias e nuances autobiográficas, que no futuro serão retomadas em O grifo de Abdera (2015) estão, obviamente muito presentes no livro;

4 -  Aliás, é curioso o fato de que Eugênio em 2004 antecipa algo que o próprio Mutarelli enfrentará não sem algumas dores e sofrimentos no processo: a escrita sob encomenda. Como um dos convidados da Coleção Amores Expressos o autor sofreu com bloqueios criativos e com atrasos e originais jogados ao lixo, elementos que seus personagens - ou o próprio - vivencia neste insano Jesus Kid;

5 - E aqui podemos - sem nos aprofundarmos como pede a questão e que o faremos em outra oportunidade e espaço - falar da questão do absurdo. Jesus Kid é um tanto quanto absurdo e não fosse escrito por Lourenço Mutarelli talvez sequer fosse publicado algum dia. Isso porque, como falamos, as narrativas entro da narrativas estabelecem um jogo de espelhos de classificação um tanto quanto desafiadora. Não é autobiografia, mas precisamos, como sempre quando se trata de Mutarelli dar aquela conferida se "isso existe ou não"; Não é western, mas tem um caubói, parece jornada psicológica, mas a bem da verdade, tudo parece habitar espaço algum, habita um éter, um entre-lugar com encontros dos mais improváveis, mais que isso, encontros inesperados, que ninguém usaria a por numa literatura "tomada a sério"... entretanto, relevantes na ótica do absurdo...

6 - E um dos elementos presentes numa estética ou ao menos consideração do absurdo é a falta de sentido que se observa na vida, e isso, sabemos, é a simbologia máxima dos protagonistas do Bruxo da Vila Mariana. Eugênio carrega esse olhar e toda a narrativa então percorre os elementos mutarellianos como o abjeto, a falta de luz, os espaços trancados, as relações ora mais ora menos diretas com o inferno. Tudo isso aponta para o absurdo, assim como a solução em Ionesco, famoso pelo teatro do absurdo, porque  que vemos desfilar, não deixar de ser um palco dos absurdos...

7 - Dito isso, habitando múltiplas camadas com personagens que interpenetram-se com seus ares farsescos e absurdos apenas o espaço do hotel parece então servir de entre-lugar desses encontros absurdos e que a seu modo servem à literatura, essa teia de pontos que precisam se entrelaçar de modo que pinups encontram caubóis que encontram enfermeiras voluptuosas e voyeures  que se mostram a bonecos de ceras vivos enquanto camareiros apaches ameaçam escritores sem talento numa convenção de fãs de Star Trek ou mais ou menos isso. Ao ser chamado a escrever algo com ação, sexo e tudo mais, Eugênio, Paul Gentleman ou Lourenço Mutarelli, vá saber, então encontra-se com teatrólogo e opta por dizer eis o que terás, é tudo absurdo...

8 - Com isso queremos dizer é que embora faça sentido a trama busca pelo não sentido, nada faz sentido, criaturas e criadores desfronteirizam suas existências num jogo metaliterário, mas não apenas isso. No fim, o que Mutarelli parece sempre querer dizer é da falta de sentido das coisas, e de certo modo o faz bem no livro, ainda que, por trás de tudo, o sentido lá está - ou não... o que sabemos é que no primeiro fiar ao último do tecido da narração, tudo se dá pela vertigem verborrágica da prosa e dos diálogos pueris e, como já o dissemos, absurdo...

9 - Mas há algo nesse livro que o difere dos que o precedem de Mutarelli e ouso dizer nos que o sucedem - pelo menos dos que li até agora... Jesus Kid é engraçado. O riso aqui não é penalizado como no riso de outras narrativas suas. E não que não tenhamos símbolos que se repitam, como o onanismo, o cu, as relações homoeróticas que desandam a vida de seus personagens, aqui o riso é solar, diferente do riso grotesco e sombrio que vemos em alguns de seus trabalhos... Paul Gentleman escreve para o povo, Mutarelli nesse romance também é popular e apesar de trágico, é solar, apesar de abjeto, claustrofóbico e com as tantas perversões que se repetem em sua obra, ainda assim, solar... e isso talvez reforce sua natureza absurda;

10 - Enfim, Jesus Kid é destes labirintos que o Bruxo da Vila Mariana nos entrega. Romance metaliterário ou autobiografia, jogo de espelhos ou fingimentos... quem sabe tudo isso, certamente essa matrioska repleta de camadas com mundos dentro de outros mundos que reverbera outro signo importante ao autor, o do duplo, que aqui representa-se nas fronteiras não muito nítidas entre Eugênio, Gentleman, Jesus Kid e Mutarelli... uma narrativa com tudo que você não espera, ou espera, sei lá... divertido mas não menos inteligente, é mais um dos enigmáticos e semióticos trabalhos literários de Lourenço Mutarelli.

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