10 Considerações sobre Gritos da guerra, de Gustavo Gumiero ou sobre escritas ânsia do tempo...

O Blog Listas Literárias leu Gritos da guerra - O conflito Rússia-Ucrânia na voz das mulheres que sofrem, de Gustavo Gumiero publicado pela editora Referência; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:


1 - Há os que escrevem no maturar do tempo, o tema que desejam abordar. E há os que escrevem na emergência dos fatos, no desenrolar dos acontecimentos, no calor nem sempre aconselhável da proximidade com o objeto que se pretende abordar. Este segundo caminho é a rota construída por Gumiero, a escrita na emergência dos fatos e em meio a eles, o que, claro, enche de riscos uma obra;

2 - Dito isso, Gritos da guerra é publicação de não-ficção escrita ainda e enquanto se desenrola a guerra entre Rússia e Ucrânia no Leste Europeu. A publicação, ocorre segundo o autor, impulsionada porque "estava na Rússia, quando a guerra começou. Foi uma das personagens desta obra que me motivou a buscar relatos de pessoas que estavam vivendo esse momento";

3 - Nesse sentido, o livro então se propõe enquanto "relatos de força, resiliência e coragem que colocam as mulheres em um outro patamar. São histórias que comovem por ver mulheres assumindo papeis que antes eram exclusivos de homens. Mulheres que deixaram as mais variadas profissões para se tornarem soldados";

4 - Não adentrarei às tantas problemáticas  da citação anterior, como a negação da mulher ao passo que ao sê-lo é posta na condição de homem, soldado, pois demandaria um espaço e argumentação mais amplos que um mero post, todavia, ressalto que a despeito da proposta, talvez, aos relatos empíricos e realidades empíricas das entrevistas, há certa distância entre o que se diz na referida passagem e ao que encontramos no decorrer do livro de Gumiero;

5 - Aliás, talvez pela característica marcada pela necessidade de "aproveitar o momento" e escrever em cima dos fatos, o livro, como seu volume em páginas já indica-nos, é marcado pela síntese e pelo resumo de situações de um problema bem mais complexo, como muitas vezes o próprio autor desenha; o que se pretende dizer aqui é que a despeito de suas intenções, de certo modo e grau, a obra é pautada por um superficialidade que contradiz as propostas da escrita do livro;

6 - A começar pelas intenções da obra reforçada no subtítulo da publicação. Não que as entrevistadas não sintam aqui e acolá os efeitos da guerra, pois os sentem. Mas os sentem de uma distância incapaz de levar ao leitor a grande dramaticidade do teatro de guerra como parece insinuar o autor. São vidas trespassadas pela guerra em grande parte por um atravessamento burocrático ou outro, por algum incômodo a lhe barrar esse ou aquele projeto, mas nem de perto tem sucesso o autor em "ouvir" vozes realmente marcadas pelo sofrimento da guerra de um modo mais direto;

7 - Além disso, boa parte das suas entrevistas longe de dar voz à ucranianas, dá voz a bielorrussas cujos efeitos da guerra e pelo fato do lado de quem está seu país na guerra passam mais por problemas diplomáticos que efetivamente efeitos da guerra. Isso tudo tira a dramaticidade desenhada nas diferentes apresentações e propostas da obra;

8 - Além disso, ressalta-se que em sua análise contextual, elemento da 2ª parte do livro na qual resumidamente e de forma bastante superficial Gumiero procura abordar da formação da identidade russa à ascensão do nome da guerra, Putin. A abordagem resumida, disfarçada de alguma dose de imparcialidade, parece muitas vezes manter certa admiração por Putin; Aliás, precisa-se dizer que há, no mínimo, a ausência de problematização das abordagens feitas pelo autor na obra, sem falar no uso de bibliografia, no mínimo questionável;

9 - Quanto ao que seria dado como um dos diferenciais da publicação, os depoimentos de mulheres marcadas pela guerra, além de uma amostra muito diminuta, os mesmos nem mesmo destacam-se na obra, ocupando menos de 20 páginas de toda a obra. Isso é um problema, já que, se propõe o autor a dar voz a essas mulheres - seria uma espécie de síndrome do príncipe encantado? -, no entanto, tais depoimentos apenas servem como pretexto para sua resumida história da Rússia trazida na segunda parte da obra;

10 - Enfim, há certo êxito na publicação em trazer alguns dos impactos do conflito, mesmo que a certa distância. Se por um lado temos esse distanciamento, por outro, olhando o "copo meio cheio", a obra reforça que os estilhaços de uma guerra alcançam muitas pessoas e de maneiras distintas, independentemente do lado da guerra em que estejam suas nacionalidades. Mas dizer isso talvez não seja muita coisa, pois que tal conflito e suas influências tocam a todos nós, mesmo brasileiros tão longe das bombas e tanques. Mas isso é outra conversa. No fim temos um livro cheio de intenções, nem todas elas realizadas.

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