10 Considerações sobre Invisíveis olhos violeta, de Rosângela Vieira Rocha ou precisamos falar sobre o etarismo

O blog Listas Literárias leu Invisíveis olhos violeta, de Rosângela Vieira Rocha publicado pela editora Ventania; no post de hoje as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:


1 - Antes de mais nada, é preciso destacar que Invisíveis olhos violeta propõe um lúcido e crítico debate sobre etarismo e isso a partir de um ótica feminista que desvela a persistência dos dilemas e das condições estruturais de uma sociedade machista que persiste em massacrar a experiência e existência feminina, não perdendo a crueldade, e se tornando ainda mais voraz no avançar da idade não possibilitando às mulheres um tempo de descanso sequer, já que, a partir da perspectiva feminista do livro, e etarismo machista é visto em sua forma visceral;

2 -  Para isso, a autora nos apresenta a uma protagonista forte e de uma olhar nada cínico para com o mundo. Pelo contrário, há certa lucidez melancólica em Cibele e no seu olhar por vezes pragmático, por vezes desiludido com as estruturas sociais que fazem a experiência e existência feminina uma constante luta de provações diárias por quais passam, experiências essas que chegam ao alvorecer de cada alma feminina no mundo;

3 - Todavia, obviamente, o foco da narrativa está concentrado da experiência feminina na maturidade e com toda a carga de cobranças sociais advindas de um longo, talvez doloroso processo. Talvez por isso o olhar um tanto sóbrio para com os acontecimentos. Há leveza na insinuações revolucionárias do debate proposto, leveza num sentido um tanto difícil de explicar com as palavras, não no sentido de algo leve, se peso, superficial, uma leveza - ou quem sabe maturidade - de encarar a questão sem a espetacularização da problemática, talvez por isso, a conquista de maior reflexão, pois menos que resignação com a condição sofrida, Cibele enfrenta esse mundo com certa frieza expondo as opressões sofridas socialmente, no passado e em seu presente;

4 - Contudo, ao olhar para sua experiência feminina, Cibele torna-se todas. Por meio de sua protagonista, a autora desnuda a existência cotidiana da experiência feminina. A opressão não somente nos grandes discursos, perpetradas por espécies vilanescas de antagonistas, o que possivelmente seja muito redutor e mascare a profundidade do problema. No caso desse romance a experiência feminina oprimida pelas coisas comuns, pelas tarefas diárias de uma sociedade que cobra da mulher ao mesmo tempo que abandona-a repetidamente;

5 -  Nesse sentido, a despeito das poucas páginas, trata-se de narrativa imersiva que cobra muito de seu leitor. O adentrar ao universo de Cibele é longo enquanto acompanhamos suas tentativas de relacionamentos na velhice ao mesmo tempo que em tom memorialístico traz toda sua jornada. Entretanto, sem tentativas superficiais de explicar muita coisa ou oferecer respostas placebas, o livro, na verdade, atira aos leitoras muitas perguntas e uma boa dose de indignações;

6 - Além disso, há ainda o caráter de denúncia das tantas tentativas de assassinato da experiência feminina perpetradas pelas opressões sociais. Nesse caso o foco no apagamento ou no impedimento que se tenta imprecar à experiência feminina na maturidade e nas questões do amor. A autora denuncia por meio de sua literatura mais uma das táticas patriarcais de negativas à experiência feminina nos apagamentos que se tentam fazer ao amor da mulher na terceira idade. Aos observadores da sociedade não é nenhuma surpresa ao tema, afinal, nesse apagamento quase que se cria "uma verdade" de que à mulher idosa o amor está proibido, enquanto velhões babões, os tantos "cabeças-brancas" das canções machistas e misóginas que se veem por aí, na velhice tratam as relações pelo aspecto da virilidade, mesmo quando fingida, e nos tantos e tantos exemplos de homens a substituir suas esposas com notada relação etária em seus "amores";

7 - Aliás, com uma delicadeza viril, Vieira Rocha desnuda esses paspalhos, sim, nós todos, homens, paspalhos, refratários a um patriarcado que constitui a estrutura de poder desse país. Nesse aspecto, o olhar de Cibele para as atitudes masculinas é de uma sabedoria e uma postura brilhante. É quase que professoral o tom com que faz suas observações acerca dos comportamentos masculinos, seja dos possíveis relacionamentos, dos antigos ou dos familiares como o com seu filho;

8 - E aqui temos talvez uma das grandes virtudes do livro. Rosângela Vieira Rocha sabe que o buraco é muito mais complexo, e não se atira a soluções fáceis ou simplistas. E o melhor exemplo é as pulgas que lança ao ar através da relação de Cibele e seu filho, principalmente os caminhos que este toma, bem como quando lucidamente e ainda que como lembrança coloca a necessidade de uma discussão mais ampla acerca das origens e persistência do problema;

9 - Vejamos, portanto, que sim, temos no livro uma proposta relevante e clara de se colocar o etarismo em discussão, especialmente o etarismo feminino. Isso se torna muito importante numa sociedade em que a expectativa de vida cresceu, mas que às mulheres, seguem-se impondo cobranças e opressões sociais que talvez se tornem ainda mais violentas quando colocadas a idade em soma. Mas também temos uma obra que para além do etarismo, trata da experiência feminina, o que faz do livro, importante mecanismo de reflexão;

10 - Enfim, embora nos cobre uma atenção redobrada e ritmo de leitura pela robustez e complexidade com que a autora constrói seu romance, Invisíveis olhos violetas é uma importante leitura a ser inclusa nos debates sobre como a vida deve ser experimentada a pleno independentemente da faixa etária, isso para homens e mulheres, o que para elas é a continuidade da luta pela liberdade da experiência feminina, ou seja, temos muito no que avançar enquanto civilização.

:: + no Submarino ::

 


 

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem