10 Considerações sobre Clube da Luta, de Chuck Palahniuk ou sobre não ir a restaurantes

 O Blog Listas Literárias leu Clube da Luta, de Chuck Palahniuk publicado pela editora Leya (2012); neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:


1 - Escrito em 1997 Clube da Luta fala de seu tempo, mas antecipa em muito o nosso presente recente e a ascensão do homem mediano e desconfortável com a cultura, suscetível às mais tresloucadas teorias, revoltado com a elite, mas sem saber ao certo o que realmente fazer e por isso caminhando entre o reacionarismo e a revolução acaba tratando de tudo aquilo que desestabiliza as sociedades em princípios de século XXI; justamente por isso e destas leituras necessárias, mas que também não deixam de deixar suas marcas nos leitores, e as marcas nesse sentido soam como as porradas trocadas entre os membros do clube;

2 - Mas, de antemão é preciso destacar o desafio de se escrever sobre esta leitura; primeiro pelo posfácio de Palahniuk que ao redarguir algumas leituras acerca do livro pode induzir ou retrair possíveis caminhos para resenha; outra é pelo próprio sucesso do filme que acabou ganhando muita atenção, além do fato de que há, no caso do livro, o desafio de evitar os spoilers - o que para quem já olhou o filme, está feito;

3 - Dito isso, partimos para nossa leitura da obra. Uma obra carregada de paradoxos, carregada de tentação a despeito do cenário, das ideologias e das ideias que reverberam a partir da ação de suas personagens; no romance nos deparamos com um narrador não-nomeado (inicialmente) que ao aproximar-se do misterioso Tyler Durden atira-se a uma jornada niilista numa espécie de cisão entre mundo real, esse mundo real, o do Clube da Luta, dos garçons, dos motoristas, policiais, de toda uma classe média masculina, frustrada e de baixa intelectualidade e o mundo construído, imaginário, a América teatral dos escritórios, dos lofts decorados e mobiliário padrão Ikea, a América dos engravatados, formados pela ambição do sonho americano, mas no fundo, no fundo, não muito distantes dos "macacos espaciais";

4 - É o narrador, portanto, uma identidade em crise; alguém que percebe-se mera engrenagem de um sistema simulacral, mas nunca o sistema, ainda que o entenda e possa incomodá-lo; crise tão severa que atira este narrador a comportamentos que vão do abjeto ao no mínimo exótico em sua ânsia de sentir-se vivo; pois esse é o desejo do narrador, sentir-se vivo, assim, para isso, precisa visitar grupos de apoio a pacientes com câncer, para isso, ao lado de Tyler, vê surgir então o Clube da Luta com sua porradaria e suas regras, mas acima de tudo, com sua irmandade;

5 - No posfácio citado Palahniuk cita com certo desdém estudos feitos sobre o livro a partir de Freud, das aproximações com a crise da masculinidade, das metáforas homoafetivas; Palahniuk ignora que desde o texto canônico de Barthes, o império do autor é bem mais restrito, o que aliás, só ajuda em aumentar a mitologia a cerca de uma determinada obra; não são inviáveis tais possibilidades de interpretação, afinal, a crise masculina é presente em suas personagens; o sentido de frustração e de alienação desses homens é nítido e ecos dessa crise, como dissemos, repercutem e reverberam, cremos, com mais força, agora; do mesmo modo não se pode negar que Freud tem muito "a dizer" deste livro, como a pegada homoafetiva vez por outra pode sentir-se mais saliente na narrativa; não são propostas inviabilizadas, mas talvez não sejam de fato as preponderantes;

6 - A nós, parece-nos, o incômodo maior é justamente com a liquidez e complexidade desse novo mundo que surge; Clube da Luta ecoa todos os transtornos e paranoias nascidas com a pós-modernidade, com as sociedades do espetáculo, do consumo, com uma hiper-modernidade consumista e extremamente capitalista; esse homem fragilizado, fraturado, fragmentado carece da sustentação, carece das grandes narrativas, das ideologias; não à toa seus personagens falem tanto de certo recorte dos homens atuais; "nada é estático. Tudo está desmoronando" diz o narrador e aí está o incômodo que atira à anarquia a uma revolução transviada de reacionarismo; isso é engraçado e paradoxal pois o incômodo com o sistema, com as sociedades hipercapitalistas hoje pode dar voz, inclusive a um reacionarismo de extrema-direita, o que, aliás, é o que nasce no próprio romance;

7 - No fundo desconfiamos que a jornada do narrador de Clube da Luta seja reflexo desse incômodo e cuja ação ele adentra a reboque do encanto e da liderança obtida pelo misterioso Tyler. Paradoxalmente encontramos um sujeito alienado, isolado e apartado que para encontrar sua subjetividade e sua individualidade acaba tendo de participar de uma experiência de massa; e aí cremos que encontramos algo que está um pouco acima das demais interpretações; Clube da Luta pode não querer ou mesmo não ter tido qualquer intenção, mas ao cabo é um romance que trata dos movimentos de massa e o que o torna fascinante é que o faz de dentro, de uma perspectiva sedutora e envolvente em que aparentemente Tyler e o narrador adentram aos papéis messiânicos para salvação da mixórdia que se tornou o mundo; isso leva ao passo posterior ao Clube, à entrada na política, aos comitês de desorientação, aos macacos espaciais a um programa que no decorrer da obra torna-se cada vez mais político; Clube da Luta é também sobre cultura de massa, e entende como nunca o funcionamento da massificação de determinados estratos sociais;

8 - Tal compreensão é demonstrada no passo que Palahniuk entende em seu romance que a crise instaurada é uma crise afetiva; "tudo está desmoronando". Não há no que se segurar, as ideologias morreram, Deus não dá mais conta do recado e lá no alto as hostes da elite se regozijam enquanto o resto sonha um sonho que só pode ser sonhado, e diferentemente do ufanismo da canção do Raul Seixas, jamais poderá se tornar realidade; por isso, Clube da Luta, Tyler e o narrador da obra são fundamentais para compreender a radicalização do mal-estar com a cultura, para citar o texto canônico de Freud; Clube da Luta antecipa cenários desta última década em que a radicalização contra a cultura instaurou verdadeira guerra cultural em todo o globo e cuja cena mais derradeira talvez seja a invasão do Capitólio recentemente; violência, primitivismo e tais irmandades masculinas e brancas, espécies de macacos espaciais do Clube são as demonstrações da radicalização de um incômodo que Freud discutiu nos anos 30;

9 - Mas não queremos dizer aqui que pode-se afirmar para qual banda pende Palahniuk e seu anarquismo, entre uma revolução e um reacionarismo barato; bem verdade que seus macacos espaciais com as cabeças raspadas, que a radicalização crescente de Tyler e o flerte com o anarco-terrorismo são dados como o caminho; talvez, insinuados. Há de se considerar nessa balança a crise entre narrador e Tyler Durden e todo o desfecho final do romance em que o leitor deverá escolher se opta o narrador pela lucidez final ou pelo medo e pela fraqueza de não ser ou não ter a coragem de Tyler Durden?

10 - Enfim, Clube da Luta como dissemos é literatura indispensável, a despeito do que possa seu leitor com ela; certamente é destas leituras para recolhimento, uma porrada não na boca do estômago, mas na fuça; e uma porrada capaz de deixar um buraco no rosto tal qual no de seu narrador; depois de ler Clube da Luta muitas coisas permanecem conosco; algumas bem incômodas, entre elas a sensação de que vivemos tempos de alcance global da comissão de desorientação (isso sem falar no incentivo a abandonarmos restaurantes). Uma excelente leitura que nos deixa nas bambas cordas do reacionarismo e da revolução.

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