O Blog Listas Literárias leu Antônia, de Henrique German publicada por Páginas Editora; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro; confira:
1 - Tentativa de construção de conto de fadas numa roupagem mais aproximada ao romance, Antônia apresenta-nos uma narrativa cujo enredo e projeto de escrita bem sustentados equilibram-se nos contrastes de seu anacronismo que causa-nos estranhamento inicial, pois retrata espécie de histórias doutros tempos, cabendo ao leitor pensar no que pode ou não estar superado neste abordagem;
2 - Há, percebemos, a intencionalidade de mascarar ou enevoar o tempo em que se passa a narrativa. German entrega o tempo a partir das descrições e das narrações dos acontecimentos, dos modos e costumes que vão surgindo gradualmente na narrativa até que perceba o leitor sem sombra de dúvida alguma que é narrativa do passado;
3 - Na narrativa a protagonista a nomear a obra, Antônia. Serviçal numa fazendo sob a égide da tirania. A pequena e tudo que for diferente é tratado como animal pela matriarca e pelo filho, seu sucessor. Todo esse ambiente nos leva a uma espécie de atmosfera de Os miseráveis, tendo, inclusive, a sua própria versão do Quasímodo;
4 - Na fazenda o tratamento que Antônia recebe vai angustiando o leitor. Isso porque temos demonstrações das maldades que pode fazer um ser humano ao outro. Tais comportamentos dão, inclusive, certo sentido histórico à narrativa. São tempos dos chicotes, da escravidão dos corpos, da violência, algo que vemos também na própria literatura de sua época;
5 - A sensação de anacronismo, contudo, surge no leitor pela sensação de que o romance, embora bem montado e com todos os seus acertos, parece deslocado demasiadamente dos dramas e pautas de sua própria época; isso não deixa de ser também um paradoxo, já que tais comportamentos passados mostram-se muito persistentes; entretanto, soa estranha sua leitura...
6 - Mas não está no anacronismo o debate necessário a ser feito acerca da obra, mas sim sobre as reflexões que são exigidas quanto à simbologia que ao cabo, ela transmite ao leitor. Parece-nos que a ideai de contos de fadas é plausível, afinal, a menina que cresce no desfecho aparenta encontrar seu felizes para sempre; Contudo, há questões problemáticas, pensamos, quanto a tudo que ocorre com a personagem;
7 - No interior da narrativa temos a identidade e a existência de Antônia sonegada pelas demais personagens e pelas tiranias que exercem sobre a garota. Escrava pessoal de D. Ieda, a menina tema a infância tal qual um cachorro, não existe em momento algum. As coisas parecem mudar com o tempo e com os novos ventos, porém, até que ponto Antônia realmente passa de fato a existir?
8 - Ocorre que mesmo quando o autor supostamente começa a dar uma nova vida à Antônia, ela segue a não existir; Tudo que lhe ocorre em momento algum parte da constituição de Antônia de ao menos uma possibilidade. Há logicamente mudanças significativas, mas cujas implicações parecem transparecer um entendimento problemático das relações e implicações sociais presentes;
9 - Isso porque no fim, parece-nos que advoga a narrativa para a subserviência e a servilidade. Supostamente protagonista, Antônia está desprovida de qualquer protagonismo. Nos momentos de tirania, recebe os castigos com docilidade e incompreensão, mas pior que isto, as mudanças que lhe chegam se dão pela subserviência a uma madrinha; Antônia do princípio ao fim é tutelada; A dolorosa mensagem então que o romance deixa, comporte-se bem, resigne-se com a tirania, que no fim tudo dá certo. Me parece esta uma mensagem complicada;
10 - Enfim, Antônia é uma narrativa que em diferentes sentidos, está cheia de acertos, mas que, entretanto, a este leitor, ao menos, o debate sobre seu conteúdo conceitual mostrou-se um tanto problemático. Nem sempre finais felizes de fato o são. Encontrar uma suposta liberdade sem livrar-se das correntes da subserviência não faz disso vitória. Ou liberdade.