O Blog Listas Literárias leu Uma breve história das mentiras fascistas, de Federico Finchelstein, publicado pela editora Vestígio; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 - A leitura de Uma breve história das mentiras fascistas ao mesmo tempo que trata do passado, é também uma obra do presente, o que nos deixa aquela sensação de o Império contra-ataca, visto que a obra parte do avanço e do flerte contemporâneo com o fascismo e suas ideias, evidenciado por eleições de populistas como Trump e Bolsonaro, entre outros. É sem dúvida uma obra necessária para não apenas compreendermos o passado, mas também nos locomover por um presente de incertezas;
2 - E creio que a principal virtude da obra esteja em dedicar muita atenção às lógicas internas que não apenas levaram o fascismo à ascensão do fascismo no século XX, mas como este transformou o convívio político entre seres humanos em uma política da violência e da exclusão dos pensamentos dissonantes a sua ideologia. É nesse aspecto que a obra concentra-se em algo fundamental para o fascismo - sua relação [quem sabe dependência] com a mentira;
3 - De acordo com Finchelstein "uma das principais lições da história do fascismo é que mentiras racistas conduziram a uma violência extrema" que que segundo ele "hoje, as mentiras estão de volta ao poder", o que ele consegue demonstrar a partir do comportamento e dos discursos alheios a um real empírico, caso, mais uma vez, de mentirosos contumazes como Trump e Bolsonaro;
4 - De acordo com o autor a chegada dos fascistas ao poder e o resultado das milhões de mortes causadas no século XX se deu de modo que "eles fizeram isso espalhando mentiras ideológicas. O poder político fascista derivou significativamente da cooptação da verdade e da ampla propagação de mentiras". E não que o autor relacione a mentira exclusivamente ao fascismo, pelo contrário, ele faz questão de dizer o contrário, contudo afirma que "a mentira é uma característica do fascismo de um modo que não ocorre em outras tradições políticas";
5 - Finchelstein usa os exemplos de discursos de Trump, como contra os imigrantes, entre outras mentiras saídas diretamente da Casa Branca e de Bolsonaro em suas manifestações contra afrodescendentes para demonstrar como o fascismo "começa a agir por baixo, mas é legitimado a partir de cima". Essa, aliás, uma discussão muito presente no Brasil sobre o modo como o discurso governante tem potencializado e legitimado os discursos e as ações de ódio na base pois "estão legitimando um raciocínio fascista para alguns de seus seguidores";
6 - Tal conjuntura, para ele, pode indicar que estamos "testemunhando um novo capítulo na história do fascismo e do populismo, duas ideologias políticas diferentes que agora compartilham um objetivo: fomentar a xenofobia sem impedir a violência política". Nesse sentido, vale dizer que o autor problematiza e distingue o populismo do fascismo, mas o faz também construindo relações entre ambos e mostrando algumas situações limiares ou fronteiriças, usando, inclusive, usando Bolsonaro enquanto exemplo de que este "se situa na fronteira entre a ditadura fascista e a forma democrática de populismo", uma fronteira, para este leitor, cada vez mais coberta de névoas e perigos;
7 - Aliás, creio que no livro uma questão importante a ser considerada é o alerta que o autor faz de que "a ideia de denunciar a tais líderes como loucos tampouco é nova. Líderes populistas e fascistas têm, com frequência, sido chamados de malucos. Mas em vez de diagnosticar com exatidão a situação, essa visão reflete a confusão de uma oposição perante uma nova forma de política que transforma verdades em mentiras e mentiras em verdades - uma confusão que tem historicamente conduzido à inação diante do autoritarismo e suas intoleráveis consequências";
8 - A partir da íntima e dependente relação com a mentira, Finchelstein então trata das complexas relações da ideologia fascista com os mitos, com as lendas, com a natureza messiânica envolvida em todo o processo, bem como tudo isso leva à necessidade da infalibilidade de seu líder, e sendo esta uma possibilidade inumana (sim, somos todos falíveis, acredite você ou não), então a necessidade do fascismo à mentira, mentiras que no exercício do poder eles procuram dobrar a realidade numa tentativa de afirmar suas próprias mentiras;
9 - O autor, para além de suas argumentações traz ainda no decorrer da discussão a abordagem de importantes críticos do fascismo, de Adorno a Borges, passando pela desconstrução de Derrida, como as reflexões de Arendt. Isso soma-se na demonstração das fragilidades da ideologia fascista desconstruindo seu discurso de dentro para fora, deixando ainda mais explícito não apenas sua relação com a mentira, mas sua gênese do absurdo e do horror enquanto consequências para as sociedades humanas;
10 - Enfim, trata-se de uma obra indispensável para os dias de hoje. Bem verdade, que talvez o autor precise revisitá-la após a derrota eleitoral de Trump (mas não uma derrota plena, o trumpismo sai fortalecido por enquanto), já que isto aponta para algumas perguntas em aberto por Finchelstein. De modo geral é obra fundamental para compreender o fascismo enquanto ideologia e política transnacional (o integralismo recebe boa atenção do autor) e ajudar-nos a enfrentar o problema ao mesmo tempo que tentamos respondê-lo de melhor forma, o que para tal é fundamental atentar para sua lógica e estrutura funcional, nela o alicerce basilar que é a mentira;