10 Considerações sobre Enfim, capivaras, de Luisa Geisler ou sobre novas e velhas procuras

O Blog Listas Literárias leu Enfim, Capivaras, de Luisa Geisler publicado pela editora Seguinte; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Chega ser curiosa a celeuma criada pela censura do município de Nova Harts à obra de Luisa Geisler, pois numa análise para além dos toques de diversidade na narrativa, a bem da verdade Enfim, capivaras é um romance juvenil até que conservador, bastante apegado às principais características deste tipo de obra, uma narrativa sobre jovens burgueses atravessados por uma situação insólita, mas que ao cabo trata das incertezas e da formação juvenil, algo com prolífica discussão e narração ao longo dos tempos;

2 - Em síntese, a obra dialoga com clássicos como Diário de um adolescente ou Kids, entretanto de forma mais suave, sem drogas [pelo menos não as ilícitas], mas com uma boa dose de álcool e uma noite passada em meio a matas mineiras em que um grupo heterogêneo [pero no mucho] de jovens enquanto procura por uma suposta capivara pertencente a um deles, procuram na verdade encontrarem-se cada qual a si mesmo;

3 - Tal procura por suas próprias identidades fica mais nítida pela fragmentação das vozes que compõe a narrativa. Quatro dos cinco protagonistas alternam-se em suas vozes em primeira pessoa, cada um deles por alguma coisa a se resolver, ou com algum incômodo por refletir. Enquanto se juntam numa procura pelo suposto animal do quinto elemento do grupo, Binho, tido por mentiroso irrefutável, Vanessa, Leo, Zé Luis e Nick enfrentam seus dilemas pessoais, tudo isso no período de uma noite enquanto caminham por longas áreas isoladas entre fazendas e florestas;

4 - Curioso e provocativo talvez a ausência, aquele que não narra. Binho, o amigo a ser confrontado é o único a não ter voz própria na narrativa, como se fosse uma peça acessória ligando os quatro, de modo que, pensando bem, é possível que ele soe tão etéreo ou irreal quanto Capi, a capivara que enfim surge. Há nisso, quem sabe o levantar de diferentes hipóteses, ligadas ou não ao fato de Binho ser tido o mentiroso da turma. Mas, enfim, este é um detalhe interessante da narrativa que não está ali à toa;

5 - Entretanto, voltemos aos aspectos tradicionais na narrativa, bem como o que nos levam a caracterizá-lo enquanto romance juvenil burguês. Tradicional porque em suma o romance parte de um grupo bem nascido com jovens que procuram encontrar sentido em suas vidas. Nesse sentido a noite que passam juntos é como se fosse um desses divisores de água na vida adolescente. Burguês porque em suma são personagens dotados de certos privilégios, mesmo os pobres, caso de Zé Luis, protegido da família de Léo, universitário, filho da empregada doméstica. Ainda que vez ou outra surjam as diferenças sociais, parece-nos que não se aprofundam nas distâncias. Léo por sua vez, inclusive é provocado pelo grupo, é o jovem privilegiado, filho de fazendeiros e que nunca teve problemas na vida. Nick lida com sua assexualidade, mas vive também sua realidade de classe média, assim como Vanessa que a despeito de uma mãe freelancer, não estaria por certo nas camadas sociais mais oprimidas ou com dificuldades;

6 - Aliás, é curioso que todos eles estejam justamente envoltos com questões do ego. Nesse aspecto, a jornada por campos e florestas isoladas apenas ampliam certo isolamento destes jovens do mundo. Vivem no tempo da narrativa universos muito particulares, e não raro os problemas estão mais na ordem das coisas do coração e das identidades em formação. Há nisso tudo o exagero de certos perigos, pois que a aventura que parece surreal, no mundo real talvez não passasse de um passeio em parque particular. É mais ou menos o que fazem o grupo de amigos, que quase como em toda narrativa do gênero, reúnem-se, tomam um porre e tentam acertar os ponteiros de suas jovens vidas;

7 - Bem verdade que há o adentrar em certa discussão de identidades e sexualidades. Isso em parte por meio de Nick, uma jovem supostamente assexuada e de verve irônica e trejeitos punks. Do grupo é o principal esboço de diversidade, em meio aos agroboys e Vanessa, o restante do grupo até bastante tradicional e conservador, quem sabe condizente com o cenário. Nick é o lembrete da diversidade no mundo e do preço a se pagar pela diferença, ainda assim um tanto distante doutras personagens rebeldes na literatura;

8 - Por essas razões dificulta-nos encontrar razões pelas quais tenham tentado perseguir o livro. Falou-se mesmo acerca de palavrões, que na verdade são bastante moderados se comparados à vivência juvenil. Só quem não conviva com jovens [ou com gente] é que possa ver exagero nesse aspecto, até porque é preciso considerar que pela técnica a característica oral precisa ser preservada em nome da verossimilhança;

9 - E o curioso nesse sentido é que todos esses eventos também nos condicionam ou nos influenciam enquanto leitores. Toda a discussão sobre o assunto, o debate instalado acerca da censura muitas vezes pode nos levar a pensar que aí vem algo tão contestador que eles não suportaram. A perseguição a Enfim, capivaras então só demonstra o quanto eles regrediram cognitivamente, pois só mentes radicais não indicariam a leitura aos jovens, especialmente porque não há nada nele que os jovens desconheçam. Mais lamentável ainda é que a geração que hoje censura teve todas as ferramentas e possibilidades de se libertar da sanha autoritária, ainda assim, continuam a querer fazer tempestades desnecessárias;

10 - Enfim, Enfim, Capivaras persegue o caminho de tantos outros romances juvenis, sendo essencialmente uma narrativa de procura pela identidade, isso a partir do atravessamento de eventos pontuadores em que as personagens são chamadas à vivência e a reflexão. Uma reflexão que tradicionalmente tem vindo em grupos, com conversa, trago e palavrões, ou seja, nada de novo no fronte.



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