O Blog Listas Literárias leu Matando Políticos, de Helio Sampaio publicado pela editora Talentos; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 - Matando Políticos é um grito revoltoso de desespero nestes tempos de descrédito da classe política brasileira; daí nasce, por certo, as dificuldades e os desafios de uma leitura e interpretação crítica da obra em todas as suas complexidades e que levam o leitor a difíceis escolhas, por exemplo, a procura pelo equilíbrio na balança entre a justeza dos sentimentos que emanam na narrativa, a revolta, o desalento, a raiva, às perigosas insinuações e insinuações que podem fazer ruir a nobreza de uma causa. Com isso dizemos que trata-se de uma leitura aberta às polêmicas e provocadora de um debate que pode tender ao radicalismo, portanto, uma obra interessante para análise;
2 - Nesse sentido, dando conta antecipadamente da aura do trabalho de Sampaio, vale dizer que dispensa-se aqui abordagem da qualidade de seu texto e domínio com que o autor transcreve para o papel suas ideias, o que liberta-nos para adentrar com todos os pés ao que realmente importa numa leitura, os conceitos e propostas presentes numa narrativa. É a respeito das emanações do texto que nos dedicaremos em grande parte nesta avaliação, desde já dizendo aos leitores que trata-se de uma narrativa fragmentada que de certo modo usa da intimidade do autor com o gênero crônica [quase conto] para montagem estética de uma narrativa alquebrada por histórias que se atravessam, contudo, tendo ao fundo um elemento unificador. Tais escolhas terão efeitos no leitor;
3 - Na verdade, talvez precisemos falar aqui de algo que os teóricos da recepção vieram a chamar de "horizonte de expectativa do leitor", um horizonte construído por diferentes fatores, da biografia do autor, da fortuna crítica, e nesse caso, especialmente, tratamos dos elementos de paratexto, tais como sinopses, orelhas, a própria identidade visual da obra. Tudo isto aponta-nos numa direção, ao menos, numa direção compreendida por este leitor. Tem-se a expectativa de uma narrativa marcada por um personagem esmiuçado e transparente no sentido de visibilidade, bem como, talvez esperamos da obra alguma linearidade, uma teia capaz de ligar os pontos com menos opacidade do que encontramos na obra, que mesmo a classificação enquanto romance poderá ser discutida. Esse é um detalhe interessante do trabalho, entretanto, os ruídos entre paratextos e conteúdo da obra podem causar certo distanciamento entre leitor e obra;
4 - Não se trata aqui de dizer se tal escolha é certa ou errada. Trata-se de discutir a escolha, até por que, há certa recorrência na literatura brasileira em fragmentar as narrativas; isso desde o romantismo, que dirá então em nossa literatura contemporânea fortemente cortada pela gilete da fragmentação. É o que ocorre no trabalho de Sampaio, temos ao fundo a existência de um assassino serial de políticos, figura de escape de nossas raivas e revoltas contra a categoria. Todavia, diferentemente do que podemos pressupor tal figura não é alçada ao protagonismo ou antagonismo esperado, fator que leva a certo distanciamento do leitor;
5 - Ademais, se precisamos reforçar que em muitos trabalhos a exigência de um personagem mais reconhecível pelo leitor, sendo que este tenha acesso às informações que deseja a respeito do personagem, o mesmo vale quanto a expectativa linear dos acontecimentos, no caso aparentemente promovida pelos paratextos. Presume-se um enredo, uma tessitura, que até existe, contudo em menor grau do desejado tomando em consideração o horizonte de expectativa do leitor;
6 - Com tais reflexões pretendemos dizer é que num sentido positivo, num primeiro momento dá pra dizer que o trabalho cobra de nós mais de uma leitura, de modo que todas as significações e interpretações possam ser somadas. Leituras no plural não por qualquer ininteligibilidade ou abuso de uma linguagem rebuscada, mas sim na procura da completude dos significados pois que tendo talvez o espaço, no caso o Brasil, como personagem maior que o provável protagonista, é trabalho que levanta hipóteses nas diferentes acepções;
7 - Acepções estas que deverão superar - pelo menos se espera - a explosão de raiva promovida pelo simbolo da revolta que permeia cada página do trabalho. Na fragmentação já tratada aqui vemos saltar com todas as expressões máximas a representação de uma sociedade dirigida por políticos tiranos, a despeito de qualquer democracia aparente. Isso está claro no clima de indignação da narração, da angústia e na tentativa desesperada de libertação. Trata-se de um olhar extremo do presente, e quem sabe repouse aí todos os perigos que advém de uma leitura de mundo que passa a balizar tudo por uma mesma régua. Uma régua que a cabo acaba aproximando demasiadamente o tirano e o oprimido, pois que, no caso da narrativa, ambos parecem encontrar a solução apenas na violência;
8 - Nos olhos deste leitor, pelo menos, este talvez seja o principal pecado do trabalho: a ausência do questionamento sobre o que deve nos diferenciar daqueles que nos oprimem? Se a resposta não for clara flertamos perigosamente os os piores tipos de "ismos". Pois sim que pode soar sedutor a ideia de um assassino que venha nos livrar dos malditos políticos, entretanto, ao tornar isto um ato político, o assassino torna-se um político também, o que nos leva a uma questão fundamental se desejamos ou não atores políticos que tenham na violência uma tática política legitimada? Essa é uma questão que tem unido sombriamente revolucionários e reacionários ao longo da história;
9 - Além disso, ao menos a este leitor [lembrando que as posições ideológicas do crítico sempre estarão presentes na análise, assuma ele ou não], a legitimação da violência enquanto processo político será sempre temerária e um erro. Toda vez que nós, enquanto oprimidos, recorremos às armas dos opressores, nos tornamos parte deles. Legitimamos o discurso deles. Isso sem falar no risco da generalização, pois que, embora o cenário seja de fato horripilante, o caminho se dá sempre pela política, de modo que simplesmente achar que um assassino deles resolveria a questão cairá no grande pecado da ingenuidade. Na fila pelo trono da tirania a da demagogia a história mostra-nos que não nos faltarão candidatos, de modo que talvez a revolução esteja tão somente em métodos que andem antagonicamente distantes dos processos e métodos que criticamos;
10 - Enfim, Matando Politico é mais do que nunca fruto de seu temo de de certa ingenuidade de que se é possível lutar com as mesmas armas e práticas dos opressores. Todavia, ressaltamos aqui nossa tentativa de compreensão deste grito, pois que cada vez mais nossa indignação e nossa revolta têm sido testadas pela classe política em seus diferentes espectros. Contudo, há de se problematizar a indignação, pois que ao longo dos tempos ela tem sido uma chave para despertar a ira das massas a serviço deste ou daquele tirano. Nossa história bem recente é prova de que indignação sem reflexão pode parir monstros e imbecis que logo passamos a chamar de Senhor Presidente, Senhor Ministro. Além disso, há de se questionar o gatilho último do autor, uma curiosa incitação que mexe diretamente com os leitores e demandará deles uma posição, inclusive ética. É portanto, enquanto domínio literário, uma obra de vicejantes qualidades, trazendo contudo problemáticos conceitos que apenas demonstram o nível de radicalização desta nação. Talvez aí seu maior alerta, estamos à beira de um colapso.
Tags:
Resenhas