O que não falta no mercado são obras acerca da escrita. Grande parte delas, muito boas mesmo. Temos ainda as obras - sempre autênticas - de muitos escritores compartilhando sobre a arte da escrita. O que não encontramos facilmente é material tratando do inverso, um manual dos livros ruins. Não pretendemos chegar a tanto, mas ancorados em nossa experiência enquanto leitor - e com a subjetividade disto - compartilhamos dicas infalíveis para escrever livros ruins:
1 - Não leia livros: A maioria das dicas de escrita dão conta da necessidade de antes do nascer o escritor, nascer o leitor. Em muitos casos isso não é levado a sério. Contudo, nada mais explícito numa narrativa que o autor-leitor-pobre (e não leia-se aqui pobreza enquanto condição social). A falta de leitura do autor impacta em todos os níveis da obra, de suas camadas mais superficiais a questões mais complexas como a linguagem. Quando não denunciam a falta de conhecimento de mundo do autor. Toda a narrativa escrita por quem não leia, salvo genialidades inverossímeis, será pobre. Aí alguém dirá que isso é elitismo, entretanto, reforço que a capacidade de ler algo não está diretamente relacionada a questões de escolaridade - ainda que isso facilite o processo - ou tampouco à escrita em si. Leitura dá-se também pela oralidade, pela percepção de mundo. Mesmo um analfabeto é capaz de ser um leitor, desde que um ouvinte atento. Aliás, a Odisseia esta aí como demonstração. Além disso as leituras de um autor são fundamentais, afinal, como mostra Bakhtin em sua teoria sobre polifonia, um texto nasce das vozes de tantos outros textos, o que torna a escrita mais complicada aos que acreditam num mundo sem leitura;
2 - Conheça apenas uma coisa: Um escritor que pense ser possível ser especialista de uma única coisa como sustentação de suas tramas está fadado à decepção. De modo geral as piores leituras feitas aqui no blog estão relacionadas a uma ou outra fraqueza no campo de conhecimento de mundo dos autores. Não pode-se narrar uma cena num tribunal, se não conhecê-lo, não senti-lo. Não pode-se escrever uma história política sem alguma base de conhecimento como funcionam candidaturas, eleições, e mais complexo que isso, o comportamento dos diferentes agentes envolvidos nesse processo. Mas isso ocorre, quando não, em algumas leituras feitas aqui no blog, narrativas apresentam um viés desinformado ou incongruente a qualquer fundamento social ou histórico envolvido. Aqui no blog já nos deparamos com narrativas que são verdadeiras denúncias da fragilidade do conhecimento educacional e intelectual de nosso ensino. E não estou sequer falando das questões linguísticas do texto;
3 - Não cuide da gramática e da linguagem: Com certeza vocês encontrarão textos problemáticos aqui no blog, mas se atenua minha pena, estou sempre procurando melhorar. Escrever é de fato uma tarefa exigente, mas especialmente com as facilidades de publicação, não raro nos deparamos com livros com sérios problemas linguísticos, seja de natureza sintática, ortográfica, lexical e por aí vai. Advogo parcialmente em nome de autores, às vezes na ânsia da publicação, descuidam-se das exigências da língua. E isso não tem com pedantismo gramatical. Quem quer que seja um leitor habitual e que por ventura tenha deparado-se com publicações com erros contumazes de linguajem sabem o quão inoportuno e incômodo isso é para a leitura. Esse problema grave ocorre geralmente em auto-publicações ou publicações por casas desconhecidas e pequenas. E quando eximo em parte os autores - incluso este que vos escreve - o faço porque em grande parte caberia aos editores e revisores completar o longo processo que transforma uma ideia numa narrativa publicada. Num livro.
4 - Ignore os gêneros literários: Escrever um livro presume-se gostar e compreender um pouco de literatura. Presume-se ser um leitor, mas como vimos no primeiro item, nem sempre isso ocorre. Hoje em dia o que mais existem são gênios criativos com a certeza de que escreverão a nova grande obra literária, sem ter lido ao menos uma grande obra literária de fato. Acontece que com o crescimento do fenômeno escritores não-leitores uma ideia perde-se na incapacidade de compreender qual gênero contar sua história. Em muitos casos a falta de compreensão de como funcionam ou o que são os gêneros literários entrega ao leitor algo ininteligível. E não digo aqui que o autor deva seguir os ditos de um gênero (exceto o policial se levarmos em conta Todorov), pelo contrário, a literatura nos mostra que existe justamente nas experimentações estéticas, no burlar dos gêneros, no esgaçar ou espicaçar seus limites. Mas para fazer isso, tem de se conhecê-los. E os contos, este gênero tão fantástico, bem prova o quão ruins são aquelas narrativas que desconhecem sua gênese;
5 - Um olho na livraria, outro no cinema: Muitos dos livros ruins que li não eram livros escritos, mas livros que virariam filmes, pelo menos na concepção de seus autores. Acontece que nestes tempos de self life, raros os que escrevem porque escrevem. Muitos de uma nova geração de autores encontram nos livros - ou na escrita - trampolim ou ponte para outros caminhos: a televisão, por exemplo. Nesse processo não raro deparamo-nos com obras escritas já na perspectiva - ou devaneios - de ser filmada e adaptada para o cinema, ou mais recentemente uma série de streaming. Desconhecem que cada qual no seu cada qual. Mesmo as adaptações literárias que se tornaram sucesso, só o foram porque cada obra existiu especificamente em sua arte. Um romance deve ser escrito como um romance, não como um romance que vai virar um filme da Sessão da Tarde ou da Tela Quente. Mas não raro encontramos obras assim, muitas publicadas por grandes editoras, em que até mesmo a estrutura de um roteiro é aparente em sua caixa formatada para uma exibição em hora e meia, duas;
6 - Escreva sobre sua paixão: Talvez o item mais subjetivo de todos nesta lista. Mas como leitor as leituras que muitas vezes me incomodaram estão aquelas em que a aparente paixão do autor pelo assunto fragilizou sua abordagem e argumento. A paixão nubla algumas falhas, torna invisível lacunas, e a mim, parece que as leituras que tratam sobre incômodos e incompreensões tornam-se mais eficientes e de maior qualidade;
7 - Escreva e publique: Falo aqui como leitor, mas enquanto autor já sofri por não levar este item mais a sério. Uma dica perfeita para um autor escrever livros ruins é acreditar-se um iluminado. Um deus das canetas e da teclas que basta sentar na cadeira uma vez, escrever a história que já está pronta, e publicá-la. Desconfio que textos nunca estarão prontos por completo, embora chegue a hora da decisão, sim, agora está apresentável. Mas essa hora não será nunca após a primeira versão;
8 - Escreva como aquele livro: Nem para marketing creio que isso ajude, muito menos para a escrita. Entretanto o que não falta no mercado e na internet são meras emulações de outras obras. Cinquenta Tons que o diga, ainda que ele próprio seja uma emulação. Relacionar sua escrita ou mesmo escrever emulando outro escrito serve talvez como processo de treinamento, mas não deveria nunca chegar ao objeto final livro. Pensando enquanto leitor, o que me levaria a ler um livro como aquele outro e não o próprio? O incômodo deste tipo de leitura só aumenta no leitor com a ampliação de sua bibliografia. Se você ler dez livros que são basicamente a mesma coisa, trocando nomes e lugares, quanto mais essa fila aumentar, mais você verá que trata-se de leitura ruim. Isso, aliás, não se sustenta a longo prazo, mas o leitor leitor mesmo, desse que gosta de ler e desbravar coisas novas, não demorará para perceber que lhe faltará tempo para conhecer toda a outra boa literatura, com tramas e histórias diferentes. E quando ele perceber isso, não vai querer perder tempo lendo a mesma coisa;
9 - Acredite que toda história é boa: Talvez seja este item um tanto polêmico, afinal, quem sabe se aquela história ruim não foi apenas incapacidade do autor. Pode ser, mas desconfio que o problema está mesmo no fato de o autor acreditar que toda história é boa de se contar, ou que pelo menos ele é capaz de contá-la. Todo mundo é capaz de contar histórias, já contar todas, pode ser mais complexo. Assim, já nos deparamos com histórias as quais seus autores acreditaram que podiam contá-las, embora não pudessem;
10 - Escreva o que não conhece ou entende: Agora 10 de 10 livros ruins, você pode ter certeza, o são porque em parte o autor desconhecia sobre o que estava escrevendo. Conhecer algo é um processo amplo, dinâmico e complexo, por isso se sua história não estiver interligada a sua leitura de mundo, do seu mundo, é batata para um livro ruim.
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