10 Considerações sobre Filosofia do Cotidiano, de Luiz Felipe Pondé ou sobre pequenas coisas que causam grandes problemas

O Blog Listas Literárias leu Filosofia do Cotidiano, de Luiz Felipe Pondé publicado pela editora Contexto. Neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - O primeiro desafio da leitura da obra de Pondé talvez seja descobrirmos se estamos ou não dentro de um publico que ele deseja ou queira como leitores, pois sua ironia e provocação aos que chama de "inteligentinhos" mais do que polemizar, acaba na verdade restringindo o contraditório, uma conduta autoritária bastante danosa à discussão intelectual. Digo isso, porque essa postura acaba reproduzindo o mesmo problema da esquerda, a ruptura de diálogo, a incapacidade de romper as próprias bolhas de afirmação, pois que, ao provocar e rechaçar o possível contraditório como veremos em muitos momentos de seu texto é como se matasse sua abordagem ao debate, como reflexo possíveis melindres em mesmo aqueles que não estejam entre os supostos "inteligentinhos" escrachados pelo autor, castrando dessa forma qualquer problematização de seus argumentos. Isso significa dizer que (embora o sejam em geral os textos) Pondé parece querer falar apenas e tão somente a um público bastante específico, e para além disso escreve sugerindo - ou desejando - que determinado público sequer o leia. Nesse rechaço, talvez não perceba que pode melindrar mesmo o leitor imaginado, de algum modo "forçado" a concordar com seu ponto de vista;

2 - Dito isso e, sem saber qual tipo de leitor seria na imaginação de Pondé (posso apenas assumir-me uma leitor progressista e antiautoritário), neste post singelo procurarei tão somente tratar de algumas abordagens nesta publicação que de acordo com o próprio autor "o cotidiano nem sempre é tomado apenas por essas questões profundas. E nem só delas vive o homem, mas também das banalidades. Muitas vezes, ele é tomado por questões "menores", e é a elas que nos dedicaremos aqui" destaca Pondé, convergindo ainda para os ares distópicos de sua construção de futuro dizendo que "o cotidiano tenderá a ser mais pobre no futuro. Mais entediante e previsível" assumindo ele a condição de discutir as pequenas e não grandes questões na respectiva publicação;

3 - E trata-se bem disso o presente livro. A tentativa de discutir e debater as "banalidades" do cotidiano, partindo de perguntas norteadoras como por que acordar? ou se é melhor viver na realidade ou na fantasia? a questões como o eleitor real, os "dramas" contemporâneos da sociedade pós-consumo, bem como certa centralidade e preocupação na apatia juvenil, aos olhos do autor, um problema epidêmico. Sobrando espaço para debater, inclusive, algo que lhe beira quase como uma fixação patológica pelo sexo na hora do expediente e e abordagens sobre mulheres, que tirando algumas assertividades, noutras beiram a misoginia e o machismo, mas disso pretendo falar na parte final deste post;

4 - Antes de prosseguir, porém, creio que valha o compartilhar algo da experiência pessoal deste para que não se tome as críticas por vezes feitas como mero fruto ideológico. Entre pessoas de direita geralmente sou visto como esquerdista e nas falas mais violentas, um esquerdopata. Não muda muito quando entre pessoas de esquerda, especialmente de uma esquerda mais ativa, a quem não raro sou visto como um direitista. Talvez que isso mostre que tenha meus acertos e aqui significa dizer que adentro a leitura de um texto com meus valores ideológicos, sim, mas acima de tudo, na busca de elementos que me façam sentido, mesmo naquelas obras que em grande parte contradigam meus pensamentos, valores ou ideologias. Em minha ingenuidade acredito que seria mais produtivo se todos agissem assim, por isso, embora muitas das abordagens de Pondé não me agradem nem um pouco, inclusive a arrogância natural dos filósofos, importa dizer também que, discordando em partes, há elementos que devem ser considerados, e muito neste livro. A começar pela tentativa de debater "as banalidades" do cotidiano. O autor acerta nisso, porque parece-me que (e esta leitura e outras demonstram) são as pequenas coisas que muitas vezes movem as pessoas, seja na escolha de seus governantes, seja no ato de um domingo ir assistir ao futebol. Temos visto mais do que nunca como pequenos desejos, mas especialmente pequenos rancores, podem mover as massas, para o bem o para o mal. A paixão pelo futebol ou o simples fato de desejar uma casa faz jovens abdicarem a infância pelo futebol, a paixão por animais pode resultar numa ONG, o racismo pode derrubar governos, o incômodo de partilhar a sala de aula com a filha de empregados pode ser mais decisiva que a política econômica, de modo que, de fato, creio que a filosofia não deva mais negar o poder do cotidiano;

5 - Além disso Pondé em seu pensamento de direita acaba fazendo algo que a esquerda muitas vezes tem problema, pensar sobre o mundo e o ser real, não apenas o imaginado. Isso percebe-se quando discute o eleitor real, que embora uma perspectiva dura, mais sincera do que falsas idealizações. Aliás, a compreensão destes tempos presentes de populismo e avançar de ideias autoritárias e totalitárias prescinde uma análise do comportamento social real, não o idealizado. Em muito de seus artigos no livro, o autor consegue alcançar este ponto;

6 - Entretanto, por outro lado vale dizer que o leitor atento, ou talvez consciente das diferentes bolhas sociais, as inclusivas e as exclusivas, perceberá que Pondé não só talvez limite o leitor esperado, mas também nos apresente uma análise do cotidiano de um cotidiano bastante restrito - ou restritivo. O cotidiano analisado aqui, a despeito de sua aparente popularidade, exclui contudo, talvez a maior parcela social do país. O cotidiano dos pobres, embora entenda que o autor desconheça, certamente é bem outro dos dramas analisados no livro, que montam no máximo as parcelas do cidadão comum pertencente às camadas medianas da classe média e ao restante de nossa pequena elite burguesa também de classe média (à esquerda e à direita), profissionais liberais, executivos, intelectuais, etc... É este o universo que aborda Pondé no livro, e é este universo que de acordo com as palavras do autor vive grandes crises em seu cotidiano, de modo que precisamos compreender que a análise aqui é de um cotidiano específico e em crise;

7 - Creio que isso fique visível nas diferentes preocupações com a apatia juvenil, inclusive para o sexo. A juventude apática que fala Pondé no livro talvez não seja toda a juventude, pelo menos não aquela parte que mesmo a apatia é uma impossibilidade. Para muitos jovens, por exemplo, não se há tempo para apatia para com a escola, pois estes jovens já a abandonaram em troca de algum trabalho miserável e informal. Sem falar naqueles que a ausência de perspectiva social e a certeza de espaços determinados os atiraram em caminhos mais tortos, onde a morte espreita a cada esquina. Isso contudo não elimina o caráter problemático de que a sociedade que estabelece nosso corpo social do establishment passa por questões preocupantes e a serem debatidas e analisadas como o autor faz no livro;

8 - Ao analisar tais questões, Pondé então nos apresenta um cenário bastante sombrio e preocupante de sociedade. Uma sociedade polarizada e sem diálogo. Um cotidiano atravessado pelas mídias sociais, pelo cansaço da existência, pela ausência de sentido e por uma automação cada vez mais robótica dos indivíduos. Em muitas dessas discussões vejo acertos, entretanto, alguns inimigos apontados pelo filósofo, em alguns casos podem ser no mínimo discutíveis, especialmente sua visão de e da mulher;



9 - Ao exacerbar posturas que tendem ao machismo, Pondé até ganha pelo grau polemizante de suas afirmações ou conclusões, entretanto reforça a este leitor (heterossexual - o fato de ter de dizer isso é meio absurdo, é verdade, mas são estes tempos - monogâmico e vivente num núcleo do que seria uma tradicional família na lógica conservadora) o maior incômodo destes tempos:a ausência de equilíbrio. Quando trata de questões como feminismo, por exemplo, a postura combativa evoca o cenário troglodita e plenamente polarizado dos comportamento social efetivo dos dias presentes. Uma pressão que imagino que muitos homens sintam pelos extremos, num polo a homossexualidade, e noutro a única forma de existência masculina para muitos pensamentos, o troglodita coçador de saco, o carreirista de amantes, aquele que fica rotineiramente competindo pelo tamanho do pinto, obcecado (e muitas vezes revoltado) com a liberdade feminina, o típico machão, cada vez mais presente nas páginas policiais praticando feminicídio. A visão de masculinidade e feminismo de Pondé parece-me ratificar esses extremos, contudo, creio que a masculinidade pode ser preservada sem a necessidade de uma existência como ogro. Isso, aliás, é um problema à direita e á esquerda, mais uma vez. Cada qual lutando pelo seu extremo. Logicamente que não estou dizendo aqui que o intenso e contemporâneo debate e luta entre os gêneros venha causando traumas e fissuras cujos resultados em termos de espécie possam trazer uma e outra preocupação. Contudo, não creio que o homem-ogro seja solução para nada, e que muito menos que se tenha de habitar um extremo ou outro. O cotidiano da sexualidade discutido por Pondé no livro, às vezes parece-me muito extremado e maculado pelos mesmos enganos de muitas visões de esquerda;

10 - Enfim, creio ter discutido algumas questões dessa publicação, polemizadora em muitos pontos, talvez em alguns momentos de "lacração" com sinal contrário. Todavia, a despeito das contra-argumentações aqui realizadas, seja um leitor de esquerda ou de direita (independente se o autor o queira ou não), Pondé embora discuta banalidades, como dito, a compreensão delas nos é hoje importante para a própria compreensão social. Além disso, vale ressaltar, trata-se de uma obra de filosofia, o que significa dizer logicamente que a análise do autor entrelaça em sua análise do banal diferentes pensadores e correntes da filosofia.     



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