10 Considerações sobre Quãm e Os Indícios Mortais, de Tadeu Loppara ou sobre conflitos interplanetários

O Blog Listas Literárias leu Quãm e Os Indícios Mortais, de Tadeu Loppara publicado pela editora Autografia; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Da vertente de uma ficção científica que tende ao misticismo, vide inclusive o fato de a jornada do herói ser aqui também uma jornada espiritual, Quãm é uma narrativa que apresenta alguns elementos promissores, mas também uma série de problemas que podem atrapalhar durante a leitura;

2 - A narrativa de Loppara avança dois milênios de nosso tempo e apresenta-nos um ambiente em que humanos e outras raças alienígenas estabelecem já uma verdadeira sociedade interplanetária, sendo que o protagonista desta jornada está morando ma cidade marciana de Mega Ghibae I. Lao Venner é um policial da cidade envolto na caçada a uma estranha criatura, mas ao mesmo tempo em busca de sua plenitude espiritual, a procura pela "missão", pelo seu quãm. Isto tudo põe-no em movimento entre a Terra e Marte numa ambientação que talvez seja das melhores virtudes da narrativa, pois dialoga com muitas construções do gênero;

3 - Entretanto, como dissemos na abertura deste post, algumas questões problemáticas (apesar da potencialidade da trama e sua criatividade) podem atrapalhar a obra. Nesse sentido, problemas linguísticos em demasia, talvez por falta de uma revisão acurada ou mesmo de uma leitura crítica e mesmo questões pontuais de digitação ou ortografia que poderiam ser resolvidas pelo copidesque, acabam travando em muito o processo de leitura. Isso torna-se ainda mais grave quando, por exemplo, termos caros ao gênero como ciberespaço surge grafado corretamente uma única vez no romance, que não é dos mais curtos. As questões linguísticas e gramaticais são realmente um problema durante a leitura;

4 - Outra questão que a este leitor causou certo incômodo trata-se da escolha e da técnica de escrita num determinado elemento: os desnecessários parenteses de explicação. Eles acabam estragando uma das coisas criativas da obra, as gírias que o autor produz nesse seu mundo em um futuro distante. São gírias e termos bem elaborados, criativos, convincentes até, porém cujo valor perde-se pela escolha de a cada primeira aparição de um determinado termo ou gíria, o autor abrir parenteses para explicá-los. Isso acaba tirando todo o encantamento da criação, sendo que o glossário, que até existe ao final da obra, fosse suficiente. Essa é uma escolha a ser evitada, imagine por exemplo, se a cada novo termo em Laranja Mecânica tivéssemos parenteses explicando seu significado. A bem da verdade essa é uma questão que contraria a maioria das discussões acerca da escrita, pois é meio que consenso que especialmente em termos literários, não se deve explicar, a obra deve revelar. Não existissem aqueles parenteses, as gírias e os novos termos no romance seriam ainda mais autênticos;

5 -  Dito isso, dediquemo-nos então às questões relativas ao romance em si. Dominado pela narrativa em primeira pessoa do policial Lao Venner a obra intercala momentos narrados em terceira pessoa. Ambos os narradores são eficientes em descrever e construir esse mundo futuro. Seus cenários são provavelmente o que de melhor efeito podem causar nos leitores. Unem de certo modo cidades de space ópera e ciberpunk cuja ambientação um tanto caótica e pincelada pelas cores da distopia é certamente a porção mais atraente do romance, em especial pela imersão que proporciona ao leitor;

6 - Enquanto trama e entrelaçamento da obra o tecer é equilibrado, e parte de um princípio em que nos abre este mundo futuro descrevendo-o em suas diferentes camadas enquanto serve também para dar conta das primeiras informações sobre seu protagonista e narrador. Nesse primeiro momento, o provocador principal da ação que inclusive levará Venner de Marte à Terra não estará de todo presente, de modo que estaremos mais a conhecer do policial do que propriamente a ação principal a ser desencadeada;

7 - Quanto ao narrador e personagem é preciso considerar contudo, alguns elementos. Enquanto narrador é eficiente e coerente, porém como personagem Venner soou-nos um tanto inverossímil, especialmente pelo modo um tanto afobado em que transcorrem os acontecimentos. Em alguns deles ocorridos num único dia, Venner os vivencia como se tivessem passado décadas. Nesse aspecto sua relação com Corine é das mais improváveis enquanto modo de narrar, visto a pouca verossimilhança que nos passa a relação dos dois, instantânea nos princípios e no fim;

8 - É que há uma aparente contradição, pois embora um volume longo, e parecer inicialmente aprofundar-se mais, as relações muitas vezes são superficiais, e mesmo a abordagem das personagens acaba não conseguindo investi-los de maiores camadas. Isso se reflete na própria forma pueril com que o protagonista lida com suas perdas, substituindo-as de forma automática e rápida. A bem da verdade talvez porque não encontremos neles o embate dos diferentes dilemas morais que há quando personagens com mais camadas psicológicas;

9 - Além disso, uma terceira questão, esta do processo literário, nos chama atenção. Embora bem saibamos que toda obra ao retratar do seu futuro fala mesmo é de seu presente, neste romance, mesmo sendo ambientada num futuro bastante distante as referências textuais em maior dose acerca do Século XX acaba criando interferências e rupturas, especialmente porque o trabalho mais frágil acerca do período entre as referências ao Século passado e o presente em que se desenrola a narrativa, acaba ao tempo do romance conferindo alicerce mais resistente, como se ligasse dois pontos numa linha direta que às vezes causa estranheza ao leitor;

10 - Mas enfim, no geral Quãm é um projeto promissor, entretanto como trabalhamos neste post, algumas questões que poderiam ter sido evitadas numa edição mais eficiente atrapalharam a experiência de leitura. Aliás, vale dizer aqui que os problemas estão mais na própria edição do que no autor, cujo material tem potencial. Pensamos que aos editores, independentemente do modelo de negócio, possuem compromissos com leitores e com autores, e que sempre, independente do modelo de publicação, a edição dever seguir determinados princípios. O de uma boa e eficiente revisão e um copidesque que se evite erros de forma exagerada, estão entre estes compromissos. Digo isto porque é a segunda publicação da editora que me atrapalham os erros em exagero, isso em narrativas de bom potencial. Levando os apontamentos aqui feitos, a obra de Loppara é criativa e se desenvolve nos melhores princípios e temas do gênero ficção científica. Para quem gosta de ação encontrará nesta leitura, bem como um cenário estranho - no bom sentido - e imersivo de um futuro longínquo.



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