10 Considerações sobre Samurai, de Shusaku Endo ou sobre os mistérios da fé

O Blog Listas Literárias leu Samurai, de Shusaku Endo publicado por Tusquests Editores; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira: 

1 - Samurai é um romance de linguagem áspera e seca capaz de dar o clima tenso e carregado de uma trama que lida com as contradições e dilemas pessoais de suas personagens de modo que tanto em sua atmosfera psicológica quanto no espaço em que transcorre, os indivíduos são fortemente oprimidos por seus questionamentos e pelo próprio movimento político;

2 - Segundo o pós-escrito de Gessel que acompanha a publicação, este romance "é meticulosamente fiel à história". Nele temos uma narrativa que especula sobre a jornada de Hasekura Rokuemon , samurai de baixa patente que nas duas primeiras décadas dos anos 1600 enfrentou uma grande jornada pelos mares e pela América e Europa numa missão ainda envolta peor mistérios diante as poucas documentações históricas existentes sobre esta nublada personagem da história japonesa;

3 - A partir disso, Endo então propões a narrar sua versão desta jornada que o samurai acompanhado de outros emissários e de um padre católico manipulador e carregado de ambições partem do Japão para a Nova Espanha (México) e posteriormente Roma para um encontro ainda sem grandes explicações com o Papa. Enquanto viajam sob ordens de sua senhoria, o grupo desconhece as intensas articulações e brigas políticas no Japão que impactarão diretamente em sua missão e em seus destinos finais;

4 - Sob o fundo desta jornada composta de intensas adversidades, além de sua falta de maior sentido, estão os conflitos entre a cultura oriental e a ocidental, especialmente a perseguição imposta ao cristianismo nesse período, que embora os emissários desconheçam, será intensificado enquanto eles ainda estão no mar, intensificação esta que mudará completamente as intenções de suas próprias jornadas e os desvelará "verdades" e condutas que contribuirão para seus questionamentos;

5 - Para contar sua versão, Endo opta então por duas perspectivas, a de uma terceira pessoa, e introduções de uma narrativa em primeira pessoa do padre Velasco, um sujeito de ambições, que, porém, ao final deixará dúvidas quanto de suas reais intenções, ou mesmo o quanto de sua crença o leva à cegueira perante os movimentos políticos, discutindo especialmente sobre como adesão a determinadas causas podem nublar o discernimento das coisas;

6 - Na verdade, é uma obra dotada de grande opacidade. Sua escrita sisuda, pelo menos nesta tradução (aliás, não sei se pela tradução, o fato que na narrativa em terceira, em determinados momentos carrega marcas de um narrador contemporâneo), nos deixa sempre impactados por certa brutalidade, seja nos dramas internos das personagens, seja na atmosfera do espaço físico que carrega todo o antagonismo da época;

7 - A obra também discute tema sempre presente na obra de Endo, os conflitos de sua cultura oriental com o fato de ser católico, de modo que a fé e seus mistérios estarão presentes de forma ideológica no romance, especialmente através dos conflitos de Hasekura com o cristianismo e com a própria imagem de um Cristo, que inicialmente ojeriza, mas que, ao menos pelos desdobramentos da narrativa, por causa do comportamento dos homens e dos governos, o samurai vai gradualmente aproximando-se, ou seja aproximando-se daquilo que luta para rechaçar;

8 - Assim estabelece-se um interessante jogo de antítese, pois enquanto os japoneses e seu governo forçam aos cristãos apostatarem, o Samurai, convertido pelo cristianismo pelos interesses de sua missão começará a percorrer um caminho inverso de tal maneira que não apenas seus costumes milenares serão questionados, mas que também a descrença será aquilo que poderá justamente reformatar suas crenças, ainda que, Shusaku Endo ainda que apresente indícios, tome a precaução de não afirmar nada quanto à cristandade de Hasekura, deixando tal escolha para a subjetividade do leitor;

9 - Outro elemento interessante do romance que por se tratar de uma obra que mergulha na intimidade do indivíduo humano é que além disto já tratado aqui, o romance também desmistifica a identidade dos samurais, em grande parte reconhecida por suas virtudes romantizadas que quase o tornam uma figura de habilidades sobre-humanas, mas que aqui são postas em todas as suas humanidades, ou seja, com seus temores, suas falhas, seus medos, etc;

10 - Enfim, Samurai é uma leitura para os que não fogem das abordagens complexas e carregadas, pois sua narrativa arrastada e bruta acaba impactando com força o leitor, que precisa estar preparado para este tipo de narrativa exigente que nãos nos abandona após a leitura, e que, a despeito de nossas crenças e convicções, produz uma interessante narrativa que trata sobre crenças não sem deixar de ter sua dose de crítica, até porque ao fim, a própria admiração que vamos vendo saltar com o avanço narrativo pelo cristianismo, não está absolutamente ligada à divindade de Cristo, mas a sua própria humanidade, pois é a figura do homem emaciado, mas humano, que "perseguirá" persistentemente Hasekura;



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