O Blog Listas Literárias entrevistou a autora Ceres Marcon, que recentemente lançou o livro O Ascendente, e que também já participou de diversas antologias. Aliás, vocês podem encontrar muito material no site da escritora sobre o livro e também literatura fantástica. Confira a entrevista abaixo.
LL: 1 - Para iniciar, seu romance O Ascendente retoma a pauta dos seres angelicais em nossa literatura fantástica. Qual sua relação com o universo dos anjos (e demônios) e a sua motivação para o livro?
C.M.: Sempre li diversos gêneros literários e minha tendência ia para os romances, por causa do amor romântico que, hoje, caiu de moda. Por conta de filmes, principalmente series, comecei a me interessar mais por aventuras, mais em específico as que envolviam o sobrenatural. Comecei a assistir Supernatural o que só aumentou minha vontade de encontrar filmes e livros do mesmo gênero. Então, por indicação de um amigo, conheci A Batalha do Apocalipse, do Eduardo Spohr. Devorei cada página e fui atrás dos outros livros dele. Não parei até completar a coleção. Um pouco depois, graças a Odisseia da Literatura Fantástica, encontrei Ethernyt, do Márson Alquati, uma trilogia, envolvendo seres angelicais e demoníacos, com uma visão diferenciada da origem dessas criaturas. Li os três. Ainda, seguindo essa linha, e no mesmo evento, tive contato com a escritora Tatiana Mareto e seus livros O Segredo de Esplendora, que exploram um universo um pouco diferente, com vampiros, demônios, anjos e magia. Também tem Nelson Magrini e o livro Anjo - a face do mal, com uma abordagem diferente de Lúcifer e a Nazarethe Fonseca, escritora maravilhosa, amante do universo angelical. E, lógico, não poderia faltar na minha lista, André Vianco.
Tudo isso, ligado ao desejo de escrever que sempre tive, me fez criar coragem e escrever meu primeiro conto Vitor. Longe do universo de anjos, mas ligado ao sobrenatural, porque aborda um ser parecido com um lobisomem.
Com todas essas histórias que li, mais a série Supernatural, não vi porque não poderia fazer algo nessa linha, mas que não fosse tão longe do mundo criado na Bíblia. Apesar de ter sido criada e batizada na igreja católica, hoje, minha crença pessoal passa longe de aceitar anjos e demônios como foram idealizados na antiguidade. Não sei se isso é bom ou ruim para a minha escrita. Acho que ajuda a colocar esses seres inseridos no contexto humano de uma forma um pouco diferente do que normalmente acontece.
L.L: 2 - Aliás, muitos leitores têm comentado em redes sociais que a despeito da quantidade de obras com anjos, seu livro consegue trazer uma abordagem diferente, o que nós, inclusive também confirmamos, visto que consegue desprender-se de outras obras do gênero. Para você como funcionou isso, e como foi o processo de encontrar sua própria voz numa campo com muitos autores?
C.M.: Acho, ainda, bastante cedo e complicado afirmar que eu tenha encontrado minha própria voz, mas também não me considero mais uma escritora de anjos em meio a tantos outros. Ainda tenho um longo caminho para me firmar nesse mundo da escrita.
Durante a construção da história, tive várias conversas com amigos que gostam do gênero. Troquei ideias com eles e muito do que eu tinha planejado foi colocado fora: personagens, principalmente.
Cada vez que eu pensava em Thomas, meu personagem principal, mais eu tinha certeza que ele não seria um adolescente. Também tinha certeza que não iria misturar mitologias. Queria coerência em minhas escolhas dentro da mitologia católica, mas também queria algo a mais. E esse algo a mais se fez a partir do momento em que as perguntas sobre quais atitudes um ser rejeitado, com duas essências dentro dele poderia tomar? Por que anjos e demônios, sendo criados pelo mesmo Pai, não poderiam se apaixonar uns pelos outros? E, por que não poderiam procriar entre eles, tendo em vista que procriaram com humanos e geraram nefilins?
Acredito que esses questionamentos, entre outros, fizeram com que a história não ficasse parecida com as outras que eu conhecia. Também levei em consideração muito do que Supernatural trabalha com relação a esses seres.
L.L.: 3 - Outro detalhe de seu livro, ainda que esteja presente, a mitologia surge mais ao fundo, pois pareceu-me privilegiar a ação. É isso mesmo? Procuraste manter o ritmo intenso sempre?
C.M.: Na verdade, eu não tive muita opção. A ação pautou as cenas quase na totalidade. As passagens que falam sobre a mitologia serviram para situar os personagens, são, sim um pano de fundo. Até porque, não achei necessário um maior aprofundamento nesse ponto, porque acredito que ela seja bem conhecida pelos leitores.
L.L.: 4 - O Ascendente é o princípio de uma série, tens já definido o tamanho das aventuras de Thomas? O que virá por aí?
C.M.: Eu não tinha me programado para escrever uma sequência, nem trilogia. Acreditava que fosse possível, mas preferi aguardar o retorno dos leitores, que se mostraram dispostos a querer um pouco mais das aventuras de Thomas. No momento, tenho a intenção de escrever um segundo livro, também com a mesma intenção do primeiro, aguardar a reação dos leitores, sem programar a sequência.
Tenho outros projetos no rascunho, aguardando minha atenção, dentro do universo sobrenatural, mas é cedo para dizer se darão certo.
L.L.: 5 - Deixando um pouco o livro, falemos das experiências como autora. Sendo do interior do Rio Grande do Sul, como se apresentam os desafios da carreira de escritora? O espaço geográfico de fato apresenta limitações?
No caso, sou de Antônio Prado, uma cidade pequenina, com uma população aproximada de 13.000 habitantes. Caxias do Sul é um ponto de referência, por ter autores publicados através de leis de incentivo à cultura. Minha cidade está começando nesse ponto.
Acho que tudo é muito difícil. Para mim, pelo menos. Primeiro a gente precisa quebrar o tabu de que em cidades como a minha existem talentos, tão bons quanto nos grandes centros. Outros escritores e escritoras da minha cidade se apresentaram antes de mim e atingiram alguma visibilidade na região, porém tudo passa por conseguir uma editora que acredite no trabalho do escritor. No meu caso, sou independente. Tenho o selo da Cafeína Literária, mas o custo da obra foi por minha conta. A Cafeína fez a diagramação, correção, capa, todo o processo editorial.
Passei meses, antes e durante o processo de escrita, em busca de informações sobre o funcionamento do mercado editorial. Como poderia publicar meu livro? Essa era a questão. Li muito material sobre o assunto. Troquei mensagens com outros escritores, tentei aprender o máximo possível, até para não me decepcionar.
O espaço geográfico atrapalha, sim. Estamos muito longe de centros como Porto Alegre, São Paulo, Rio, que oferecem oficinas de escrita, oportunidades de o autor ser conhecido pelo público, como eventos literários, lançamentos de livros, enfim. A velha máxima: quem não é visto, não é lembrado é verdadeira.
Por outro lado, vejo tantos outros escritores, que vivem bem mais próximos desses centros, reclamando das mesmas coisas que chego a conclusão que o mundo da escrita é difícil para todos que embarcam nele.
L.L.: 6 - Aliás, aproveitando a questão anterior, poderíamos ampliá-la. Como tens visto a literatura fantástica no Brasil? Quais são seus desafios?
Boa pergunta. Não faz muito que li um artigo teu que falava sobre isso. O texto é de 2013, e lista os dez clichês da literatura fantástica brasileira, mas não encontrei motivos para refutar tuas afirmativas.
Acredito que ainda precisamos amadurecer como escritores de um modo geral, mas principalmente no universo da fantasia. Mesmo tendo Spohr, Vianco, Draccon, falta algo mais. Temos aí o Rubens Francisco Lucchetti, um batalhador incansável dessa linha de fantasia. Porém, os novos, e me incluo, estão propensos a repetir o que já foi feito. Talvez por paixão pela temática e gênero, talvez por comodismo, por moda, porque "se para fulano funcionou, vai funcionar para mim”, porque acreditam que se tornarão best-sellers e acabam esquecendo de inovar, de buscar elementos que transformem o comum, o clichê, em algo diferente, porém crível, possível de existir, que faça o leitor se apaixonar. Estamos apenas copiando o que deu certo lá fora. Tenho como certeza que para aprender, não basta copiar, mas entender como as coisas são feitas, no caso a literatura de fantasia. Quando os escritores pararem de se preocupar com a cópia, teremos não uma voz, mas várias vozes nacionais dentro da fantasia. Aliás, até já citei algumas dessas vozes, mas há outras, como Christopher Kastensmidt, Felipe Castiho, que trabalham com lendas brasileiras de forma majestosa. Você mesmo, com Morgan o único, fez algo surpreendente dentro da linha de mortos vivos.
Eu, particularmente, fico com os anjos, porque é onde me encontro. Conheci, há um ano, mais ou menos, um autor maravilhoso: Fernando Raposo, que escreveu um livro incrível, Hollen - anjo caído, que aborda a mesma mitologia que eu utilizei e que usou elementos esquecidos pelos escritores do gênero. Uma história surpreendente, justamente porque foge do que é comum. Esses dias, conversando com ele, pensamos até em fazer um crossover com nossos personagens, pela similaridade do universo em que estão inseridos. Espero que ele não mude de ideia.
São poucos os autores que se diferenciam, nesse universo de fantasia, mas sou otimista. Ainda vamos longe.
L.L.: 7 - Falando nisso, um dos seus destaques é o êxito na ambientação, mostrando que o uso do espaço comum (ou seja, Caxias do Sul, Porto Alegre) pode ser apresentado com naturalidade e sem exageros na literatura fantástica. Como você observa esta questão?
C.M.: Não vejo problema com a ambientação ser no Brasil ou no exterior. Acredito que o leitor está mais preocupado em ler uma boa história do que com o lugar em que ela acontece. Optei por ambientar nessas cidades por orientação de meu coaching. Aquela coisa de escrever sobre o que se conhece e usar a ambientação para ganhar o público da região. Hoje, não acredito que isso influencie o leitor na hora da compra, nem em achar o texto bom ou ruim. O que importa é a história. Sempre é ela.
L.L.: 8 - Além disso, seus cenários, sua descrição, tudo monta uma paisagem interessante. Como observas a importância do poder de imagem do texto para as narrativas fantásticas?
Um leitor, por mais conhecedor da mitologia em questão, gosta de visualizar lugares e personagens. Se o escritor der poucos detalhes, no caso da fantasia, complica o quadro mental que o leitor tenta montar. Se oferecer detalhes demais, fica cansativo.
Como não sou apensa escritora, sou leitora em primeiro lugar, comecei a observar o que eu gostava em um livro e o que me fazia pular os parágrafos. A descrição, em alguns casos, como disse, cansa. Só se descreve uma árvore se ela for diferente em alguma coisa que tenha relevaria para a história, caso contrário ela é apenas e tão somente uma árvore. O leitor sabe disso e não pode ser feito de bobo.
O cuidado para encontrar o caminho da descrição é cansativo, mas necessário. Livros que criam universos são diferentes. Precisam de mais detalhes, porque o leitor tem que estar inserido no cenário. No caso de O Ascendente, não me preocupei tanto, porque como disse, o leitor conhece um anjo, um demônio. Uma cidade não difere muito de outra, a não ser pelo tamanho e elas eram apenas um pano de fundo, um local onde a história se desenrolava, mas não eram fundamentais. Poderia ter sido em qualquer outro lugar. O que importava, mesmo eram os personagens, por isso dei mais atenção a eles.
L.L.: 9 - Sobre O Ascendente, quais suas descobertas a partir de seu lançamento? Além disso, você já participou de muitas antologias, há diferenças entre estas participações coletivas e o voo solo?
Minhas descobertas? Bom, acho que elas passam pelo desconhecimento do marketing. É preciso entender como se faz para vender o peixe que se pescou. Falo isso por ser independente. Não tenho uma editora que banque propaganda, nem paga para o livro ser lido por blogueiros famosos, então o negócio foi garimpar. Procurar por quem eu conhecia na área e descobrir outros. Também é preciso ter contatos influentes na mídia, para abrir espaço em jornais e rádios, sem ter que colocar a mão no bolso. Tudo é muito caro, e cultura, de um modo geral, no Brasil, não dá muito retorno. Logo, esses veículos de comunicação não dão muito espaço para os livros. Estou generalizando. Há os que investem em divulgação de livros, mas são poucos.
Para ser autora independente é preciso dinheiro e contatos. Também tem que ter leitores interessados no que você escreve. Não tenho um número grande de leitores, mas, aos poucos, está aumentando, por conta dos blogs, instablogs, facebook e a divulgação que faço de outros escritores no meu próprio blog ajuda, também.
A diferença entre as antologias e o voo solo, para mim, está no fato de que na primeira, você é mais um na multidão. Nem todos que compram antologias leem todos os contos. Os leitores estão interessados no conto do escritor “X”. Os outros, se forem lidos, poderão ganhar algum bônus, como um novo fã. No voo solo, você comanda a aeronave. Disputa o espaço com outros escritores, também, porém você terá algumas armas para chegar até o leitor: uma capa para ajudar o leitor a enxergar o seu trabalho e uma sinopse da história.
Em uma antologia, não há garantias de que os outros contos, por mais que tenham passado por uma seleção, sejam bons, realmente. Se o leitor iniciar um conto e não gostar, pode passar para o próximo, ou desistir e nunca chegar a ler o que você escreveu. A venda das antologias é mais complicada, porque você tem que vender o peixe de todo mundo, não só o seu.
L.L.: 10 - Para finalizar, há alguma dica, para nós, pobres mortais, podermos "ver" essa guerra entre anjos e demônios por nossas cidades gaúchas? Com isso, acreditas em anjos, demônios e outras criaturas que nos observam?
Toda vez que a pele arrepia, alguma coisa além do mundo físico passou perto de nós. Quando algo nos desvia de determinado caminho e atrasa nossa chegada ao destino, fomos poupados de algum tipo de sofrimento. Acredito em vida após a morte. Acredito que temos um corpo espiritual que continua vivo pela eternidade e que, invariavelmente, voltará ao corpo físico a fim de executar compromissos assumidos e não finalizados. Por isso, estamos sim, cercados pelo “sobrenatural”. Entendo que anjos são a consequência de atos e sentimentos bons que plantamos durante nossa existência terrena, assim como demônios são o oposto.
Amo a ideia de imaginar seres de asas brilhantes voando por entre nuvens. Sugiro que ao verem uma tempestade se aproximar, imaginem uma batalha em andamento. E para saber quem venceu, observem o resultado final dessa tempestade. Durante a noite, quando o vento cantar mais forte, apure o ouvido. Talvez você descubra a voz do anjo que guarda teu sono ou do demônio que quer te seduzir.
E, como terminamos as questões, quero agradecer a você Douglas e ao Listas Literárias pela oportunidade que você me ofereceu. Conte sempre comigo. Um super abraço para você e os leitores do Listas.
Obrigada, Douglas!
ResponderExcluirGostei muito de participar da entrevista.
Muito sucesso pra você.
Eu que agradeço a bela entrevista.
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