10 Considerações sobre O fio da trama, de Alessandra e Consuelo Blocker ou sobre a história da moda brasileira

O Blog Listas Literárias leu O fio da trama, de Alessandra e Consule Blocker publicado pela editora Tordesilhas; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - O fio da trama é  reconstrução biográfica de três gerações da família Pascolato na Itália e no Brasil e sua relação com a moda não apenas brasileira, mas também com a moda mundial, e tudo isso a partir de fragmentos de diferentes diários começando a partir de Gabriella Pascolato e sua vinda com a família para o país em meio aos desdobramentos da Segunda Guerra Mundial;

2 - A proposta do livro é trazer a história da família Pascolato desde sua presença na Itália durante e no final da Guerra remontando esta história a partir dos diários de Gabriella Pascolato, e aqui um detalhe a ser analisado, pois que a manutenção dessas vozes em primeira pessoa, especialmente no caso de Gabriella com a sugestão de ser reprodução de seu diário, encontraremos um e outro anacronismo que indicam retrabalho no texto original. Nesse sentido, a obra acaba meio que dividida em três partes a dar conta das gerações de mulheres Pascolato, com Gabriella, depois sua filha Constanza que participa da publicação, e por fim de Alessandra e Consuelo; Nestas partições, a primeira acaba focalizando a relação de Gabriella com o esposo e a fuga da Itália ao final da Guerra, depois já no Brasil temos a agitada vida de Constanza Pascolato e como ela acabou tornando-se uma das maiores referências da moda brasileira, até, por fim, os caminhos das autoras, Alessandra e Consuelo, cujos brilhos, embora produzam e preparem o livro,  são de certa forma ofuscados pelo pioneirismo das matriarcas;

3 - Dito isso e tendo em conta o caráter um pouco autobiográfico e um pouco prestador de homenagens, o que, claro, impacta na abordagem de uma obra, o livro reúne um conjunto interessante de informações a se destacar especialmente dois campos, o contexto social e histórico em que os Pascolato estavam envolvidos, e também as reverberações que a chegada da família ao Brasil causaram;

4 - Realizadas tais considerações podemos partir ao elemento que talvez nos seja [ao menos a este leitor e o tipo de binóculo que se criou ao olhar para o texto] o mais relevante nesta publicação. A reconstituição do diário e da escrita de Gabriella Pascolato desde sua juventude, ao casamento, a uma Itália pré-guerra, durante e após a guerra, ao leitor atento, se poderá construir reflexões de como este imenso e trágico evento tocou a burguesia italiana, bem como que tipos de olhares se tinham para com o fascismo naquela época;

5 - Nesse aspecto parece o livro tentar ao tempo todo justificar os histórico de Miki junto ao fascismo, inclusive sobre sua participação no governo de Mussolini. Como contrapeso fala-se das supostas famílias judias que tiveram ajuda deste para fugir da Itália, entre outras coisas. Mas o que a obra não consegue mascarar [talvez porque não seja a intenção] são os reflexos do fascismo junto a burguesia italiana e o encantamento de sua política nestas classes privilegiadas e animadas com a ideologia do Duce. Com uma culpa que ao mesmo tempo parece relativizar, os textos de Gabriella Pascolato, ainda que possam ter recebidos alguma ou outra modificação são documentos de um pedacinho da história do mundo, até porque, ao se casar com Miki, ela a a família estiveram muito próximos de todo esse turbilhão;

6 - Aliás, em certa medida o leitor-garimpeiro, embora não seja essa a ideia do livro, é capaz de perceber mais ou menos a lógica hipnótica de certas ideologias e lideranças políticas. Há certo contraste entre a estudante Gabriella e a esposa Gabriella acerca das medidas políticas do Duce. Curiosamente, como tantos exemplos que podemos ver, inclusive em nosso presente, "o cair da ficha" só vem quando os encantados vêm aproximar-se de suas casas os resultados das políticas e dos políticos nefastos. Via de regra a burguesia parece acordar apenas quando o sangue se aproxima de seus lares, quando tudo começa a ruir, ainda que certamente não faltassem avisos e rechaços ao fascismo;

7 -  Outro elemento nesse aspecto que é curioso abordar, que assim como outras leituras já feitas por este leitor, a guerra em si parece demorar a jogar seu capote sobre os mais ricos e poderosos. As coisas se tornam mais perigosas a Gabriella e à família já é mais ao fim da Guerra, e principalmente com a vitória aliada e os temores que o marido sofresse retaliações. É aí que surge outro elemento, a força e o poder das redes burguesas de proteção e que possibilitam suas vindas para o Brasil, e aqui, com o capital que tinham abrir a Santaconstancia;

8 - As partes posteriores do livro, claro, dependerá do leitor, se este ou esta tiver mais interesse na moda que na biografia das mulheres Pascolato, o livro traz como a rebeldia da jovem Constanza Pascolato acabou se tornando uma das principais referências na moda brasileira. Quando concentrado em Constanza o livro fala de suas relações muitas vezes tumultuadas com a família e em seus relacionamentos amorosos e como isso de certa forma levou-a à Revista Cláudia, onde promoveu um divisor de águas na moda nacional;

9 - Menos vibrante que as partes anteriores, o desfecho de três gerações traz um pouco das jornadas de Alessandra e de Consuelo Blocker, suas relações como os meios editoriais, aliás, aqui, mais exemplos de relevância das redes de apoio e suporte e dos laços de amizade, mas que sem tanta atenção às suas carreiras profissionais, parecem focar em suas jornadas familiares;

10 -  Enfim, O fio da trama surge como um interessante documento da moda brasileira e da história. Também é uma espécie de autobiografia de uma família que trouxe grandes mudanças para moda, de certa forma também para economia brasileira. Claro que numa leitura crítica, é interessante observar os diferentes mecanismos e facilidades, a despeito dos desafios, que lhes permitiram a construção deste pequeno império. Todavia, a este leitor em especial, o sumo da publicação é a análise e observação do contexto histórico de sua primeira parte, isto em todas as suas qualidades e contradições.



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